• Nenhum resultado encontrado

Câncer Infantil e Dor Crônica: “Porque Dói Bem Menos Ser Criança”

(...) É que a gente quer crescer

E quando cresce quer voltar do início Porque um joelho ralado dói bem menos que um coração partido Era uma vez – Kell Smith

Resumo

Na literatura científica, a dor crônica é considerada uma das principais causas de incapacidade de pacientes, configurando-se como um problema de saúde pública. Sobreviventes de câncer infanto-juvenil podem desenvolver um quadro de dor crônica, dificultando ainda mais sua reinserção social. Objetivo: investigar, a partir do referencial psicanalítico, o lugar que a dor crônica pode ocupar na economia psíquica dos adolescentes e familiares. Método: pesquisa de tipo misto realizada em um hospital de oncologia pediátrica em duas etapas: 1) entrevistas semiestruturadas com 12 adolescentes em seguimento no ambulatório de dor de um hospital de oncologia pediátrica e as suas respectivas mães; e 2) aplicação do Teste de Morisky, Green e Levine (TMG) sobre adesão medicamentosa. As entrevistas foram analisadas por meio do método psicanalítico. Os dados quantitativos foram analisados por meio de análise estatística.

Resultados: A partir da análise das entrevistas foram construídas dez categorias. Neste artigo

apresentaremos três categorias: 1) sexualidade, inibição e dor; 2) amor e dor; e 3) difícil controle da dor: uma solução subjetiva inconsciente do adolescente diante do não reconhecimento do Outro. A partir da análise estatística, dez adolescentes são não aderentes e dois aderentes.

Conclusões: A partir do presente estudo, foi possível perceber que, em alguns casos, o difícil

controle da dor funciona enquanto uma solução subjetiva inconsciente do sujeito diante da experiência de não reconhecimento do Outro.

Palavras-chave: Oncologia Pediátrica; Dor Crônica; Psicanálise; Sexualidade.

Abstract

In the scientific literature, chronic pain is considered one of the main causes of patients' incapacity as a public health problem. Survivors of childhood-cancer may develop chronic pain, which makes it more difficult for them to be reintegrated into society. Objective: to investigate from the psychoanalytical framework the place that chronic pain can occupy in the psychic economy of adolescents and relatives. Method: a mixed-type study performed in a pediatric

oncology hospital in two stages: 1) Semi-structured interviews with twelve adolescents in a follow-up in the pain clinic of a pediatric oncology hospital and their respective mothers. 2) Application of the Morisky, Green and Levine Test on drug adherence. The interviews were analyzed through the psychoanalytic method. Quantitative data were analyzed by means of statistical analysis. Results: From the analysis of the interviews were constructed three

categories: 1) Sexuality, inhibition and pain; 2) Love and pain; 3) Difficult control of pain: an unconscious subjective solution of the adolescent before the non-recognition of the Other. From the statistical analysis, 10 adolescents are non-adherent and 2 adherents. Conclusions: From the present study, it was possible to perceive that in some cases the difficult pain control functions as an unconscious subjective solution of the subject before the experience of not recognizing the Other.

Keywords: Pediatric Oncology, Chronic Pain, Psychoanalysis and Sexuality.

INTRODUÇÃO

O significado da dor mudou ao longo dos anos e sofreu influência tanto de conceitos sociais quanto de políticos. Antes do século XIX, acreditava-se que a dor era um instrumento de expiação regido pela intenção divina, portanto deveria ser tolerada com submissão e dedicação. Já na esfera legal, a dor era utilizada pelos soberanos como instrumento de punição e repressão contra os transgressores da ordem pública. Foi com o avanço da ciência, principalmente da farmacologia, e com a cristalização dos ideais de felicidade e saúde, como bens a serem consumidos, que a dor passou a ser entendida como uma patologia a ser combatida (FOUCAULT, 1975; MELO, 2013; SANTOS, 2009).

