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AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO INSTITUTO HISTÓRICO DE PARIS

3. Alexandre Victor Courtet: história e idéia de raça na origem do pensamento sociológico

3.1. Contextualizando o debate

O estudo de Sylvianne Rémi-Giraud (2003), baseado na leitura de artigos de dicionários que vão do século XVII até os dias atuais, levanta dois grandes significados para a palavra raça. Um deles é a linhagem; ou seja, a família considerada na sequência de suas gerações; e o outro aplica-se a toda subdivisão da espécie, que se distingue das outras por um conjunto de caracteres físicos hereditários. Nos dicionários dos séculos XVII e XVIII, a primeira definição é dominante e a segunda se limita aos animais. Nessa mesma direção, Claude Blanckaert afirma que a idéia de raça surgiu na Renascença como uma ideologia que ilustrava a hereditariedade de privilégios aristocráticos, a pureza do sangue e a continuidade das linhagens, sustentando assim as reivindicações da nobreza e a ordem social piramidal da monarquia. Essa concepção de raça perdurou até o século XIX, mas não influenciou as teorias antropológicas dominantes.

Segundo Georges Gusdorf (1974), os trabalhos de Lineu, Blumenbach e Buffon foram fundamentais na constituição da antropologia científica no final do século XVIII. A partir daí uma história natural do homem tornou-se possível, e ela recebeu o nome de antropologia; ainda que se tratasse de pesquisas e debates bastante fragmentados115.

A partir de Buffon (1707-1788), naturalista francês, percebe-se os primórdios de uma “ciência geral do homem” (Foucault, 1966). No entanto, conforme Blanckaert (2003), sua forma de conceituar a variedade na espécie humana era fundamentalmente oposta à idéia de “raça”, como se encontra exposta em Cuvier116 ou William Edwards. Para Buffon,

115 Johann Friedrich Blumenbach estabeleceu uma espécie de transição entre Buffon e Paul Broca.

Ele nasceu em 1752 e morreu em janeiro de 1840. Realizou seus estudos em medicina na Universidade de Iena e depois em Göttingen antes de se tornar, perto de seus 50 anos, professor de Fisiologia e anatomia comparada. A tese de doutorado de Blumenbach impôs rapidamente a história natural do homem entre as especialidades universitárias. Essa obra foi publicada primeiramente em latin, em 1775 sob o título De

Generis humani varietate nativa. Uma segunda edição foi publicada em 1781 e a terceira em 1795 e se tornou

célebre em toda a Europa. Esse texto foi traduzido em francês sob o título De l’unité du genre humain et de

ses variétés en 1804.

116 O barão Georges L. C. Cuvier (1769-1832) deu continuidade aos trabalhos de sistematização

empreendidos por Carl von Linné (1701-1789). Lineu elaborou em 1758 a Sytema naturae, talvez a primeira grande obra de classificação das espécies vivas.

a raça é a expressão histórica da degeneração. Ela não tem implicações geográficas como em Lineu. Para ele não há raças africana, européia ou asiática. Considera, isto sim, que a alimentação medíocre e os climas hostis adulteram e degradam. Nesse sentido, seus julgamentos eram pejorativos. Conforme Lilia Schwarcz (1993, p. 46), Buffon personificou “com sua teoria, uma ruptura com o paraíso rousseauniano, passando a caracterizar o continente americano sob o signo da carência”. Segundo sua perspectiva, seria possível, no entanto, retornar sempre ao ponto de origem, já que admitia a possibilidade de reversibilidade da raça.

Vários monogenistas propagaram as idéias de Buffon entre os anos de 1760-1800. Após 1800, os naturalistas monogenistas abandonaram a noção bufoniana da “reversibilidade” das variedades. Ao longo de sua trajetória intelectual, Blumenbach, por exemplo, definiu uma lei da degeneração que diferia sensivelmente da concepção bufoniana. No entanto, vale destacar que, de modo geral, a diversidade cultural defrontada por viajantes europeus não impôs a esses estudiosos nenhum questionamento sobre a concepção de “unidade do homem”. “Apesar de julgamentos de valores morais ou estéticos pejorativos, os selvagens, o homem dos confins do mundo explorado, continuava sendo parte concernente à Humanidade” (Blanckaert, 1995, p. 22). Estavam certos da universalidade da natureza do homem, de seu destino e de sua “capacidade de alcançar a ordem normal, civilizada, de sua classe zoológica” (ibdem).

