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CAPÍTULO 3: ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA E GÊNERO

3.7 O PROBLEMA DA FALTA DE AGENCIAÇÃO EM CRIANÇAS

4.1.1 A busca pelo campo de pesquisa

Ressaltamos a necessidade de o pesquisador ser bem preparado para envidar esforços em uma boa estratégia de aproximação do grupo que vai colaborar com sua pesquisa. Isso envolve uma sensibilidade na escolha do campo de pesquisa. Por isso mesmo, Angrosino (2009) recomenda quatro pontos para que se faça uma boa escolha do local onde se vai empreender seu trabalho. Esses pontos envolvem necessidades acadêmicas, mas também pragmáticas:

a) Escolha um lugar em que a questão acadêmica que você está investigando tenha a maior probabilidade de ser vista de forma razoavelmente clara.

b) Escolha um campo comparável a outros que já foram estudados por outros pesquisadores, mas não um que já tenha sido excessivamente estudado.

c) Escolha um campo com um mínimo de obstáculos “de acesso”. d) Escolha um campo no qual você não se torne um fardo para a comunidade. (Angrosino, 2009, p. 47 a 50)

Um pouco dessa tensão de buscar um local de pesquisa e do que pode acontecer durante o processo de pesquisa se pode perceber no relato de Viviane Resende na sua pesquisa sobre o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR):

A formação dos núcleos de base da Comissão Local do MNMMR do Distrito Federal está relacionada à atuação de Júlia, outra educadora do Movimento que participou da pesquisa, cujo envolvimento com o Movimento deu-se em visita à Comissão Estadual do MNMMR em Pernambuco. Ela já atuava com crianças e adolescentes em Pequizeiro, cidade satélite de Brasília, como educadora em uma ONG ligada à Igreja Católica. Quando voltou dessa viagem, integrou-se como militante no Movimento. A atuação de Júlia nessa ONG possibilitou seu acesso à creche Espaço

Criança, em Pequizeiro, por meio de uma freira, coordenadora da

creche. O trabalho realizado dentro dessa creche veio a ser o embrião dos núcleos que se espalharam no Distrito Federal. (...) Assim, iniciou-se o processo de nucleação na própria creche, com atuação de Júlia e um colega, ambos militantes e voluntários no Movimento. Entretanto, com a saída de Irmã Márcia, que “acreditava na organização dos meninos”, da coordenação do Espaço Criança, a sua substituição por um “coordenador bem radical, a primeira coisa que ele fez foi proibir as atividades” (entrevista com Júlia). O resultado foi a configuração de um núcleo de base independente da creche pequizeiro. (Resende, 2009, p. 102 a 103)19

19 A autora deixa claro que os participantes da pesquisa são referidos por meio de pseudônimo. Isso se

aplica também às instituições e cidades, para resguardar as identidades envolvidas. Esses nomes estão assinalados na citação por itálico.

O relato de Resende sugere como pode ser tensa e delicada a pesquisa em um grupo em que se insere para buscar dados. As próprias pessoas que lhe dão legitimidade podem, em determinado momento, já não estarem mais presentes ali. Decorrendo daí um repentino rompimento de conexão. Situações há, portanto, que fogem ao controle de quem pesquisa. Dessa forma, em alguns momentos, o planejamento deverá ser repensado e refeito.

No início desta pesquisa, meu interesse liga-se a um fato acontecido em uma igreja de minha convivência, o que gerou uma curiosidade muito grande com relação ao fenômeno do abuso sexual a crianças e adolescentes. Assim, as leituras feitas de reportagens sobre o assunto, livros especializados e investigativos, e artigos acadêmicos levaram à descoberta de um problema psicológico significativo no violentador que gera a pedofilia e que, por conseguinte, também é gerado nos abusados e em sua família. Sendo assim, tomei a decisão de confrontar os relatos dessas ocorrências, que são múltiplos, com a avaliação psicoterapêutica de abusados e suas famílias. A ideia era verificar como o contexto discursivo pode sugerir as implicações psicológicas do fenômeno, e se isso realmente confirmaria a impressão dos relatos de que há realmente uma marca de silenciamento das vozes das crianças e de interdição dos temas de violência e sexo, contribuindo para a perpetuação dos abusos, fato que pode ser explorado pelos próprios violentadores.

Para tal investigação, entrei em contato com uma instituição, e a primeira impressão foi de uma recepção bem calorosa e que prometia uma parceria bastante convidativa. Todavia, o tempo passava e as promessas de marcarmos o início da colaboração para a pesquisa não se concretizavam. As notícias de que havia uma restruturação na organização eram acompanhadas de um pedido por paciência e um adiamento de algumas semanas ou meses. Isso gerou um atraso na pesquisa, já que a espera se dava pela confiança alcançada nas conversas sobre o assunto e a afirmação de que o trabalho seria efetivamente bom para alertar famílias no sentido de amenizar o problema. Ficou a ansiedade pelo início e a frustração de ver o tempo passar. A decisão de buscar uma instituição diferente se deu quando, ao não mais obter respostas de mensagens eletrônicas e telefonemas, percebi que a postergação poderia estar ocorrendo por um melindre em dizer que não seria possível colaborar com a pesquisa. As hipóteses para isso podem ser várias. Entre elas, podemos vislumbrar que o grupo de psicólogos não se sentiu à vontade para colaborar, imaginando expor a instituição ou os que eles atendem. Na verdade, não é possível mais saber por que não foi possível. O que se aprende, nesse caso, é que não se deve perder tempo. Quando se percebe uma protelação de datas, deve-se buscar

outro lugar que ofereça abertura para efetivamente realizar a pesquisa e coletar e/ou gerar os dados necessários.

Em um momento posterior, um contato externo à instituição comunicou a minha frustração à responsável pela minha aproximação com a organização. Sua reação foi de que realmente seria muito bom realizar a pesquisa, tanto para mim quanto para eles; contudo, a alegada restruturação não o permitiu naquele momento e, agora sim, faria contato comigo, o que não se concretizou até então.

Esse caso pode ocorrer com qualquer pessoa que se lance em uma pesquisa. O importante é manter a calma e buscar outros contatos. Não se deve deixar que a frustração seja maior que a ideia da pesquisa. Especialmente na ADC, as pesquisas geram dados significativos para as questões de resistência e denúncia do uso do discurso para abuso de poder (veja, por exemplo, Van Dijk, 2008A e 2008B). Assim, é importante que o pesquisador insista e não deixe as intempéries emperrarem sua ideia.

Uma boa recomendação para fazer contato com instituições, grupos sociais ou profissionais que lidam com os temas que se está procurando é manter contato com os outros pesquisadores com que se tenha contato e conhecer o tema baseado em leituras. Em muitos casos, o analista pode interessar-se por algumas situações por meio da imprensa. Não é difícil conseguir o contato do jornalista identificado na matéria e procurar um encontro para buscar contato com as fontes institucionais, o que pode facilitar a investigação. As instituições públicas que lidam com diversas situações também podem ajudar. Uma lista de organismos que o Estado oferece para lidar com os temas pode ser encontrada nas secretarias de governo. Também as mais variadas organizações não governamentais (ONGs) estão acostumadas a ajudar na investigação acadêmica sobre as situações com as quais lidam. Por fim, para o pesquisador que trabalha para cumprir uma exigência de pós-graduação stricto sensu, é sempre importante partilhar ideias com quem o está orientando. Assim, se algum direcionamento estiver sendo equivocado logo no início, com esse trabalho acadêmico em conjunto, pode-se reorganizar e ajustar o que for necessário.