Desde Descartes, a razão passou a ser a lente universal para a exploração de todos os fenômenos, assim como o dualismo cartesiano entre mente e corpo. A partir do século XIX, a medicina moderna sofreu uma transformação por meio de uma nova estruturação da doença, em que a busca pela localização espacial, objetiva e visível do sofrimento passou a vigorar (FOUCAULT, 1980; MELO, 2013).

Morris (1998) reconhece os ganhos no tratamento da dor por meio da concepção objetiva e visível, mas adverte a comunidade científica sobre as perdas no tratamento ao deixar de fora os aspectos envolvidos no sintoma doloroso que não são visíveis e objetiváveis.

Câncer Infantil e Dor Crônica: “Porque Dói Bem Menos Ser Criança | 79

Atualmente, diante da não resolução da dor com os fármacos e da descoberta de suas especificidades, a International Association for the Study of Pain (IASP) define o fenômeno doloroso como “uma sensação sensorial e emocional desagradável associada a dano tecidual real ou potencial ou descrita em termos de tal dano”. Apesar de a IASP reconhecer a dor como um fenômeno subjetivo, multifatorial e indicar o tratamento multiprofissional, ainda prevalece o tratamento apenas medicamentoso e existe resistência, por parte dos profissionais de saúde, pacientes e familiares, em reconhecer e lidar com o aspecto subjetivo da dor (ARMENTOR, 2017; FARES, 2015; MELO, 2013).

A dor pode variar entre crônica e aguda, para ser considerada crônica, de acordo com a IASP, deve ter duração de mais de seis meses. Para outros órgãos, o tempo de duração para definição de cronicidade deve ser maior de três meses (TEIXEIRA, 2011). Estudos na área apontam que a dor crônica é uma das principais causas de incapacidade, licenças médicas, absenteísmo ao trabalho e hiperutilização do sistema de saúde, configurando-se um problema de saúde pública (RUVIARO, FILLIPIN, 2012; ZOBOLI et al., 2016).

O estudo de quadros dolorosos refratários esteve presente desde os primórdios da psicanálise. Freud, médico neurologista de formação, rompeu com a dicotomia mente e corpo por meio da sustentação de uma tensão entre o psíquico e o somático (FREUD, 1905).

Ao passo que o universo humano foi se estruturando em palavras, a complexidade da linguagem operou uma transformação na sexualidade humana em relação aos outros animais à medida que não é regida pelo saber instintual (FREUD, 1905). A pulsão é o conceito freudiano que substitui o instinto e trata especificamente do atravessamento da linguagem no homem e da tensão existente entre mente e corpo (JORGE, 2017). Para a psicanálise, a dor crônica de difícil controle pode ser compreendida como uma solução subjetiva do sujeito frente às dificuldades da vida (BESSET, 2014).

Na oncologia, a dor é o sintoma mais comumente relatado. Todos pacientes, em algum período do adoecimento, experimentam dor: antes do diagnóstico, durante o tratamento, final de vida, e quando sobreviventes. O sintoma doloroso é atribuído às intervenções médicas ou ao estado da doença. Os fatores não orgânicos que tendem a serem levados em consideração são: medidas subjetivas de avaliação da dor, fatores ambientais e influências culturais (GOSAIN, MILLER, 2013).

Diante da experiência de adoecimento, o que faz com que alguns pacientes desenvolvam um quadro de dor crônica de difícil controle após o tratamento? A partir da psicanálise, qual seria a possível função psíquica da dor crônica de difícil controle, enquanto solução subjetiva diante de dificuldades da vida, para os adolescentes?

MÉTODO

O método misto foi utilizado neste estudo, bem como a tipologia “Triangulação”, que visa a corroboração dos métodos (CRESWELL, CLARK, 2013). A pesquisa em psicanálise cujo paradigma é interpretativo foi predominante e a integração dos dados ocorreu na discussão. Local: hospital de oncologia pediátrica. População: 24 participantes, 12 adolescentes com idade entre 15 e 24 anos e suas respectivas mães.