Pensar a origem do homem, seu desenvolvimento e a forma de sua distribuição na Terra, requeria questionar necessariamente se todos os homens descendiam de ancestrais comuns ou se existiam várias fontes originárias. A tese monogenista defendia a idéia de uma origem comum para a humanidade, entre os seus representantes encontram-se os continuadores da tradição de Lineu e De Blumenbach: Cuvier (1769-1832) e o cientista inglês James Cowles Prichard (1786-1848). De modo geral, os monogenistas afirmavam que as espécies foram criadas perfeitas na origem e os tipos humanos seriam variações ou produtos da degeneração. O século XVIII foi essencialmente monogenista, embora o termo tenha surgido tardiamente, como antônimo de “poligenismo”, em 1857.

O termo raça foi introduzido na literatura mais especializada em inícios do século XIX, por Georges Cuvier (Stocking, 1968). O século XIX foi poligenista e raciológico, especialmente na França. Um conjunto de acontecimentos convergiram para essa

redefinição do pensamento “antropológico”. Além de uma “certa reação ao iluminismo” (Schwarcz, op.cit.), o monogenismo bufoniano tinha uma baixa audiência. Foi recuperado no século XIX com fins apologéticos pelos espiritualistas cristãos, muito empenhados na defesa do tema da unidade adâmica de todos os homens. O monogenismo contava com pouca referência de autores franceses, o que o levou a vulgarizar e adaptar obras vindas da Alemanha e da Inglaterra. As obras do principal antropólogo europeu desse primeiro quarto do século XIX, James Cowles Prichard, foram uma referência para toda a escola católica até essa data. Por outro lado, o poligenismo sustentava sua hipótese em uma interpretação biológica dos comportamentos humanos. A ampliação da base documental acessível aos antropólogos dava embasamento para a refutação de concepções que defendiam a única origem das raças, e a noção de que o sol torna os homens negros ou que o gênero de vida nômade modifica os traços físicos de um povo de modo uniforme. Novas medidas “objetivas” da variabilidade física do gênero humano procuravam provar que os “tipos” de homens se distribuíam por seu volume cerebral, ou pela medida de seu ângulo facial. Nesse embate de idéias soma-se ainda a recusa de poligenistas em subordinar suas pesquisas aos credos da Igreja. “Essa competição ideológica, fator de livre exame, não aparece incidente mas estrutural no desenvolvimento do pensamento racial” (Blanckaert, op. cit., p. 24).

A explicação raciológica, conforme Claude Blanckaert (op.cit., p. 27), permitiu um “reexame do enigma dos selvagens”: nem todas as raças eram mais destinadas à civilização, como o século XVIII progressista estava convencido. Essa nova leitura, hierárquica e diferencialista, justificava o déficit intelectual, moral e social dos “selvagens” e, consequentemente, sua posição “inferior” na escala das “formas” e das “almas” que culminava na humanidade branca. A antropologia do século XVIII buscou construir um novo conhecimento sobre o homem, como espécie animal. Qualquer que fosse a escala dos seres e povos proposta pelos autores dessa época, partilhava-se a crença no universalismo do gênero humano; assim, entendia-se que os homens participavam de uma mesma espécie, de uma mesma humanidade. Antes de 1789 o termo “regeneração” era frequentemente usado, logo tornou-se um “programa ao mesmo tempo político, filosófico, físico e moral que conhecerá múltiplas declinações no século XIX” (Renneville, 1997, p. 8). O século XVIII forjou com Buffon, Rousseau e Cornélius de Pauw, o conceito de “perfectibilidade

da espécie”117. Essa perfectibilidade tinha por motor o progresso e por finalidade a civilização. A etnologia, por sua vez, que se desenvolveu na primeira metade do século XIX, fundamentou-se sobre a dissolução do conceito de homem universal, ao qual ela substituiu pelo de raças. A etnologia procurou, pois, hierarquizar, classificar os povos em função de suas aptidões mentais e físicas: “a igualdade não passa então de uma quimera filosófica” (ibdem). Como afirma Schwarcz,

de agora em diante as prioridades se invertem: a civilização é descrita como um caracter identificando somente as raças branças européias e não como o emblema da história do gênero humano. Ela não é mais vista como uma conquista do espírito humano, ela se torna ela própria natureza (...). A civilização não vale mais como projeto emancipatório contra a tirania das forças naturais ou o poder das instâncias sociais, políticas ou religiosas retrógradas, ela se torna um instinto (op. cit, p. 28).

