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Experiência de Adoecer na Infância e Adolescência: Uma Leitura Psicanalítica dos

Resumo

O tratamento oncológico pode ser vivido por alguns pacientes e familiares como um evento traumático. Estudos com os sobreviventes de câncer infantil demonstram que o tratamento pode deixar marcas subjetivas tanto nos pacientes como em seus familiares. Essas marcas podem ser negativas, como sequelas pós-traumáticas, deficit cognitivos, desajustes; ou positivas, como crescimento pós-traumático (CPT) e resiliência. O que faz com que alguns pacientes, independentemente das perdas sofridas, apresentem uma posição mais preservada em relação ao adoecer e outros fiquem cristalizados no ser doente? Objetivo: construir, a partir do referencial psicanalítico, uma leitura dos fenômenos de CPT e resiliência. Método: pesquisa de tipo misto realizada em um hospital de oncologia pediátrica em duas etapas: 1) entrevistas semiestruturadas com 12 adolescentes em seguimento no ambulatório de dor de um hospital de oncologia pediátrica e com suas respectivas mães; e 2) aplicação da Escala de Avaliação da Maturidade para a Escolha Profissional (EMEP). As entrevistas foram analisadas por meio do método psicanalítico. Os dados quantitativos foram analisados por meio de análise estatística.

Resultados: A partir da análise das entrevistas foram construídas dez categorias. Neste artigo

apresentaremos quatro categorias: 1) “Atravessamento da atualização vivida na adolescência dos conflitos inerentes ao processo constitutivo de separação do Outro familiar”; 2) “A condição de supor a sustentação de um desejo próprio no futuro”; 3) “O entrecruzamento de posições: o olhar da mãe e o se fazer admirar da filha”; e 4) “O risco da posição de estagnação do sujeito no ser doente devido a uma idealização da experiência de adoecimento”. A partir da análise estatística, o nível da maturidade dos adolescentes em relação à escolha profissional foi médio (66,7%) no que diz respeito à sua escolaridade. Conclusões: a condição de desejar, com base no conceito psicanalítico de desejo, foi detectado nesta pesquisa como um fator de proteção na experiência de adoecimento.

Palavras-chave: Oncologia Pediátrica; Crescimento Pós-Traumático; Resiliência; Desejo e

Abstract

Oncologic treatment may be experienced by some patients and family members as a traumatic event. Studies with survivors of childhood cancer demonstrate that treatment may leave subjective marks in both patients and their families, these may be negative: post-traumatic sequelae, cognitive deficits, imbalances; or positive: posttraumatic growth (PTG) and resilience. What makes some patients, regardless of the losses suffered, have a more preserved position in relation to getting sick and others become crystallized in the sick person? Objective: to construct from the psychoanalytical framework a reading of the phenomena of PTG and resilience. Method: a mixed-type study performed in a pediatric oncology hospital in two stages: 1) Semi-structured interviews with twelve adolescents in a follow-up in the pain clinic of a pediatric oncology hospital and their respective mothers. 2) Application of the Maturity Evaluation Scale for Professional Choice. The interviews were analyzed through the psychoanalytic method. Quantitative data were analyzed by means of statistical analysis.

Results: From the analysis of the interviews, four categories were elaborated: 1) “Crossing of

the lived update in the adolescence of the conflicts inherent to the constitutive process of separation of the Other familiar”; 2) “The condition of assuming the support of a desire of its own in the future”; 3) “The interlocking of positions: the look of the mother and the admiration of her daughter”; 4) “The risk of the position of stagnation of the subject in being sick due to an idealization of the experience of illness”. From the statistical analysis, the level of adolescents' maturity relative to the professional choice was average (66.7%) with respect to their schooling. Conclusions: The desire condition based on the psychoanalytic concept of desire was detected in this research as a protective factor in the experience of illness.

Keywords: Pediatric Oncology, Post Traumatic Growth, Resilience, Desire and Psychoanalysis.

INTRODUÇÃO

Desde 1970, a taxa de cura do câncer infantil tem apresentado uma melhora significativa. O tratamento oncológico, entretanto, pode ser vivido por alguns pacientes e familiares como um evento traumático. Frente a isso, a preocupação com a saúde mental e a qualidade de vida dos sobreviventes tem assumido uma importância cada vez maior para as

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áreas de pesquisa e cuidado do orçamento em saúde e assistência social (CORMIO et al., 2015; FRIEND et al., 2018; VETSCH et al., 2018).