Foram incluídos no estudo todos os pacientes que estavam em acompanhamento no ambulatório de dor, fora de tratamento quimioterápico no momento da coleta de dados, com escore mínimo de 80 na escala de Karnofsky10 e com um quadro de dor crônica há, no mínimo, seis meses. Foram excluídos do estudo os pacientes com comorbidades neurológicas e psiquiátricas. O critério de seleção da idade dos pacientes está de acordo com a definição da Organização das Nações Unidas (ONU), que estabelece os limites cronológicos da adolescência entre 15 e 24 anos (EISENSTEIN, 2005). Nesta pesquisa, usamos a definição de dor crônica com duração superior a seis meses, em conformidade com a orientação da International Association for the Study of Pain (IASP) para fins de pesquisa.

10 É uma escala que avalia desempenho e classifica os pacientes de acordo com grau das suas inaptidões ou deficiências funcionais. Quanto menor a classificação na escala, pior a expectativa de recuperação e retorno às atividades diárias (VESZ et al., 2013).

Câncer Infantil e Dor Crônica: “Porque Dói Bem Menos Ser Criança | 81

Quadro 1. Dados gerais dos adolescentes participantes da pesquisa (n= 12). São Paulo, 2019

Nome Idade Sexo Idade diagnóstico Diagnóstico Tratamento

Bárbara 24 anos F 17 anos Osteossarcoma não metastático Quimioterapia

Cirurgia endoprótese

Fátima 21 anos F 18 anos Glioma de alto grau Quimioterapia

Radioterapia Cirurgia ressecção

Roberto 20 anos M 9 anos Tumor miofibrilástico Ressecção cirúrgica

Karen 20 anos F 7 anos Neurofibromatose tipo 1 Cirurgia ressecção

Larissa 18 anos F 4 meses Neuroblastoma 3 paravertebral Radioterapia

Quimioterapia Ressecção tumoral

Márcia 21 anos F 15 anos Meningioma grau II Cirurgia ressecção

Sônia 22 anos F 11 anos Neurofibromatose e Glioma de via

ópticas bilateral

Quimioterapia Cirurgia ressecção

Beatriz 18 anos F 16 anos Osteossarcoma

não metastático

Quimioterapia Cirurgia endoprótese

Ivete 15 anos F 10 anos Craniofaringioma Cirurgia ressecção

Radioterapia

Gabriela 15 anos F 12 anos Osteossarcoma Quimioterapia

Cirurgia endoprótese

Bianca 21 anos F 10 anos Síndrome de Dercum Quimioterapia

Cirurgia ressecção

Leonardo 24 anos M 10 anos Neurofibromatose

Sarcoma fusocelular

Quimioterapia Cirurgia ressecção Fonte: própria autora (2019).

Legenda: F-feminino; M-masculino Nota: foram utilizados nomes fictícios.

Quadro 2. Dados gerais das mães participantes da pesquisa (n=12). São Paulo, 2019. Identificação Idade Estado civil Classe social

(EBEP)

Benefício Loas

Mãe Paciente Bárbara 44 anos Casada B2 Não

Mãe Paciente Fátima 43 anos Casada C2 Não

Mãe Paciente Roberto 49 anos Viúva C1 Sim

Mãe Paciente Karen 42 anos Viúva C1 Sim

Mãe Paciente Larissa 42 anos Casada B2 Sim

Mãe Paciente Márcia 45 anos Viúva B1 Não

Mãe Paciente Sônia 51 anos Casada B2 Não

Mãe Paciente Beatriz 43 anos Separada C1 Sim

Mãe Paciente Ivete 43 anos Separada B2 Sim

Mãe Paciente Gabriela 42 anos Casada C1 Não

Mãe Paciente Bianca 43 anos Separada A Sim

Mãe Paciente Leonardo 65 anos Viúva B2 Não

Coleta de dados qualitativa: o instrumento utilizado foi a entrevista semiestruturada, composta de três momentos separados: primeiro momento, mãe e filho; segundo momento, somente a mãe; e terceiro momento, somente o adolescente. Todas as entrevistas foram gravadas e depois transcritas. Coleta de dados quantitativos: foi aplicado o Teste de Morisky, Green e Levine sobre a adesão ao uso de medicamentos (TMG).