No século XIX, portanto, a noção de perfectibilidade não se referia mais a uma qualidade intrínseca ao homem, mas a “um atributo próprio das ‘raças civilizadas’ que tendem à civilização” (idem, op. cit. p. 61).

O debate que opôs monogenistas e poligenistas pode ser acompanhado, de certo modo, na delimitação dos campos de atuação da etnologia e da antropologia. Schwarcz (op. cit., p. 53) afirma que, enquanto os estudos antropológicos nasceram diretamente vinculados às ciências físicas e biológicas, em sua interpretação poligenista, a etnologia se manteve fiel a uma perspectiva mais filosófica e vinculada à tradição humanista de Rousseau. Essa divisão teórica foi marcada pela fundação da Sociedade Antropológica de Paris, fundada pelo anatomista, craniologista e estudioso de biologia humana Paul Broca, em 1859; e das Sociedades etnológicas de Paris, Londres e Nova York. Normalmente, o nascimento da “etnologia” é atribuído à sua primeira expressão institucional, a Sociedade etnológica de Paris, fundada, em 1839, por William Fréderic Edwards, renomado fisiologista e lingüista. Embora nosso objetivo não seja desenvolver nenhuma história da etnologia, é válido notar que o surgimento do termo “etnologia” é, com efeito, anterior a essa data. Em 1830, André-Marie Ampère utilizou o termo e a partir de 1831 ele o aplicou em seu curso no Collège de France. Mas antes de Ampère, Alexandre-César Chavannes, professor de teologia da Academia de Lausanne, nascido em 1731, empregou o termo

117 Lilia Schwarcz (1993, p. 46) afirma que de Pauw radicalizou os argumentos de Buffon e deixou

transparecer em seus textos um antiamericanismo, considerando os americanos não apenas como “imaturos”, como também “decaídos”, degenerados.

“ethnologia”, quiçá pela primeira vez, em 1787, quando publicou o Essai sur l’éducation

intellectuelle, onde fez menção à “Etnologia” ou a história do progresso dos povos em

direção à civilização”118.

De modo geral, as sociedades etnológicas tinham por objetivo o estudo das raças humanas segundo a tradição histórica, o estudo das línguas e dos traços físicos e morais de cada povo. Prichard declarou, em 1847, que “a etnologia é mais vizinha da história do que da zoologia, pois a etnologia concerne especialmente à origem dos povos, assim como a história natural concerne à história da espécie humana” (apud Gusdorf, op. cit., p. 390). A relevância da etnologia para os estudos da “ciência do homem” se observa no fato que ela “participa, desde o início do século XIX, da vasta corrente de interesse que associa os historiadores e arqueólogos, ou melhor, os ‘antiquários’, e os biólogos para a melhor compreensão dos anais nacionais” (Blanckaert, 1988, p. 462). A doutrina das raças tornou- se um importante viés de leitura e análise de História da França feita principalmente pelos irmãos Thierry, e a fisiologia tendeu a se aplicar à história inteira da humanidade.

A concepção que considerava os comportamentos humanos como resultado de leis biológicas, defendida pelo poligenismo, foi apoiada pelo nascimento da frenologia e da antropometria. A frenologia foi divulgada na França pelo alemão Franz-Joseph Gall (1758- 1828), que chegou em Paris em novembro de 1807 e se naturalizou francês. A contribuição dos trabalhos de frenologia, ou fisiologia do cérebro, foi fundamental para a construção da idéia de raça no século XIX.

Gall tratava mais de craniologia, o termo frenologia foi criado por seu discípulo Johann-Caspard Spurzhein (1776-1832). Crendo que corpo e espírito eram indissociáveis, a frenologia e a antropologia do século XIX pensavam poder encontrar os segredos da inteligência do homem na sua organização física. Esse princípio de inteligibilidade implicava em algumas idéias fundamentais, tais como, admitir que as faculdades intelectuais e morais são inatas, e que as capacidades instintivas, intelectuais e morais do homem, dadas pela natureza, estão todas localizadas no cérebro. “Aí reside a principal descoberta de Gall. Ele coloca o cérebro no centro, para fazer dele o verdadeiro umbigo do homem ...” (Rignol, 2003, p. 226). Para os frenologistas, era a organização inata do cérebro

118 Cf. Claude BLANCKAERT. “Story” e “History” de l’Ethnologie. In Revue de Synthèse: IVe. S.

que condicionava a vida dos seres e não as influências exteriores. Se “a curva do cérebro de uma raça determina a forma de sua sociedade”, então poderia-se admitir que “a ciência do homem constitui uma ciência social” (idem, op. cit., pp. 230 e 231).

