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3 Conhecimento do professor

3.2.1 Conhecimento de conteúdo específico

O conhecimento de conteúdo específico5 refere-se aos conteúdos específicos das disciplinas,

como os conteúdos de matemática, é o conhecimento amplo dos conteúdos que ensina. “ Inclui tanto as compreensões de fatos, conceitos, processos, procedimentos, etc. de uma área específica quanto aquelas relativas à construção dessa área.” (MIZUKAMI, 2004, p. 5). O que implica dizer que os conteúdos específicos são diferentes de uma área para outra, tanto com vistas aqueles que serão ensinados quanto à própria construção e validação do conhecimento em cada área específica.

De acordo com Shulman (1986) referindo-se a Schwab, o conhecimento de conteúdo específico depende das estruturas substantivas e sintáticas da área. Na estrutura substantiva estão incluídos os conceitos, os fatos, as idéias, os procedimentos e as relações entre estes (WILSON; SHULMAN; RICHERT, 1987).

Quanto à estrutura sintática, consiste em “um conjunto de formas nas quais a verdade ou a falsidade, validade ou invalidade são estabelecidas.”6(SHULMAN, 1986, p. 9), ou seja, como Shul-

man e seus colaboradores definiram “a estrutura sintática envolve o conhecimento das formas pelas quais a disciplina produz e avalia novos conhecimentos”7(WILSON; SHULMAN; RICHERT, 1987, p. 118), como o conhecimento é aceito pela comunidade da área (MIZUKAMI, 2004). A pesquisa- dora Mizukami (2004) ressalta que “é importante que o professor não só aprenda os conceitos, mas que os compreenda à luz do método investigativo e dos cânones da ciência assumidos pela área de conhecimento” (p. 6). Porém, concordando com a referida pesquisadora, “embora o conhecimento de conteúdo específico seja necessário ao ensino, o domínio de tal conhecimento, por si só, não garante que o mesmo seja ensinado e aprendido com sucesso. É necessário, mas não é suficiente.” (p. 6).

O conhecimento de conteúdo específico não se resume simplesmente ao o que é determinado conteúdo, mas inclui o por que é.

5Subject matter content knowledge(SHULMAN, 1986, p. 9) traduzidos por: Conhecimento do conteúdo da disciplina (CURI, 2004, p. 33) ou Conhecimento da matéria que ensina (FIORENTINI; SOUZA JR.; MELO, 1998, p. 216) ou conhecimento de conteúdo específico (MIZUKAMI et al., 2003; MIZUKAMI, 2004).

6Texto traduzido do inglês por nós. 7Texto traduzido do inglês por nós.

Em relação à Matemática, entendemos que o conhecimento do conteúdo não se limita somente aos procedimentos e às técnicas para a resolução de exercícios e/ou problemas e nem somente aos conceitos e idéias. Mas inclui conhecimento de atitudes científicas envolvidas na validação do co- nhecimento matemático. Por exemplo, quando uma determinada hipótese não pode ser considerada válida por se mostrar verdadeira em apenas determinadas situações, e que pode, erroneamente ser generalizada e entendida como válida; são as provas erroneamente substituídas por mostras e exem- plificações e não pelas demonstrações. Em outras palavras, quando um caso particular, de forma equivocada é considerado suficiente para provar uma afirmação.

Outro exemplo, também, é quando de maneira incorreta pode ser entendido que as relações, teo- remas e postulados da geometria euclidiana são válidos como verdades incontestáveis em quaisquer outros referenciais, desconsiderando a existência de outras geometrias.

Ao utilizarmos o contexto da exploração-investigação matemática como mediadora para a cons- trução de conhecimento matemático é possível ir além de fatos, conceitos e procedimentos, pois a partir do momento em que a atividade é desencadeada pela exploração, ao se propor uma questão a ser investigada e se elaborar uma conjectura (ou várias), há necessidade de se buscar a validade ou não de tal conjectura. Neste desenvolvimento é possível, mobilizar e reconstruir conhecimentos relacionados à estrutura sintática do conteúdo da disciplina.

Curi (2004, p. 37) referindo-se a Ball (1991) reafirma as necessidades do professor ter conhe- cimentos “de e sobre” matemática para ensinar matemática. Para Ball (1991), de acordo com Curi (2004), os conhecimentos de Matemática envolvem o conhecimento de conceitos, proposições e procedimentos matemáticos, da estrutura da Matemática e das relações entre os temas matemáticos. Os conhecimentos sobre a Matemática incluem conhecimentos sobre a natureza desta ciência bem como de sua organização interna, da compreensão dos princípios subentendidos aos procedimen- tos matemáticos e seus significados além dos conhecimentos relacionados aos modos de se fazer Matemática, como a resolução de problemas e o discurso matemático.

Em síntese, o conhecimento de conteúdo específico é necessário para o ensino, não sendo possí- vel um ensino efetivo apenas considerando-se os aspectos pedagógicos ou metodológicos, uma vez que “ninguém consegue ensinar o que não sabe” (LORENZATO, 2006b, p. 3).

No caso específico dos conteúdos geométricos tratados nas tarefas aqui apresentadas, o co- nhecimento do conteúdo específico inclui os fatos e conceitos matemáticos, como os conceitos de quadriláteros ou triângulos, por exemplo. Inclui também as formas de validação do conhecimento na área. Por exemplo, quando uma das professoras buscava comprovar que não existiria triângulo escaleno acutângulo (“203. B. (. . . ) Não tem como fazer triângulo com os três ângulos menores que

90o. (1E-v6de6)8), ela acabou por determinar um contra-exemplo (“232. B. Aí, deu certo, Pronto!

(1E-v6de6)9) para sua afirmação, provando a falsidade da afirmação pela existência de apenas um

contra-exemplo, que basta (“Pronto!”). Este procedimento para refutarmos uma conjectura é um processo inerente às construções da própria área e necessário às ações do professor em sala de aula. Desta forma, afirmamos que a inclusão da estrutura sintática e da estrutura substantiva ao pensar no conhecimento do conteúdo é importante pois como afirmam Fiorentini, Souza Jr. e Melo (1998, p. 316)

Este domínio profundo do conhecimento é fundamental para que o professor tenha autonomia intelectual para produzir o seu próprio currículo, constituindo-se efetiva- mente como mediador entre o conhecimento historicamente produzido e aquele — o escolar reelaborado e relevante socioculturalmente — a ser apropriado/construído pelos alunos.

Acrescentam ainda, segundo Fiorentini(1995) “que a forma como conhecemos e concebemos os conteúdos de ensino tem fortes implicações no modo como os selecionamos e reelaboramos didaticamente em saber escolar, especificamente no modo como os exploramos/problematizamos em nossas aulas”.