A análise dos dados qualitativos foi realizada por meio do método psicanalítico a partir da escuta analítica. A construção das categorias ocorreu após a leitura das transcrições e a escuta dos áudios e foi embasada no referencial psicanalítico de Freud e Lacan. A análise de dados quantitativos foi realizada por meio de análise estatística.

O presente estudo foi submetido e aprovado sob o nº 1455/2016 e por meio do número CAAE 61290016.7.0000.5505 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (CEP/UNIFESP).

RESULTADOS

A partir dos dados obtidos com o teste que avalia a adesão medicamentosa (TMG), tanto a resposta dos adolescentes quanto a das mães em relação à adesão dos filhos foi igual. Somente dois adolescentes são aderentes o restante é não aderente.

A partir da análise das entrevistas, foram construídas dez categorias. Neste artigo apresentaremos três categorias: 1) sexualidade, inibição e dor; 2) amor e dor; e 3) difícil controle da dor: uma solução subjetiva inconsciente do sujeito diante do não reconhecimento do Outro.

Categoria 1 Sexualidade, inibição e dor

Para a psicanálise, apesar de a sexualidade estar presente desde a infância, a entrada na puberdade provoca no sujeito um novo despertar por meio de uma segunda onda libidinal que exigirá dele uma reatualização dos conflitos vividos na infância (GUTIERRA, 2014). Diante disso, a reestruturação vivida pelo adolescente pode gerar novos arranjos e sintomas. Freud (1914), a partir da teoria da libido, descreveu dois destinos possíveis de investimento libidinal, o eu/próprio corpo e os objetos externos, por exemplo, parceria amorosa, trabalho, amizade, entre outros.

Umas das saídas que os adolescentes encontram diante dos impasses relacionados à sexualidade é a inibição, uma manifestação corporal definida por Freud (1926) enquanto

Câncer Infantil e Dor Crônica: “Porque Dói Bem Menos Ser Criança | 83

limitação das funções do eu, sendo a sexual uma delas, por meio da predominância de libido no próprio corpo ao invés de investir em outros objetos externos (FARES, 2015).

De acordo com a perspectiva dessa categoria, entre os 24 participantes na pesquisa, dos 12 adolescentes, seis apresentaram, ao longo da entrevista, a posição subjetiva descrita nessa subcategoria: “A inibição enquanto resposta do adolescente frente ao impasse da sexualidade”. Entre as 12 mães, seis apresentaram a posição descrita nessa subcategoria: “Dificuldade da mãe de ver a sexualidade do filho”.

Quadro 3. Trechos de transcrições de entrevistas referentes à categoria 1.

Dificuldade da mãe de ver a sexualidade no filho A inibição enquanto resposta frente ao impasse da sexualidade

“Não consigo enxergar ela adolescente. Não quero que ela se apaixone. Sempre quis ter uma filha, para mim, ela era uma boneca, a única de uniforme rosa na escola, pedi para o secretário. A Drª faz tempo que mandou ela tomar hormônio para o seio crescer, não deixei. Não quero que ela tenha filhos porque ela é doente.”

(Mãe da paciente Ivete, 15 anos)

“Eu só brinco com as minhas bonecas. Não é que eu quero ser moça. Eu quero que meu corpo comece a mudar logo, todas as meninas da minha idade falam: “Ah, hoje eu estou de TPM”. “Será que isso é doce? Será que é comida?”. Então, se estão falando deve ser bom. Minha mãe fica brava, eu acho, de falar nesse assunto. Não sei se eu posso falar isso.”

