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Busca por elucidações das interações com as enzimas: sítios alostéricos

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SUMÁRIO

L. intermedia whitman

2.5. Ação de Quimioterápicos Contra a NOS e TR

2.5.2. Busca por elucidações das interações com as enzimas: sítios alostéricos

Zani e Fairlamb (2003) realizaram estudos cinéticos para descobrir por qual mecanismo de inibição age o composto 8-metoxi-nafto[2,3-b]tiofen-4,9-quinona, ou TNQ2 (figura 2.34), que possui uma inibição de 87% da atividade enzimática da TR a 100 M, e assim como as fenotiazinas e quinacrinas, constitui uma estrutura tricíclica. Observaram que se tratava de um mecanismo de inibição não-competitivo, caracterizado por inibições em sítios alternativos ao principal, principalmente o(s) sítio(s) alostérico(s). Com isto, verificaram o perfil de inibição não somente em relação à TSST, mas também em relação ao NADPH. Novamente, trata-se de um mecanismo de inibição não-competitivo — o sítio de interação de TNQ2 não deve ser considerado nem o sítio TSST, nem o sítio alostérico de interação do NADPH, com os resultados da pesquisa cinética [ZANI & FAIRLAMB, 2003]. Um outro cofator poderia ter sido investigado, neste caso, pois a enzima em questão possui ainda um sítio flavínico. Este, até omomento, não foi investigado.

Figura 2.34: Estrutura da 8-metoxi-nafto[2,3-b]tiofen-4,9-quinona, ou TNQ2. Fonte: ZANI & FAIRLAMB, 2003.

As amidinas e mesoiônicos são ativos contra a mesma enzima, TR (e também a NOS), mas o mecanismo de interação permanece desconhecido. Para a elucidação de tal mecanismo de interação, seria necessário buscar por características comuns a estas duas enzimas. Além da presença de mais de um cofator em suas estruturas, demonstrando alta atividade alostérica, ambas são flavoproteínas NADPH-dependentes, ou seja, possuem como cofatores a presença de uma riboflavina (FAD/FMN) e do NADPH, conforme descrito anteriormente [SARAVANAMUTHU et al., 2004; HAMILTON et al., 2003; JIA et al., 2003; KRAUTH- SIEGEL & INHOFF, 2003; KOTSONIS et al., 2001; PANTKE et al., 2001; BOND et al., 1999; BOUCHER et al., 1999; GERBER et al., 1997; CILLARI et al., 1994; KWON et al.,

As riboflavinas, que possuem ação vitamínica, foram primeiramente isoladas por A. W. Blyth em 1879, ao analisar o leite e encontrar nele um pigmento amarelo fluorescente. Na década de 30, pigmentos fluorescentes esverdeados foram extraídos de fontes naturais diversas, permitindo maior estudo e purificação das riboflavinas. A estrutura do FAD é constituída por várias subestruturas, com um anel tricíclico isoaloxazínico (que lhe fornece uma cor amarelada, assim como sua fluorescência), um grupo ribitil (proveniente do carboidrato ribitol), e o nucleosídeo adenosina na forma difosfatada (figura 2.35) [SOUZA et al., 2005; MASSEY, 2000].

Figura 2.35: Estrutura do FAD, demonstrando seu anel isoaloxazínico [A], o carboidrato ribitol [B] e a adenosina [C], na forma difosfatada [D].

Adaptado de: METZLER, 2003.

O FAD possui várias possibilidades conformacionais, principalmente em relação aos grupamentos ribitil e difosfato, que fornecem grande liberdade conformacional à estrutura, por não se tratar de estruturas cíclicas como a adenosina e o anel isoaloxazínico. Várias enzimas possuem o FAD em diferentes conformações, quando comparadas umas às outras. Pode-se notar que sítios que possuem compostos como o FAD (cofatores de grande tamanho) não possuem muito espaço para a complexação de outros compostos, ao mesmo tempo que o cofator, diferente do sítio da TSST, que pela grande comunicação com o meio externo à enzima, possui um sítio de grande espaço. O sítio do FAD, na TR, possui o espaço suficiente para ancorar o FAD, e apenas ele [NELSON & COX, 2005; BOND et al., 1999].

A

B

D

As riboflavinas atuam como agentes carreadores de prótons e elétrons, passando por reações metabólicas enzimáticas de forma reversível. São consideradas coenzimas solúveis em água, e estão fortemente ligadas às enzimas nas quais se encontram, porém de forma não- covalente, atuando nestas como grupos prostéticos. Seu anel isoaloxazínico passa por reações de oxidação/redução reversíveis, conforme demonstrado na figura 2.36 [NELSON & COX, 2005; MASSEY, 2000].

Figura 2.36: Representação das semi-reações sofridas pelas riboflavinas (FAD). Destacadas em azul encontram-se as alterações sofridas após as reações de redução.

Adaptado de: KOOLMAN & RÖHM, 2005.

Os nucleosídeos pirimidínicos NAD+ e NADP+ estão amplamente distribuídos pelo organismo como cofatores principalmente das desidrogenases, sendo formados pela adenosina e pela nicotinamida (a vitamina niacina — figura 2.37).

Estes nucleosídeos foram descobertos durante os estudos sobre a pelagra (uma dermatite fotossensível), e não devem ser considerados de ação vitamínica no sentido estrito pois podem ser sintetizados pelo organismo a partir do triptofano. Eles transportam íons hidreto (2e- e 1H+ — figura 2.38) e sempre atuam na forma solúvel, atuando nas reações de redução/oxidação mais importantes do organismo. O NADH transfere equivalentes redutores de vias catabólicas à cadeia respiratória, contribuindo assim ao metabolismo de energia. Em contraste, o NADPH é o agente redutor mais importante envolvido na biossíntese [KOOLMAN & RÖHM, 2005; MURRAY et al., 2003].