Estudos com os sobreviventes de câncer infantil demonstram que o tratamento pode deixar marcas subjetivas tanto nos pacientes como em seus familiares. Essas marcas podem ser negativas, como sequelas pós-traumáticas, deficit cognitivos, desajustes; ou positivas, como crescimento pós-traumático (CPT) e resiliência (MEDÍN, 2009).

Diante dos desafios impostos pelo tratamento oncológico, a resiliência e o CPT têm aparecido nas pesquisas como fatores de proteção e variáveis preditoras de saúde para desfechos psicossociais, apesar do debate existente sobre como definir e medir a resiliência. Instrumentos como a Escala de resiliência Connor-Davidson (CD-Risk) e Inventário de Crescimento Pós- Traumático (PTGI) são utilizados com o intuito de quantificar esses fenômenos (ROSENBERG et al., 2014; TOBIN et al., 2018; TREMOLADA et al., 2016).

Os conceitos de resiliência e CPT podem ser confundidos, mas resiliência está relacionada a uma qualidade da personalidade do indivíduo e CPT a uma melhora do funcionamento cognitivo do indivíduo a partir da vivência de situações adversas (FONSECA, 2011).

A resiliência é um conceito originário das ciências físicas. Seu uso no campo da saúde começou na década de 70 e corresponde à condição que a pessoa apresenta de lidar com perdas e situações difíceis ao longo da vida (SOUSA, CERVENY, 2006). “Propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação. Capacidade de superar, de se recuperar de adversidades” (Dicionário Aurélio). O CPT é definido como a capacidade de aprender e crescer diante de situações adversas (FONSECA, 2011).

Apesar de ser um termo bastante utilizado no campo da saúde, o conceito de resiliência ainda apresenta controvérsia significativa em relação à sua conceituação e ao uso do termo. Não existe uma definição universal adotada pela literatura científica na saúde (ABURN et al., 2016; TAN et al., 2018).

No campo da psicologia, a resiliência é descrita de diferentes maneiras: como um traço de personalidade e capacidade que faz com que as pessoas sejam invulneráveis; a capacidade de recuperação, admitindo-se a ideia de desenvolvimento de resiliência; um conjunto de manifestações de competências e habilidades individuais e resiliência familiar em que as redes de suporte social e as crenças socialmente construídas são levadas em consideração e o conceito ganha, assim, um caráter sistêmico e ecológico (SOUSA, CERVENY, 2006).

As propostas de promoção de resiliência mais comuns na área da saúde visam o fortalecimento dos traços positivos do indivíduo, com o intuito de promover a adaptação e o bem-estar por meio do desenvolvimento de melhores modelos de enfrentamento. As

características pessoais valorizadas por esses modelos são aspectos da esfera consciente que são mobilizados por meio de uma direção de tratamento que visa o fortalecimento do eu, por exemplo, o otimismo e a aceitação (MALTBY et al., 2017).

Há um risco de negligência em relação à complexidade do conceito de resiliência quando os aspectos psíquicos que preservam os indivíduos do seu meio ambiente e as suas idiossincrasias não são levados em consideração, ainda que seja considerado, por essas propostas, um processo multidimensional (LARANJEIRA, 2006).

Assim, modelos de tratamento a partir da perspectiva psicodinâmica são pouco explorados dentro do campo da resiliência e do crescimento pós-traumático (CABRAL, LEVANDOWISK, 2013). A psicanálise, a partir da primazia freudiana “o eu não é o senhor em sua própria casa”, provocou uma quebra epistemológica.

Freud (1895), a partir do conceito de aparelho psíquico, fez com que a consciência e seu controle, por meio da razão, passassem ao papel de coadjuvantes no funcionamento do psiquismo. A subjetividade passou a ser compreendida como uma realidade dividida em consciente e inconsciente (KOUTNÁ et al., 2017; TOREZAN, AGUIAR, 2011).

Este artigo é construído a partir da perspectiva psicanalítica de constituição do sujeito, embasada na posição subjetiva inconsciente dele em relação à demanda do Outro. A constituição subjetiva não é cronológica e, sim, lógica. A adolescência, a partir dessa perspectiva, é um tempo de (re)atualização de conflitos inerentes à relação do sujeito com o Outro, que são fundamentados nas marcas infantis (GUTIERRA, 2014; PACHECO, 2012).

Diante da experiência de adoecimento, o que faz com que alguns pacientes, independentemente das perdas sofridas, apresentem uma posição mais preservada em relação ao adoecer e outros fiquem cristalizados no ser doente? A partir da psicanálise, qual seria a leitura dos fenômenos de CPT e resiliência?

