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CAPÍTULO V ÔNUS DA PROVA E ARTICULAÇÃO COM OS SISTEMAS PROCESSUAIS

5.5. A busca da verdade material

Com efeito, o objetivo do presente estudo não é aprofundar no tema sobre a verdade e, tampouco, designar o conceito mais adequado, uma vez que “há diferentes compreensões contemporâneas sobre o significado da verdade”, como afirma (CALHEIROS, 2015, p.66). Entre tantas

verdades, tem-se a certeza que a verdade absoluta é inalcançável e inatingível, não só na esfera do direito, mas em todos os aspectos que envolvem a humanidade.

Durante muitos séculos o processo foi visto como um jogo em que as partes eram protagonistas e o juiz espectador: assim, a vitória caberia aquele que tivesse apresentado a melhor prova. Consagrava uma tarifiação nada lógica e adotava outros critérios instituídos à base de privilégios, atualmente, intoleráveis e inadmissíveis. O juiz não buscava averiguar a verdade propriamente dita, mas apenas apurar qual dos litigantes “sobreviveria” aos complicados jogos processuais. Como resultado estabelecia uma verdade puramente formal e, consequentemente, os julgamentos eram acometidos de altas doses de injustiça.

Os poderes instrutórios do juiz foram paulatinamente aumentados, passando de espectador inerte à parte ativa na evolução do processo, formando seu convencimento com base nas provas

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carreadas nos autos, momento em que a disputa entre os litigantes passou a ser por meio de um debate lógico. Nesse processo moderno, com caráter notadamente publicístico, o interesse é tanto das parte quanto do juiz, todos agem em nome da pacificação social e em busca da eliminação de litígios.

O juiz não se deve contentar com a verdade formal, ou seja, aquela que advém unicamente das alegações e documentos apresentados pelas partes. Deve buscar ao máximo aproximar-se da verdade real ou material162, isto é, como realmente os fatos ocorreram. Embora, o juiz moderno não mais se limite

a permanecer inerte perante à produção de prova, pois em princípio pode e deve assumir a iniciativa probatória, na maioria dos casos que envolve direitos disponíveis, pode satisfazer-se com a produção da prova por iniciativa das partes, limitando acolher o que estas levaram ao processo e eventualmente rejeitando a demanda ou a defesa por falta de elementos probatórios. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO,

2015, p.89)

Entre as dificuldades que tem enfrentado a doutrina para estabelecer a conexa ligação entre prova, verdade e processo, o que se verifica é que a distinção entre verdade formal e verdade real vem sendo rechaçada pela doutrina moderna. Já não se aceita a suposta vinculação que ao processo civil cabe a denominada verdade formal, lado outro, a verdade real está associada ao processo penal. Esse pensamento deve ser banido da ciência processual e, assim ensina (BEDAQUE, 2013, p.10) que a

“verdade formal é sinônimo de mentira formal pois ambas constituem as duas faces do mesmo fenômeno: o julgamento feito à luz de elementos insuficientes para verificação da realidade jurídico- material.”163

Por meio da instrução probatória verifica-se uma constante busca a fim de formar o convencimento do juiz sobre a veracidade das alegações de fatos apresentados, para que ao proferir a decisão certa esteja ciente que foi justo. Neste sentido, em recurso especial o STJ Brasileiro proferiu o seguinte entendimento: “[O] magistrado, ao presidir a instrução probatória, possui poderes para avaliar a necessidade ou não da produção da prova, e de decretar a inversão do ônus probatório, não estando adstrito à manifestação de vontade das partes quando, da análise do caso concreto, aferir a necessidade da utilização do meio de prova para se alcançar a verdade real.”164

162 Para (CALHEIROS, 2015, p.65) a distinção entre verdade formal e verdade material “é uma das estratégias, empregue no domínio jurídico, para procurar

discernir, e explicar, o sentido específico da ideia de verdade aplicada nos processos judiciais, e no conhecimento dos factos que, pelo seu intermédio, tem seu lugar. A verdade material seria, pois, nessa acepção, uma verdade mais autêntica porque empírica e próxima da realidade, por contraposição à verdade formal, por excelência a processual, incompleta e fragmentária, senão quase convencional.”

