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REVISÃO DA LITERATURA

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SUMÁRIO

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1. Leishmania spp. e Leishmaniose

2.1.1. Características gerais

O gênero Leishmania é constituído por protozoários parasitos intracelulares obrigatórios (Kinetoplastida; Trypanosomatidae), caracterizados por grande diversidade e complexidade, podendo causar diferentes doenças em seres humanos. Sua caracterização taxonômica está representada no anexo A. Estes parasitos foram descritos independentemente por William Leishman e Charles Donovan (figura 2.1) em 1903, mas foram observados (porém não descritos) previamente por David D. Cuningham em 1885 e Peter Borovsky em 1898. Foram confundidos com outros protozoários, e o gênero Leishmania foi proposto por James Wright apenas em 1903 [VANNIER-SANTOS et al., 2002; SILVA et al., 2002]. Espécies deste gênero causam um vasto espectro de doenças endêmicas em vários países, como naqueles localizados nos trópicos, sub-trópicos e no sul da Europa, em áreas que compreendem desde florestas e manguezais nas Américas a desertos no oeste da Ásia, em áreas rurais ou periurbanas [WALLER & McCONVILLE, 2002].

Figura 2.1: Fotos de William Boog Leishman (1865-1926) [A] e Charles Donovan (1863-1915) [B], cientistas que primeiro descreveram parasitos do gênero Leishmania.

Fonte: <http://www.levriers.net/leishmaniose.html>. Acesso em julho/2006.

A

Estas doenças, consideradas infecciosas zoonóticas não-contagiosas, constituem síndromes clínicas graves, incluindo as formas de leishmaniose tegumentar e visceral (figura

2.2), além de casos de infecção assintomática (ou infecção inaparente) e de leishmaniose

linfonodal. Estas formas afetam outros animais, e não somente o ser humano. A forma tegumentar é ainda dividida nas formas cutânea, mucocutânea (ou mucosa) e difusa (cutâneo difusa ou disseminada), correspondendo a lesões extensas, causadas principalmente pela destruição de células do sistema imune e adjacências à região da picada do mosquito transmissor da doença (o inseto flebotomíneo conhecido como mosquito-palha, tatuquira, birigui, dentre outros) [MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007; GOMES et al., 2003; BARRETT & GILBERT, 2002].

Figura 2.2: Demonstração da leishmaniose cutânea [A e B], visceral [C] e mucocutânea [D e E]. Fonte: [A], [E] <http://www.wehi.edu.au/research/overview/inf.html>; [B], [D] <http://www.mgm. ufl.edu/~gulig/mmid/>; [C] <http://www.kit.nl/frameset.asp?/biomedical_research/html/leishmaniasis. asp&frnr=1&>. Acesso em julho/2006.

No Brasil, a confirmação de formas de Leishmania em úlceras cutâneas e nasobucofaríngeas primeiro ocorreu no ano de 1909, quando Lindenberg encontrou o parasito em indivíduos que trabalhavam em áreas de desmatamentos, para a construção de rodovias no interior de São Paulo. Cada forma da doença é causada por um conjunto diferente de

A

A

B B

C C

D

nasobucofaríngea [MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007; GOMES et al., 2003; BARRETT & GILBERT, 2002].

Tabela 2.1: Diferentes manifestações clínicas e seus agentes etiológicos (gênero Leishmania).

Tipo de leishmaniose Agente etiológico Variações

Leishmaniose visceral (calazar ou kala-azar)

Espécies do complexo L. donovani [L. (L.) donovani, L. (L.) infantum, L. (L.) chagasi], L. (L.) tropica e L. (L.) amazonensis

Pós-calazar (leishmaniose dérmica): desenvolve-se após a resolução da leishmaniose visceral, caracterizada por lesões cutâneas.

Leishmaniose cutânea L. (L.) tropica, L. (L.) major, L. (L.) aethiopica, L. (L.) infantum, L. (L.) donovani, espécies do complexo L. mexicana [L. (L.) mexicana, L. (L.) amazonensis, L. (L.) venezuelensis] e subgênero Viannia [mais comuns L. (V.) braziliensis, L. (V.) pana- mensis, L. (V.) guyanensis, L. (V.) peruviana]; e ainda L. (L.) chagasi.

Leishmaniose “recidivans” ou lu- póide: uma variação crônica e oligoparasitária, manifestada tipica- mente por uma lesão facial solitária que é curada centralmente, mas gradualmente aumenta com o passar dos anos. Pode lembrar o lúpus (a tuberculose da pele). Causada prin- cipalmente por L. (L.) tropica. Leishmaniose cutânea difusa ou disseminada: uma variante crônica, progressiva e poliparasitária, mani- festando múltiplas lesões cutâneas que lembram a lepra. Causada por L. (L.) aethiopica e complexo L. mexicana.

Leishmaniose mucocutânea (ou nasobucofaríngea)

Subgênero Viannia [tipicamente L. (V.) braziliensis, mas também L. (V.) panamensis e L. (V.) guyanen- sis], L. (L.) amazonensis.

A leishmaniose mucocutânea é considerada por muitos autores uma variação da leishmaniose cutânea. Fonte: [HERWALDT, 1999].