F

FAADD((ooxxiiddaaddoo))

F

Figura 2.37: Estrutura do NAD+/NADP+, demonstrando sua nicotinamida [A] e a adenosina [B], na forma difosfatada [C].

Adaptado de: MURRAY et al., 2003.

Figura 2.38: Representação das semi-reações sofridas pelo NADPH. Destacadas em azul encontram- se as alterações sofridas após as reações de redução.

Adaptado de: KOOLMAN & RÖHM, 2005.

Dependendo do tipo de interação com a enzima, é feita uma distinção entre os “cofatores solúveis” e os denominados “grupos prostéticos”. Os cofatores solúveis estão ligados ao substrato durante as reações, passam por modificações químicas, e são novamente liberados da estrutura protéica. A forma original do cofator é regenerada em uma segunda reação, independente da enzima em jogo. Grupos prostéticos, ao contrário, são cofatores que

N NAADDPP++ ((ooxxiiddaaddoo)) N NAADDPPHH((rreedduuzziiddoo))

A

B

R = H — NAD+ R = PO3-2— NADP+

C

1’ 2’ 3’ 4’ 5’

estão fortemente ligados à enzima e permanecem a ela associados durante toda a reação (não são liberados). Parte do substrato ligado pelo cofator é transferida mais tarde a outro substrato ou cofator (outra estrutura) na mesma enzima [KOOLMAN & RÖHM, 2005].

O NADPH possui, assim como o FAD, uma grande liberdade conformacional, fazendo com que existam várias conformações possíveis para seu ancoramento à estrutura enzimática. Este é um cofator solúvel, possuindo portanto um sítio com grande comunicação ao meio externo para que o composto possa se ligar e desligar da estrutura durante a reação. O FAD, no entanto, atua como um grupo prostético, possuindo um sítio mais interno à estrutura enzimática e permanecendo neste ligado por todo o tempo. As figuras 2.31 e 2.32 (vide item 2.4.2) demonstram a diferença do posicionamento destes sítios na estrutura da TR.

Estando o FAD fortemente ligado à estrutura das flavoproteínas, conforme descrito, poderia a enzima em questão sofrer um processo de inibição através do sítio flavínico?

O composto difenileniodônio (DPI — figura 2.39) teve seu mecanismo de ação pesquisado, primeiramente, como um composto hipoglicêmico em ratos, por Holland e colaboradores (1973). Anos após, como explicação para seus efeitos hipoglicemiantes (inibição da ubiquinona/NADH redutase mitocondrial em hepatócitos), teve seus efeitos pesquisados sobre outros sistemas, como em reações mitocondriais feitas por oxidorredutases [GATLEY & SHERRAT, 1976; RAGAN & BLOXHAM, 1977], e sistemas geradores de superóxidos em neutrófilos e macrófagos [CROSS & JONES, 1986; HANCOCK & JONES, 1987]. Em 1991, Stuehr e colaboradores pesquisaram a inibição da NOS pelo DPI e pelos compostos di-2-tieniliodônio (DTI) e difeniliodônio (ID) (figura 2.39), o que confirmou ser este composto um potente inibidor flavínico, antagonizado apenas pelo FAD e NADPH. Desde então, há vários relatos de seu uso como um inibidor de várias flavoproteínas, dentre elas a GR, e o fator indutor de apoptose (AIF) [MATE et al., 2002; MIRAMAR et al., 2001].

As enzimas/proteínas NOS, GR, TR e AIF são todas flavoproteínas; as três últimas, especificamente, possuem o FAD em uma conformação extremamente similar em suas estruturas (figura 2.40). Tal fato nos faz supor que se inibidas neste sítio, o composto responsável por tal inibição provavelmente poderá ser capaz de inibir todas estas enzimas ao mesmo tempo, pois terá como se complexar ao sítio flavínico de todas estas enzimas.

Figura 2.40: Comparação entre a conformação do FAD presente na estrutura das enzimas AIF (código PDB 1GV4), GR (código PDB 5GRT) e TR (código PDB 1BZL).

Fonte 1GV4: MATE et al., 2002; 5GRT: STOLL et al., 1997; 1BZL: BOND et al., 1999. Imagem manipulada no programa RasMol 2.7.2.1.1.

Um composto com estas características (inibição de um sítio flavínico presente em várias enzimas), em um âmbito medicinal, seria visto como um composto propício ao desenvolvimento de vários efeitos colaterais, pela possibilidade de interação simultânea com vários sistemas enzimáticos de atividades totalmente diferenciadas entre si. Porém, cada sistema enzimático aqui citado costuma se encontrar, em uma célula, em organelas e localizações também diferentes, fazendo com que exista a possibilidade deste composto ser um fármaco com poucos efeitos colaterais, se este não conseguir atingir todas as organelas e localizações das enzimas envolvidas [LIN & LU, 1997]. Tal possibilidade, no entanto, é

A

extremamente pequena frente a todos os sistemas enzimáticos flavínicos presentes no organismo.

Para o alcance destas enzimas, em diferentes organelas, as características mais importantes seriam principalmente a lipofilicidade e capacidade de ionização do composto, pois para ter acesso a tais localidades, o fármaco precisaria atravessar vários sistemas membranosos; e para tanto, é necessária alta lipofilicidade e baixa capacidade de ionização [LIN & LU, 1997].

2.6. Planejamento Racional de Fármacos

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