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CAPÍTILO II PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO

2.3. Reforço dos poderes do juiz

Historicamente se estende a tendência de reforçar os poderes do juiz, baseada no interesse público existente em todo o processo, consistente na solução adequada da crise verificada no plano substancial e trazida para o exame do Poder Judiciário, teve seu marco inicial na reforma do processo austríaco de 1896, liderada por Franz Klein.

Sob a domínio da postura antiga e arraigada, inspirada em critérios dispositivos, o magistrado julgava a causa com base nos fatos alegados e provados pelas partes, de sorte que lhe era vedada a busca de fatos não alegados e cuja prova não tivesse sido postulada pelas partes. (THEODORO JUNIOR,

1999, p.3)

Em Portugal, somente após o DL. 12.353, de 22 de Setembro de 192649 que iniciou um ciclo

de reforço dos poderes do juiz, momento em que o princípio do dispositivo já não se encontrava na sua forma clássica e sim na sua versão contemporânea.

O processo civil moderno procurou conciliar os princípios do dispositivo e inquisitório, mantendo a inércia do judiciário quanto à abertura do processo, deixando por exclusiva iniciativa das partes a formação processual e a definição do objeto litigioso. Contudo, como garantia de acesso à justiça o direito

47 Dispõe o art. 6º do CPC Português: “1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o

processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. 2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”

48 Dispõe o art. 411º do CPC Português :“Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da

verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”

49 Antes do DL 12.353 de Setembro de 1926, ao juiz era atribuído o papel de decidir o que lhe era perguntado, nunca intervindo para além do que lhe era

pedido. A partir do DL, momento em que a organização política da ditadura instaurou em Portugal, fez com que o papel do juiz ganhasse mais destaque e relevância, além dos poderes que lhe foram atribuídos. Assim, ensina (GOUVEIA, 2007, p.50) “até 26 vigorou o processo liberal, cujas conceções estão erradas

e foram devidamente afastadas; desde então até hoje o papel do magistrado é determinantes no processo civil, sendo-lhes atribuídos poderes em diversos níveis; a esta ideia de centralidade do juiz no processo acresceu uma máxima de colaboração do juiz, com as partes e estas entre si, retirando ao magistrado alguma da sua autoridade, mas mantendo-o como diretor do processo.” Segundo a autora, o Código de 61 foi uma mera reforma do Código de 39 e, somente apenas com o Código de 95/96 que o paradigma autoritário foi alterado em Portugal, pois neste Código o princípio da colaboração foi inserido como princípio enformador do Código. Entretanto, a respeito do tema há duas correntes, àqueles que defendem que o Código de 95/96 é verdadeiramente novo e outros que o identifica com uma evolução do Código de 61. Este estudo está em consonância com a Autora que defende que é “um novo arquétipo de processo civil”, qual acentuou os deveres de cooperação entre as partes e magistrados.

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positivo teve que reforçar os poderes dos juízes na condução da causa, no desenvolvimento, bem como no deslinde da causa para apurar a verdade real em tornos dos fatos que estabeleceu o litígio.

A tendência moderna é reforçar os poderes50 de direção e impulso do juiz, com vistas a obtenção

de um processo justo. Assim, o juiz deve averiguar e ir em busca da verdade instalada no conflito entre as partes, além de coibir manobras procrastinatórias das partes, indeferindo e evitando diligências inúteis, priorizando a duração razoável do processo.

Relativamente aos reforços dos poderes do juiz, (RODRIGUES, 2013, p.88) objetivamente ensina

“[P]ara além de ser reforçarem os poderes de direção do processo pelo juiz, conferindo-se-lhe o poder- dever de adotar uma posição mais interventora no processo e funcionalmente dirigida à plena realização do fim deste, eliminam-se as restrições excecionais que certos preceitos do Código em vigor estabelecem, no que se refere à limitação de meios probatórios, quer pelas partes, quer pelo juiz, a quem deste modo, incumbe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente e sem restrições, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade justa composição do litígios, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer.”

Os poderes inquisitoriais do juiz são imprescindíveis para ao processo justo, com cunho de assegurar duas garantias básicas, sejam elas, a efetividade da tutela jurisdicional, sem a qual não há acesso à justiça e a duração razoável do processo, de cuja inobservância decorre inevitável denegação da justiça e, assim (HUMBERTO TEODORO, 2017, p.71) assevera “justiça tardonha não é justiça, mas pura

e deplorável injustiça.”

Diferentemente do princípio do dispositivo clássico qual atribua as partes toda a iniciativa, seja na instauração do processo ou no impulso e, inclusive na produção de provas, que só podem ser produzidas pelas próprias partes, limitando o julgador a um mero espectador, o princípio do inquisitório permite que julgador busque por todos os meios a seu alcance, descobrir a verdade real, independentemente da colaboração das partes.

Neste sentido, (GOUVEIA, 2007, p.48) ensina que “o princípio do dispositivo, na sua versão pura,

estabelece que o processo é campo exclusivo das partes. Fundando-se na ideia de que o litígio civil é privado, que faz parte da autonomia privada, a intervenção do magistrado não pode nunca envolver-se naquilo que só a estas pertence. Já o inquisitório pressupõe também que o interesse público está em causa no litígio privado, quer na proteção da parte mais fraca, quer na efectiva aplicação do direito, ou melhor, da justiça. ”

50 Utiliza-se aqui o termo poder do juiz, tal como define (GOMES, 1997, p.41) “[O] juiz participa do poder enquanto órgão que desempenha a função de julgar.