MÉTODO

O método misto foi utilizado neste estudo, bem como a tipologia “Triangulação”, que visa à corroboração dos métodos (CRESWELL, CLARK, 2013). A pesquisa em psicanálise, cujo paradigma é interpretativo, foi predominante e a integração dos dados ocorreu na discussão. Local: hospital de oncologia pediátrica. População: 24 participantes, 12 adolescentes com idade entre 15 e 24 anos e suas respectivas mães.

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Foram incluídos no estudo todos os pacientes que estavam em acompanhamento no ambulatório de dor, fora de tratamento quimioterápico no momento da coleta de dados, com escore mínimo de 80 na escala de Karnofsky7 e com um quadro de dor crônica há, no mínimo, seis meses. Foram excluídos do estudo os pacientes com comorbidades neurológicas e psiquiátricas. O critério de seleção da idade dos pacientes está de acordo com a definição da Organização das Nações Unidas (ONU), que estabelece os limites cronológicos da adolescência entre 15 e 24 anos (EISENSTEIN, 2005). Nesta pesquisa, usamos a definição de dor crônica com duração superior a seis meses, em conformidade com a orientação da International Association for the Study of Pain (IASP), para fins de pesquisa.

Quadro 1. Dados gerais dos adolescentes participantes da pesquisa (n=12). São Paulo, 2019 Nome Idade Sexo Idade

diagnóstico

Diagnóstico Tratamento

Bárbara 24 anos F 17 anos Osteossarcoma não metastático Quimioterapia Cirurgia endoprótese Fátima 21 anos F 18 anos Glioma de alto grau Quimioterapia

Radioterapia Cirurgia ressecção Roberto 20 anos M 9 anos Tumor miofibrilástico Ressecção cirúrgica Karen 20 anos F 7 anos Neurofibromatose tipo 1 Cirurgia ressecção Larissa 18 anos F 4 meses Neuroblastoma 3 paravertebral Radioterapia

Quimioterapia Ressecção tumoral Márcia 21 anos F 15 anos Meningioma grau II Cirurgia ressecção Sônia 22 anos F 11 anos Neurofibromatose e Glioma de

via ópticas bilateral

Quimioterapia Cirurgia ressecção Beatriz 18 anos F 16 anos Osteossarcoma

não metastático

Quimioterapia Cirurgia endoprótese Ivete 15 anos F 10 anos Craniofaringioma Cirurgia ressecção

Radioterapia

Gabriela 15 anos F 12 anos Osteossarcoma Quimioterapia

Cirurgia endoprótese Bianca 21 anos F 10 anos Síndrome de Dercum Quimioterapia

Cirurgia ressecção Leonardo 24 anos M 10 anos Neurofibromatose

Sarcoma fusocelular

Quimioterapia Cirurgia ressecção

Fonte: própria autora (2019).

Legenda: F-feminino; M- masculino Nota: foram utilizados nomes fictícios.

7 É uma escala que avalia desempenho e classifica os pacientes de acordo com grau das suas inaptidões ou deficiências funcionais. Quanto menor a classificação na escala, pior a expectativa de recuperação e retorno às atividades diárias (VESZ et al., 2013).

Quadro 2. Dados gerais das mães participantes da pesquisa (n=12). São Paulo, 2019 Identificação Idade Estado civil Classe social

(EBEP)

Benefício Loas

Mãe Paciente Bárbara 44 anos Casada B2 Não

Mãe Paciente Fátima 43 anos Casada C2 Não

Mãe Paciente Roberto 49 anos Viúva C1 Sim

Mãe Paciente Karen 42 anos Viúva C1 Sim

Mãe Paciente Larissa 42 anos Casada B2 Sim

Mãe Paciente Márcia 45 anos Viúva B1 Não

Mãe Paciente Sônia 51 anos Casada B2 Não

Mãe Paciente Beatriz 43 anos Separada C1 Sim

Mãe Paciente Ivete 43 anos Separada B2 Sim

Mãe Paciente Gabriela 42 anos Casada C1 Não

Mãe Paciente Bianca 43 anos Separada A Sim

Mãe Paciente Leonardo 65 anos Viúva B2 Não

Fonte: própria autora (2019)

Nota: foram utilizados nomes fictícios.

Coleta de dados qualitativa: O instrumento utilizado foi a entrevista semiestruturada composta de três momentos separados: primeiro momento, mãe e filho; segundo momento somente a mãe; e terceiro momento, somente o adolescente. Todas as entrevistas foram gravadas e depois transcritas. Coleta de dados quantitativos: foi aplicada a Escala de Maturidade para a Escola Profissional (EMEP) somente aos adolescentes.