163 A lição de (GRINOVER apud BEDAQUE, 2013, p.20), “Vê-se daí que não há qualquer razão para continuar sublinhando a distinção entre ‘verdade real’ e

‘verdade formal’, entendendo a primeira própria do processo penal e a segunda típica do processo civil. O conceito de verdade, como já dito, não é ontológico ou absoluto. No processo, penal ou civil que seja, o juiz só pode buscar a verdade processual, que nada mais é do que o estágio mais próximo possível da certeza. E para que chegue a esse estágio deverá ser dotado de iniciativa probatória. Por isso mesmo, o termo ‘verdade real’ no processo penal e no processo civil indica uma verdade subtraída à exclusiva influência que as partes por seu comportamento processual, queiram exercer sobre ela. E isso vale para os dois processos em matéria probatória.”

164 Cfr. Acórdão do STJ BR, REsp 1.765.772/PR, Rel. Min.HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/11/2018, DJe 17/12/2018. Disponível

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A verdade é condição necessária à justiça das decisões, um procedimento no qual os tribunais nem sequer tentar chegar à verdade é manifestamente um processo injusto. O juiz em observância ao princípio da imparcialidade deve ir à procura da verdade, a fim de tentar descobri-la, pois nenhuma decisão pode ser considerada justa baseada na insuficiência dos fatos. Por isso não pode admitir que a vontade dos litigantes seja um entrave à atividade instrutória oficial.Para (ALBUQUERQUE, 2014, p.96) “os

meios de controle da imparcialidade do juiz não exigem sua inércia diante da iniciativa da busca da verdade real e eles consistem em um efetivo contraditório das partes, por obra do próprio juiz, que sempre dará as partes oportunidade de se manifestarem acerca das provas apresentadas.”

O juiz, no processo moderno, não pode permanecer ausente da pesquisa da verdade material, merece destaque a lição de (BAUR apud THEODORO JUNIOR, 2017, p.72) “[A]ntes fica autorizado e obrigado a apontar às partes as lacunas nas narrativas dos fatos e, em casos de necessidade, a colher de ofício as provas existentes.” A ativização do juiz visa proporcionar às partes uma rápida solução do litígio, bem como encontrar a verdade material. No entender do autor, “não devem reverter em prejuízos destas o desconhecimento do direito, a incorreta avaliação da situação de fato, a carência em matéria probatória; cabe ao juiz sugerir-lhes que requeiram as providências necessárias e ministrem material de fato suplementar, bem como introduzir no processo as provas que as partes desconhecem ou lhes sejam inacessíveis.”

O juiz deve procurar uma verdade real ou algo que se aproxime dela, deve ir em busca de uma verdade possível. Assim, O STJ Português já manifestou sobre o tema: “[O] princípio da verdade material significa que o processo deve tender à reconstituição dos factos e da situação jurídica tal como efetivamente se verificaram ou verificam (cfr. Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, pág. 165), e para tal admite a direta intervenção do juiz na produção das provas, não se limitando a investigação da verdade à disposição dos meios probatórios que é feita pelas partes, tudo com vista ao apuramento de factos importantes para a boa decisão da causa, nomeadamente possibilitando-se a inquirição de pessoa que presumidamente tem conhecimento desses factos, entroncando portanto aqui o princípio do inquisitório que se prende com a atitude do juiz perante os factos.”165

A verdade não pode ser tratada de maneira diferente, haja vista que é uma só. É de indiscutível importância o estudo da verdade dentro dos modelos probatórios que existem nos ordenamentos jurídicos atuais, para que se possa aferir até que ponto o juiz pode – e se pode, avançar na busca da verdade real, sem perder a imparcialidade e sem violar o contraditório. (ALBUQUERQUE, 2014, pp.93-94).

165 Cfr. Acórdão do STJ PT, de 30 de março de 2017, Proc. n.º 135/11.4TTCSC.L1.S1, Rel. ANTÓNIO LEONES DANTAS. Disponível em

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Por tudo que foi exposto, acredita-se que a verdade deve estar amparada sobre princípios constitucionais processuais, sobretudo o contraditório. Se o processo existe para tutelar os direitos, deve conceder ao juiz um papel ativo, efetivo e dinâmico para que possa cumprir a sua tarefa.