Em humanos, a leishmaniose cutânea é causada principalmente por Leishmania (Leishmania) major em países da Europa e Ásia, e Leishmania (Leishmania) amazonensis e Leishmania (Viannia) braziliensis na América do Sul. Esta última foi assim nomeada por Gaspar Vianna no Brasil, após Splendore ter diagnosticado a forma mucosa da doença em 1911. A distribuição das espécies presentes no Brasil para a forma tegumentar da doença está demonstrada na figura 2.3. O período de incubação da doença em seres humanos é de 2 a 3 meses, podendo chegar a 2 anos [MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007; HERWALDT, 1999]. Um perfil detalhado da distribuição dos casos de leishmaniose tegumentar no Brasil, de estado em estado, assim como o coeficiente de detecção de tais zoonoses de 1985 a 2005 é apresentado nos anexos B e C.

Figura 2.3: Distribuição das espécies de Leishmania no Brasil, em 2005. Notar que as espécies L. (L.) amazonensis e L.(V.) braziliensis são as mais amplamente distribuídas.

Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007.

Nas últimas décadas, as análises epidemiológicas da leishmaniose têm sugerido mudanças no padrão de transmissão da doença, inicialmente considerada especificamente como uma zoonose de animais silvestres, que acometia ocasionalmente pessoas em contato com florestas. Posteriormente, a doença começou a ocorrer em zonas rurais, já praticamente desmatadas, e em regiões periurbanas. Com esta mudança de características e localidades, observa-se a existência de três padrões epidemiológicos de transmissão [MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007]:

a) Padrão silvestre – transmissão que ocorre em áreas de vegetação primária, como uma zoonose de animais silvestres;

b) Padrão ocupacional ou de lazer – transmissão associada à exploração desordenada da floresta e derrubada de matas para construção de estradas, extração de madeira, desenvolvimento de atividades agropecuárias e ecoturismo (antropozoonose);

c) Padrão rural ou periurbano – transmissão em áreas de colonização (zoonose de matas

L. (V.) braziliensis L. (V.) lainsoni L. (V.) naiffi L. (V.) shawi L. (V.) guyanensis L. (L.) amazonensis L. (V.) lindenberg

A leishmaniose é transmitida por aproximadamente 30 espécies de flebotomíneos. A transmissão da doença engloba a participação do inseto flebotomíneo como vetor (figura 2.4), que adquire o parasito através do sangue infectado de hóspedes mamíferos [GRIMALDI & TESH, 1993].

Figura 2.4: Phlebotomus sp. [A/B/C], flebotomíneos transmissores da leishmaniose no “velho mundo”; Lutzomyia sp. [D/E/F], transmissores no “novo mundo”.

Fonte: [A] <http://www.keele.ac.uk/depts/aep/images/rdw%20phleb.jpg>; [B] <http://www.unine.ch/ zool/para/guerin/index.html>; [C] <http://www.afpmb.org/netpub/server.np?find&catalog=catalog& template=detail.np&field=itemid&op=matches&value=961&site=Bravado>; [D] <http://faculty. vetmed.ucdavis.edu/faculty/gclanzaro/lab/images/sandflyimagelarge.jpg>; [E] <http://www.fmt.am. gov.br/areas/entomologia/imagens/imagem009.jpg>; [F] <http://www.parasitesandvectors.com/ content/figures/1756-3305-2-S1-S1-3.jpg>. Acesso em julho/2006 [B/C], e agosto/2009 [A/D/E/F].

No ano de 1922, Aragão demonstrou pela primeira vez no Brasil o papel do flebotomíneo na transmissão da leishmaniose tegumentar e Forattini, em 1958, encontrou roedores silvestres parasitados em áreas florestais do estado de São Paulo. O gênero Phlebotomus é considerado o principal transmissor da doença no mundo, mas nas Américas (o chamado “novo mundo”) e principalmente nas Américas do Sul e no Brasil, o parasito se adaptou também aos insetos do gênero Lutzomya, mais numerosos nesta região, sendo ali identificados como vetores da doença. A figura 2.5 demonstra os principais vetores encontrados no Brasil, e sua distribuição por região [MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007; GRIMALDI & TESH, 1993].

B

B

CC

A

A

D

D

E E

FF

Figura 2.5: Distribuição dos vetores (gênero Lutzomya) responsáveis pela transmissão de Leishmania no Brasil, em 2005. Os símbolos representam as diferentes espécies do vetor, sendo elas: Lutzomya intermedia, Lutzomya whitmani, Lutzomya flaviscutellata, Lutzomya wellcomei, Lutzomya umbratilis e Lutzomya migonei, respectivamente.

Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007.

A leishmaniose é endêmica em 88 países, incluídos nas Américas nas regiões do norte da Argentina ao sul do Texas (mas não no Uruguai, Chile e Canadá), no sul da Europa, Ásia (com exceção da região sudeste), Oriente Médio e África (particularmente norte e leste, com casos esporádicos nas outras regiões). Por ser detectada em tantos países e também por causar graves deformidades, é considerada pela OMS uma das 6 doenças infecciosas mais importantes. Estima-se que 500.000 indivíduos contraiam a forma visceral da doença por ano, sendo 90% destes casos em Bangladesh, nordeste da Índia (particularmente no estado de Bihar), Nepal, Sudão e nordeste do Brasil (figura 2.6); e que 1,5 milhão de pessoas contraiam a forma cutânea da doença, sendo 90% destas localizadas no Afeganistão, Argélia, Irã, Iraque, Arábia Saudita, Síria, Brasil e Peru [GOMES et al., 2003; HERWALDT, 1999; GRIMALDI

L. intermedia

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