(Paciente Ivete, 15 anos)

“Ela fica muito em casa, não sai, de vez em nunca sai.

Negócio de namorar, de ficar de amizadinha na rua,

ficar de bloquinho no meio da rua, nunca teve.” (Mãe da paciente Fátima, 21 anos)

“Adolescência eu não sei o que é, sei que é muito. Muita dor de cabeça. Porque sai, as vezes, não fala,

às vezes, a mãe liga e, às vezes, não atende, mas não

é o meu caso. O meu cunhado me chama de

encalhada.”

(Paciente Fátima, 24 anos). “Eu nunca pensei que ela pensava em algum

momento em namorar. Eu sempre pensei em sempre

estar do lado dela. Nunca pensei nela se afastar,

arrumar um namorado. Pelo problema dela, achei

que ela fosse depender de mim para tudo.” (Mãe da paciente Karen, 20 anos)

“Eu vivo na santidade, então eu não fico pensando

em namoro. Pra mim, o importante é a igreja. Porque

não é qualquer pessoa que pode se relacionar, existe o certo e a hora certa.”

(Paciente Karen, 20 anos)

Fonte: própria autora (2019)

Categoria 2 Dor e amor

Freud (1926) discorreu sobre três possibilidades de reação de defesa do eu diante da perda de objeto/separação: a dor, a angústia e o luto.

Para Freud (1926), a ausência da mãe para o bebê, apesar de necessária para a sua constituição psíquica, é experimentada com muito sofrimento por ele. No início, o bebê não consegue diferenciar um afastamento temporário que causa angústia de uma privação definitiva da mãe que causaria dor.

Um ponto fundamental da constituição do sujeito para a compreensão da relação entre dor e amor é o momento em que o filho percebe que a mãe pode estar presente e não o percebe. É a partir dessa experiência “de não se sentir visto mesmo na presença da mãe” que a associação entre a perda de amor e a perda de objeto é instaurada e uma das saídas possíveis para lidar é a dor (FREUD, 1926).

Quadro 4. Trechos de transcrições de entrevistas referentes à categoria 2.

Dor de perder Uma dor vivida a dois

“Mexeu ela ter perdido o neném, ela sentiu muita dor. Ela queria trazer o neném dentro de um saquinho. Quando namorava, tinha gravidez psicológica. Acho que ela ficou muito decepcionada com o pai dela. Ele andava com outra mulher, para cima e para baixo.

Ela ficou sumida de casa sete dias quando tinha 13 anos. Ela falou para mim: “Mãe, quando eu saí daqui,

eu fui para a linha do trem. Eu ia me jogar de lá”. Só

que, mesmo assim, não tomei a atitude que deveria ter tomado. Essa mulher me doeu muito mais do que

saber que ela estava com câncer. Eu falava: “B, a sua doença tem remédio para curar.”

(Mãe da paciente Bárbara, 24 anos).

“Eu tomava as dores da minha mãe. Fiquei três anos

sem falar com o meu pai. Até que ela falou: “Eu não quero ser uma mulher separada”. Ali foi o fim, porque tanta mulher que vive bem com os seus filhos, constrói sua vida. Uma vez a minha mãe jogou o celular na cara do meu pai. Ele foi pra cima dela. O meu irmão se jogou da sacada. Esse dia eu fiquei com muita dor. Outro dia meu pai bebeu umas, foi pra cima da gente, meu irmão pegou faca. Eu segurei meu pai por trás e

ele caiu por cima da minha perna. Fazia tempo que

eu não tinha dor, mas é que ele caiu em cima da minha perna. Parece que ela me vê como uma irmã mais velha, eu que tenho que fazer as coisas por ela e ela a mais nova.”