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Como função primordial, destaca-se a garantia da justa composição de litígios, que deve ser feita segundo o princípio da imparcialidade51, obedecendo sempre o contraditório e igualdade das partes, de

modo a assegurar a paz social. Pode-se dizer que a meta do processo civil moderno é a investigação, de modo que dentro dos seus princípios fundamentais nenhum seja tão mais relevante e decisivo quanto aquele que regula o papel do juiz na condução do processo.

Cabe ao juiz assegurar a igualdade entre as partes, seja no exercício da atuação, no meio de defesa, no ônus da prova, bem como na aplicação de cominações ou sanções, uma vez que o processo tem por objetivo primordial a justiça, que não se alcança sem a verdade. Excetuadas algumas situações, em que o juiz atua mediante provocação, cabe a este observar os limites da demanda conforme fixados pelo autor.

No âmbito da instrução do processo cabe ao juiz, a iniciativa e as partes o dever de colaborar52

na descoberta da verdade, submetendo as inspeções necessárias e praticando os atos que lhe forem atribuídos, o papel do juiz-árbitro já encontra superado. Cabe ao juiz no saneamento do processo delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova e, ainda, delimitar as questões de direito relevantes para a decisão de mérito.

A respeito da participação do juiz na formação do conjunto probatório, determinando a realização das provas necessárias para esclarecimentos do fatos aduzidos pelas parte, em nada afeta a sua imparcialidade, a uma porque agindo desta forma demonstra que o magistrado está atento aos fins sociais do processo; a duas porque a visão publicista deste exige um juiz comprometido com a efetividade do direito material – a qualquer momento o juiz pode determinar produção de provas necessárias para formar seu convencimento. (BEDAQUE, 2013, p.123)

A propósito, é importante destacar a «teoria da torta», nomenclatura utilizada por (TARUFFO,

2013, p.80) “ que consiste em conceber o conjunto dos poderes da iniciativa probatória como uma torta que o legislador por vezes divide entre as partes e o juiz, com a consequência que quando os poderes instrutórios são atribuídos ao juiz, isso implicaria proporcional redução dos poderes probatórios das partes. ”

51 Um dos argumentos que a doutrina dominante utiliza contra a iniciativa probatória do juiz na colheita de prova, está pautada na necessidade de preservar

a imparcialidade do julgador, que deve conduzir o processo sem favorecimento de qualquer das partes. Isso não ocorreria se a ele fosse conferida a possibilidade de determinar a realização de uma prova, cujo resultado viesse a beneficiar uma delas. Nesse caso, haveria quebra da imparcialidade. Para resguardá-la, ainda que adotando os poderes instrutórios, teria o legislador procurado afastá-lo ao máximo dessa atividade. Há quem argumente a necessidade da participação do Ministério Público em todos os processos, cuja função seria procurar a verdade real, o que afastaria de certo modo o perigo da postura ativa do juiz diante da prova. (BEDAQUE, 2013, p.118)

52 Ressalvado as exceções dispostas no art. 417º, n.º3 do CPC Português, a recusa de colaboração implica na condenação em multa, haja vista que trata de

um dever e, valoração judicial da conduta da parte para efeitos probatórios. Conforme disposto no art. 344º, n.º 2 do CC PT, a inversão do ônus da prova poderá ser aplicada à parte que culposamente tenha tornado impossível a prova de um fato que lhe cabia provar.

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A ‘teoria da torta’ não tem aplicabilidade no direito luso-brasileiro, pois trata de ordenamentos nos quais não há dúvida de que estão previstas garantias inerentes a defesa e o direito que compete as partes é reconhecido e assegurado. Essa teoria da torta é “inconsistente e infundada” como reconhece o autor.

Por derradeiro, (DINAMARCO, 1998, p.287) traz à baila a figura do juiz ativo e assevera que “a

escalada inquisitiva, no processo civil moderno, corresponde a crescente assunção de tarefas pelo Estado contemporâneo, o qual repudia a ‘teoria dos fins limitados’. (…) Nos sistemas políticos constitucionais marcados pela busca do bem-comum e nos de conotação socialista, o processo recebe influxos publicistas que impõe a presença do juiz atuante. É assim o nosso sistema processual da atualidade, onde a todo momento é preciso enfatizar que os juízes são condutores do processo e o sistema não lhes tolera atitudes de espectador.”

Perante tais considerações, é preciso refletir que o processo civil moderno procura um equilíbrio entre o princípio do inquisitivo e o princípio do dispositivo na instrução, bem como a manutenção da imparcialidade do juiz. Assim, mais uma vez (DINAMARCO, 1998, p.54) ensina que “[É] preciso, de um

lado, reprimir a inquisitoriedade que dominou o processo penal autoritário; e, de outro, abandonar o comportamento desinteressado do juiz civil tradicionalmente conformado com as deficiências instrutórias deixadas pelas partes no processo.”

A partir do momento em que os poderes instrutórios foram atribuídos aos juízes, estes deixaram de ser meros espectadores dos atos processuais das partes e tornam-se protagonistas, atuando de forma ativa na busca de elementos para sua própria instrução. Visto isto, é possível verificar a irreversibilidade da ampliação dos poderes do juízes, em especial quanto à iniciativa probatória, uma vez que a permanente evolução em busca do ideal de justiça eficiente e qualificada, tem feito com que o juiz moderno esteja cada vez mais em consonância com os anseios sociais.

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