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Na perspectiva assumida pelo Instituto Histórico, as investigações deveriam voltar- se para a afirmação da história como uma ciência positiva. Conforme Buchez, no seu discurso de abertura do Congresso Histórico de 1845, o novo sistema histórico deveria privilegiar a “verdade, a imparcialidade e a justiça”. Em uma palavra, “a glória de nosso tempo será ter elevado a história à classificação das ciências positivas” (Investigateur, 1845, p. 201). Visando prover a história de um caráter científico, tinha-se a consciência de que esse conhecimento exigia um tratamento neutro.

O marquês de Pastoret, em seu discurso de encerramento do Congresso Histórico de 1841, exprimiu a convicção de que o Instituto estimulava o debate de idéias “neutras”: “no meio do combate de opiniões opostas, nós encontramos nesse Congresso, modestamente aberto, um verdadeiro asilo para as letras, um terreno neutro para as opiniões, um ponto de reunião para as idéias e os homens” (idem, 1841, p. 349).

As palavras de Barbier também expressam a credibilidade no caráter pacífico e neutro dos estudos promovidos pelo IHP e, especialmente, pelos Congressos históricos:

As graves preocupações do ano passado deixaram pouco espaço a nossos pacíficos trabalhos; tivemos de renunciar à idéia de um congresso em

1848. Mas, após a calma da rua, graças a Deus, a calma reinou nos espíritos, (…) o estudo, com efeito, oferece a todos um refúgio contra as agitações exteriores, ele procura o repouso da trégua, necessário após as emoções da vida pública; sem inspirar em relação à coisa comum uma indiferença condenável, ele dispõe à verdadeira tolerância para com todas as idéias conscienciosas, e abre um campo vasto à discussão, terreno neutro onde as convicções diversas se encontram sem jamais se chocar. Que seja então permitido saudar com alegria o retorno dessas reuniões pacíficas da ciência, onde não se assinalam outras lutas que aquelas do pensamento, outra paixão que pela verdade! (Investigateur, 1849, p. 159)

Além do declarado intuito de firmar os estudos históricos sobre critérios objetivos e confiáveis, como a pesquisa documental e a regra que proibia debates de caráter político, acreditava-se que a neutralidade poderia ser fundamentada sobre princípios morais. No texto introdutório do Journal de l’Institut Historique, Casimir Broussais (então membro da 4a. classe – História das Ciências Físicas e Matemáticas) afirmou:

os membros do IHP, para estarem associados no interesse da ciência que eles cultivam, não estão ligados à tal ou qual escola. Não se trata, portanto, de fazer um negócio de ‘coterie’; não se trata de fazer predominar um sistema, trata-se de constatar e de estimular o progresso da ciência da história (Journal de L’Institut Historique, Introduction,

livraisons 1 a 6, agosto de 1834 a janeiro de 1835, p. 2). Nas palavras de Monglave:

Nós não nos promovemos aqui como eruditos, arrogantes; nós procuramos nos instruir mais ainda do que instruir os outros. Nós não somos acadêmicos, nós somos homens de boa fé, trabalhadores laboriosos e bem intencionados (idem, 1837, p. 62).

O marquês de Pastoret, no discurso de abertura do Congresso Histórico de 1841, considerou que

A boa fé, (...), é o fundamento da ciência, como é a regra da conduta humana; ser de boa fé consigo mesmo, é se prevenir, é se guiar, é suprimir das paixões a parte perigosa, é, pois, suprimir delas suas ilusões voluntárias; (...) é dar à palavra sua dignidade, é, sobretudo, conservar nos indivíduos esse respeito mútuo que deve gerar o altruísmo (Investigateur, 1841, p. 309).

A contribuição do IHP para a elaboração de uma história científica concretizou-se no estímulo dado à coleta de documentos e manuscritos, e na efetivação dessas pesquisas por meio dos trabalhos e viagens realizadas com esse propósito por seus membros (inclusive com o apoio do governo), na promoção de debates e encontros de estudiosos nos Congressos Históricos realizados anualmente, nas publicações, assim como na pesquisa de

uma “filosofia da história”. A erudição que se pretendia fazer não se assemelhava demasiadamente aos trabalhos de outrora, criticados no século XVIII por sua “inutilidade” e ausência de crítica. Pelo contrário, novos objetivos lhe foram agregados atribuindo um sentido novo às pesquisas, caracterizando-as como essencialmente históricas e científicas. Na realidade, o Instituto Histórico de Paris expressa certas preocupações, enfáticas e predominantes, que o vinculam também à história filosófica, o que o coloca em posição de herdeiro próximo da tradição iluminista.