(Paciente Bárbara, 24 anos) “Acho que ela pulou muito rápido para a

adolescência. Com 14 anos ela já tinha escrito uma tese sobre mitologia grega de 500 páginas. No auge da doença eu e o pai dela separamos, foi ela que me deu força. Às vezes ela é a minha mãe, meu oráculo. Tenho medo da separação influenciar, de ela não conseguir namorar. Ela se fechou. Ela soube

transformar dor em amor.” (Mãe da Bianca, 21 anos)

“No começo foi um esforço para melhorar as coisas. Tentava animar os meus pais. Falava para a minha mãe sair depois da separação, aproveitar. Para ela não ficar dentro de casa triste, viver a vida dela e não ficar presa. Estou sempre sorrindo, as pessoas acham estranho. Muitas pessoas acham que eu finjo a doença.”

(Paciente Bianca, 21 anos)

“Acho que a dor fica mais intensa porque mudou

uma parte no corpo. É uma dor que ela vai guardar para o resto da vida, é uma sequela tanto para ela que é a proprietária quanto para a gente que é a mãe que sente.”

(Mãe da paciente Beatriz, 18 anos).

“Quando a gente é criança não tem dor de amar alguém, de se machucar com alguma amizade, dor de palavras. A gente é inocente, não está entendendo, mas, quando a gente passa a entender, tudo muda.

Porque dói bem menos ser criança. O meu maior

sonho é ele ter o prazer de estar comigo, não pelo meu

corpo, ou pelo cabelo, e sim pelo o que eu sou e não

pelo o que os outros falam, ou veem.” (Paciente Beatriz, 18 anos)

Câncer Infantil e Dor Crônica: “Porque Dói Bem Menos Ser Criança | 85

Categoria 3 Difícil controle da dor enquanto uma solução subjetiva inconsciente do adolescente diante da experiência de não reconhecimento do Outro materno

Nessa categoria, o difícil controle da dor crônica, assim como a não aderência dos pacientes aos tratamentos propostos, pode ser compreendido enquanto solução subjetiva inconsciente do sujeito, que revela algo sobre um sofrimento que ele não está conseguindo falar de outra forma que não seja por meio do corpo.

Quadro 5. Trechos de transcrições de entrevistas referentes à categoria 3.

Dor que causa impotência no Outro Demanda de reconhecimento do adolescente endereçada ao Outro

“Ah, ela sente muita dor, ela tem muita dor, só que ela não gosta de tomar remédio. Ela aguenta até o

máximo, quando ela vê que não, daí eu quero dar o

remédio e ela não quer. Eu fico muito triste de ver ela

com dor, eu fico muito triste.” (Mãe paciente Ivete, 15 anos)

“Eu comecei a chorar baixo, ela falou: “Lugar de você chorar não é na sala, não é pela casa, é no seu quarto.” Só que eu entro no meu quarto ela bate. Eu

também preciso chorar, mas ela não aceita.” (Paciente Ivete, 15 anos)

“Ele começa a sentir dor e não consegue pedir ajuda, não dá para entender essa dor, não tem lógica, aparece nos momentos mais alegres. Ele desmaia, fica indo e voltando de dor. Ele vareia, que nem a

gente conversou aqui, chega em casa ele não se lembra de nada. Acho que ele tem algum desvio da mente.”

(Mãe do paciente Roberto, 20 anos)

“Eu preferia ter algumas coisas do passado, ser liberal. Eu não tenho atitude, já tenho o não. A minha

mãe não me deixa sair, eu abaixo a minha bola. Para falar a verdade, nem interesse eu tenho, não estou nem aí para o que os médicos falam. Eu não faço nada

porque não posso sair. A minha mãe é tipo a minha secretária, resolve tudo para mim.”

(Paciente Roberto, 20 anos) “Essa semana ela relatou de novo que não queria

mais viver. Ela fala que é por causa da dor. Acho que

tem mais coisas. Você reparou que ela ficou de costas

para mim o tempo todo? Parecia que tinha ódio de

mim. Ela precisa cuidar mais da perna. Sentar com