A frenologia, ou conforme Rignol, “a ciência do cérebro” adotou o lema dos saint- simonianos: “A cada um segundo sua capacidade119”, e lançou, desse modo, “uma nova política, uma nova arte de governar e de associar os seres permitindo sua classificação objetiva” (idem, op. cit. p. 229).

Sendo assim, a ciência do homem do século XIX não constituiu pura e simplesmente uma antropologia física, seu objetivo era por meio dos traços físicos compreender o moral e o social. Baseando-se nesses princípios, a frenologia pretendia construir uma escala de sociedades da selvageria à civilização. Sendo que nessa escala as raças européias ocupavam o mais alto grau na hierarquia racial e social. Os fisiologistas viam a prova disso na aparência de seus crânios. “Nações adultas (...) são investidas de uma missão educadora com relação às etnias imaturas” (idem, op. cit., p. 232).

Conforme Gusdorf (op. cit. p. 386), seria fácil ridicularizar a frenologia, no entanto, “de um ponto de vista sociológico, a frenologia como a phisiognomonie são fontes de influência, semeadora de idéias; que são amplamente difundidas na opinião, como testemunha, entre outras, a obra de Balzac”. Renneville (1997) considera que apesar das manifestações de protesto que ela provocou, a doutrina frenológica ganhou adeptos entre os bonapartistas e liberais, alguns frenologistas também se engajaram na Carbonária.

A produção mais significativa a respeito da questão das raças debatida no Instituto Histórico de Paris e por ele divulgada é a obra de Alexandre Victor Courtet. Em conformidade com os preceitos da frenologia, Courtet de l’Isle pretendia firmar a ciência social sobre novas bases epistemológicas120.

3. 2. Courtet de l’Isle: influências saint-simonianas e projeto “sociológico”

Inscrito na lista de membros da família saint-simoniana de 1830, e da Sociedade Etnológica de Paris, Courtet de l’Isle, um jovem do interior de apenas 17 anos, originário de

119

Dr. Jean-Baptiste BEAUNAICHE De la CORBIÈRE, Discours de clôture prononcé à la Société

L’Isle-sur-la-Sorgue, Vaucluse, foi à Paris, nas semanas seguintes a revolução de 1830, contra a vontade de seus pais, “arrastado”, diz ele, pelo entusiasmo revolucionário. “Quando me perguntavam: qual é o seu objetivo? Eu respondia: eu vou viver. E, com efeito, eu vinha tomar na sociedade o papel que me pertencia, eu vinha compartilhar a missão dos discípulos de Saint-Simon” (“Aos chefes da hierarquia saint-simoniana”, arquivos privados conservados pela descendência de V. Courtet, apud Jean Boissel, op. cit., p. 20).

As pesquisas de Courtet de l’Isle, desenvolvidas entre os anos de 1832 e 1835, sobre as relações entre o físico e o moral, a “fisiologia” e os tipos de civilização dos povos, resultaram no texto publicado no Journal de l’Institut historique (1835, tomo II, p. 225- 237), intitulado “Memórias sobre as raças humanas: influência das raças humanas sobre a forma e o desenvolvimento das sociedades”; e na comunicação feita por Courtet diante do Congresso Histórico, em novembro de 1835, sobre as seguintes questões: “Determinar por meio da história e das ciências o que se deve entender pelas palavras gênero, espécies e raças aplicadas ao homem”; Determinar pela história se as diversidades fisiológicas dos povos são como as diversidades dos sistemas sociais aos quais eles pertencem”121.

Muitas teorias propunham uma interpretação naturalista dos fenômenos sociais no século XIX. Cuin e Gresle (1994) lembram a contribuição de Augustin Thierry; de Henri Martin, em sua obra História da França; e de Renan, que considerava a raça um elemento importante na gênese das sociedades. No entanto, conforme esses autores, a tentativa mais famosa foi realizada pelo conde Arthur de Gobineau, que em seu Ensaio sobre a

Desigualdade das Raças Humanas (1855) afirmou que o fator racial era o critério essencial

na expansão das sociedades humanas. No entanto, mais do que o conde Arthur de Gobineau, Courtet de l’Isle merece ter um espaço reconhecido na história da ciência social. Para Jean Boissel (1972), a obra de Courtet de l’Isle é precursora da obra do conde Arthur de Gobineau, o Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas. A diferença entre Courtet e Gobineau, afirma o autor (op. cit., p. 12), “é que um tira da dialética da mistura das raças uma razão para esperar, o segundo um motivo decisivo para desistir de esperar”.