Quanto ao desejo de produzir um conhecimento “neutro” e “imparcial” não se pode considerar que o Instituto o tenha realizado, afinal, acreditava-se que a neutralidade pudesse ser garantida pela “boa fé” dos membros; além disso, construiu-se um saber pleno de “utilidade”, o que em última instância revoga a possibilidade da neutralidade.

Capítulo 3

A Preeminência da história filosófica: primeira forma de sociologia66

O Instituto Histórico de Paris tinha por objetivo contribuir para o estabelecimento da história como uma ciência que, embasada em documentos e nas ciências auxiliares, pudesse afirmar sua especificidade de ciência dos fatos. Para fazer uma história positiva e científica, a sociedade recorreu também à tradição filosófica, fato que teve um papel decisivo na construção de um discurso histórico muito íntimo das ciências sociais67. Conforme Armand Fouquier, a erudição ou as pesquisas particulares destinadas a aumentar os resultados positivos da história eram o objetivo dos trabalhos realizados no seio do IHP, mas o “verdadeiro objetivo do Congresso Histórico é apresentar, esclarecer e sobretudo provar as generalizações, os sistemas, as idéias” (Investigateur, 1838, p. 49). Se é possível delinear um perfil para a história que ali se procurou fazer, pode-se dizer que se tratava de uma história moralizante, essencialmente filosófica, para cujo exercício o historiador assumiu o papel de sacerdote, a quem caberia aconselhar e apontar as “verdades úteis”, contribuindo para o aperfeiçoamento da humanidade.

66 Cf. Yvonne KNIBIEHLER. Naissance des sciences humaines : Mignet et l’histoire philosophique

au XIXe. Siècle. Paris : Flammarion, 1973.

67

Conforme Armand Cuvillier (1967), em todos os tempos os historiadores misturaram a seus trabalhos as considerações gerais sobre a marcha dos acontecimentos humanos. No século XIV, o historiador árabe Ibn Khaldun (1332-1406), “lançou as bases de uma verdadeira ‘filosofia da história’” (Cuvillier, op. cit., p. 12). Mas, no século XVIII buscava-se algo mais: considerava-se que do conjunto dos fatos históricos se poderia tirar uma lei geral do desenvolvimento da humanidade. Inserem-se aí os preceitos desenvolvidos na filosofia do direito de Montesquieu, que entendia que a lei natural se aplica também às coisas sociais e seu

Esprit des Lois, que procurava mostrar como as instituições jurídicas são “fundadas na natureza dos homens e

nos seus meios”; a obra de Bossuet (1681), Discours sur l’Histoire Universelle, que mostrou a história da humanidade dirigida pela Providência; de Voltaire, Essai sur les Moeurs (1756), que ao contrário, estabeleceu a história conduzida por causas puramente humanas; a obra de Vico, normalmente reconhecido por ter criado a filosofia da história com seus Principes d’une Science nouvelle (1725); de Herder, Idées sur la Philosophie

de l’Histoire de l’Humanité (1784-1791), que estabeleceu uma estreita ligação entre o homem e a natureza, e

considerou o progresso humano como um processo natural que se opera segundo leis imutáveis. Além, é claro, da obra de Condorcet, o Tableau Historique (1794). A despeito das especificidades conceituais constituintes dessas diferentes obras, a filosofia da história aparece nelas dominada por conceitos metafísicos e de, certo modo, “contrário à toda prudência do espírito experimental. Mas o essencial é que já se esboça nessas especulações a noção de um futuro sujeito à leis” (idem, op. cit., p. 13).

Ao se atrelar à tradição representada pela Academia de Ciências Morais e Políticas, o IHP exprimiu sua expectativa de realizar uma história filosófica e também apresentou um projeto que espelhava a assimilação do discurso sociológico. Conforme seus estatutos, o Instituto Histórico deveria “faciliar as pesquisas e as discussões de história, aplicando todos os objetivos das ciências humanas”, abrangendo a totalidade da história.

A história realizada no IHP seguia uma tendência comum na primeira metade do século XIX, era ambiciosa e totalizante. Nela, misturavam-se interesses das ciências humanas em geral, que mais tarde, após a especialização desses conhecimentos, constituiriam a sociologia política, a antropologia ou etnologia e a psicologia social (Grondeux e Poutrin, 1995). No caso do IHP, especificamente, essa proximidade com as ciências sociais é bastante nítida, e como sustentamos neste trabalho, foi a característica marcante de seus primeiros anos de atividades.

Os primeiros números do Journal dedicaram uma seção para a análise de alguns métodos empregados por historiadores renomados, o objetivo era definir o método histórico condizente com o projeto do Instituto Histórico. Nesses textos, definiu-se que a história deveria ser estudada em sua totalidade e contribuir para o aperfeiçoamento da humanidade. Além disso, entendia-se a história como uma ciência capaz de ensinar e auxiliar os homens de Estado.