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Na ata manuscrita de 20 de fevereiro de 1839, Monglave ressalta que V. C. de L’Isle esteve no Brasil, “onde não pôde deixar de realizar um estudo sobre as raças que viviam neste país”.

Courtet constata que há na “espécie humana desigualdades naturais como nos animais”, eis pois, conforme Boissel (op. cit. p. 44), “o tema, o princípio, o método e a tese que utilizará Gobineau na composição do Essai”. Segundo esse autor, Gobineau, em muitas partes do seu Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas, desenvolveu algumas idéias que já apareciam na obra de Courtet de l’Isle. Embora Gobineau jamais tenha citado o nome de Courtet ou o título de suas obras, parece pouco provável que ele não tenha conhecido os textos de Courtet de l’Isle, já que conheceu o barão d’Eckstein, também membro do Instituto Histórico, e admitido membro da Sociedade Etnológica de Paris em 26 de fevereiro de 1847, época em que o seu secretário-adjunto era Victor Courtet de l’Isle. Além disso, conforme Boissel, Gobineau leu o artigo do barão d’Eckstein publicado no mesmo número do Journal de l’Institut Historique em que Courtet publicou seu estudo122.

Courtet foi à Paris porque se converteu à doutrina saint-simoniana apresentada na

Exposition de la Doctrine, publicada em 1829, pelos discípulos de Saint-Simon. Quando

tinha 18 anos, no final de 1831, Courtet escreveu: “Minha conversão não foi nem longa nem penosa. (…) a conversão de um indivíduo só é boa e sólida na medida que as idéias novas que lhe são apresentadas são um progresso imediato sobre as idéias antigas” (apud Boissel, op. cit, p. 20). Ele se dirigia aos chefes da hierarquia-saint-simoniana:

As idéias primeiras da doutrina foram tão imediatas às minhas antigas idéias que eu escrevi tão logo em sinal de profissão de fé: eu era saint-

simoniano, eu fui achado. Eu fui saint-simoniano e eu era devotado; eu

tinha por meus superiores uma ligação das mais sinceras; e eu me coloquei em suas mãos como uma criança que precisa de apoio (ibdem).

Courtet foi convidado a participar da redação do Globo, que a partir de 11 de novembro de 1830, sob a direção de Michel Chevalier, tornou-se o principal órgão do saint- simonismo. Esteve ligado aos saint-simonianos no período de entusiasmo pelo ideal de “associação universal”. Assim como Saint-Simon, o jovem discípulo pretendia procurar uma solução para o “estado de crise”, recorrendo ao princípio da “ciência do homem”. Ele se distanciou do grupo no final de 1831, pois reprovava os líderes saint-simonianos por terem procurado “menos aperfeiçoar as teorias positivas do que criar dogmas novos”.

121 Questão proposta pela quarta classe do IHP (história das ciências físicas e matemáticas). Nota-se

que essa questão foi tratada também por Domény de Rienzi (1836, p. 186-190), pelo Dr. Sandras (2ª. Sessão) e por Victor Considérant o qual foi interrompido pelo presidente da sessão, por se afastar do tema proposto.

Courtet de l’Isle acusou os chefes saint-simonianos de trair o pensamento do mestre, que segundo ele, entendia que primeiro era preciso produzir uma revolução nas idéias, a fim de que mais tarde a ação fosse possível. Mesmo com a ruptura, sua obra sofreu uma influência direta da doutrina saint-simoniana. Nesse sentido, a concepção de ciência do homem observada na obra de Courtet de l’Isle, atrelada à fisiologia, à antropologia e à etnologia, traduz o interesse pela universalidade presente no grupo de saint-simonianos. Em 23 de julho de 1831, Ch. Lemonnier escreveu no Globo: “… que para nós começa uma nova era onde a ordem seja fundada sobre o reino da capacidade, o único que a liberdade possa admitir, o único sob o qual ela possa existir”. Conforme Boissel (op. cit. p. 21, nota de rodapé nº 24), “o sistema é aquele que Courtet quer fundar ‘positivamente’ na Science

politique. A obra é justamente o desenvolvimento do pensamento do saint-simoniano Ch.

Lemonnier, a partir de dados antropo-etnológicos”.

Courtet foi um dos primeiros, senão o primeiro a aplicar o princípio da “classificação segundo a capacidade e as obras”, idéia que o Globo saint-simoniano tentou