A análise dos dados qualitativos foi realizada por meio do método psicanalítico a partir da escuta analítica. A construção das categorias ocorreu após a leitura das transcrições e a escuta dos áudios e foi embasada no referencial psicanalítico de Freud e Lacan. A análise de dados quantitativos foi realizada por meio de análise estatística.

O presente estudo foi submetido e aprovado sob o nº 1455/2016 e por meio do número CAAE 61290016.7.0000.5505 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (CEP/UNIFESP).

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RESULTADOS

A escala EMEP está organizada em cinco subescalas de habilidades relacionadas à maturidade para a escolha profissional: 1) Determinação, 2) Responsabilidade, 3) Independência, 4) Autoconhecimento, 5) Conhecimento da realidade e o Total maturidade (NEIVA, 1999)

Para cada subescala, calcula-se a pontuação bruta que é convertida pelo nível escolar do sujeito. São sete níveis: 1) Muito superior; 2) Superior; 3) Médio superior; 4) Médio; 5) Médio inferior; 6) Inferior; 7) Muito inferior (NEIVA, 1999).

Gráfico 1. Avaliação da maturidade para a escolha profissional de adolescentes (EMEP) (2018)

Fonte: própria autora

A subescala que os adolescentes apresentaram melhor pontuação foi “Conhecimento da realidade” com 58,3% no nível médio; 8,3%, médio inferior; 16,7%, inferior; e 16,7%, muito inferior. A subescala que os jovens pontuaram menos foi “Responsabilidade” com 41,7% no nível médio inferior; 8,3%, médio; 33,3%, inferior, e 8,3%, muito inferior. Com relação ao total de maturidade para a escolha profissional, 66,7% estão no nível médio; 16,7%, inferior; 8,3%, médio inferior; e 8,3%, muito inferior.

A partir da análise das entrevistas, foram construídas dez categorias. Neste artigo apresentaremos quatro categorias: 1) atravessamento da atualização vivida na adolescência dos conflitos inerentes ao processo constitutivo de separação do Outro familiar; 2) condição de supor a sustentação de um desejo próprio no futuro; 3) entrecruzamento de posições: o olhar da

mãe e o se fazer admirar da filha; 4) risco da posição de estagnação do sujeito no ser doente devido a uma idealização da experiência de adoecimento.

Categoria 1 Atravessamento da atualização vivida na adolescência dos conflitos inerentes ao processo constitutivo de separação do Outro familiar

Freud e Lacan não escreveram especificamente sobre a adolescência. Ambos destacaram a puberdade como um período que exige mudanças psíquicas importantes, somada as demandas na esfera social de abrangência das relações sociais em paralelo com o processo de separação das figuras parentais (GUTIERRA, 2014). Para Freud, o ponto crucial é o desligamento da autoridade. No que diz respeito aos pais, é fundamental a abertura para um processo de luto8 do lugar idealizado que ocupavam para o filho (ALBERTI, 2009).

Com relação ao adolescente, é necessário coragem para iniciar uma aventura à medida que se depara com um vazio ao passo que irá fazer o luto do pai ideal9, traço que caracteriza a relação que tinha com os pais na infância (JULIEN, 2000). Apesar do sofrimento e da angústia gerados pela experiência de vazio ao longo do atravessamento apresentado anteriormente, é somente a partir dela que se abrirá espaço para novas identificações e relações que não ocorrerão para o sujeito sem impasses e embaraços (QUINET, 2012).

Considerando a perspectiva dessa categoria, entre os 24 participantes na pesquisa, dos 12 adolescentes, seis apresentaram a posição subjetiva descrita pela subcategoria: “O sujeito e os seus embaraços diante da aventura que é crescer”. Das 12 mães, seis apresentaram a posição descrita nesta subcategoria: “A condição da mãe de vivenciar a perda do lugar que ocupava para o filho”.

8 Luto é considerado um mecanismo de elaboração frente a uma perda de objeto. É um processo que ocorre ao longo de um determinado período, impondo ao sujeito um doloroso trabalho, mas necessário. Freud compara o luto à melancolia, explicando que o luto é um processo normal e esperado (FREUD, 1917).

9 É uma relação em que o pai é idealizado, visto sem falhas. Com o tempo, essa relação vai se transformando. Em relação à adolescência “Tempo de o sujeito se haver com a descoberta de que ‘há algo de podre no reino do pai’” (GUTIERRA, 2014).

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Quadro 1. A condição da mãe de vivenciar a perda do lugar que ocupava para o filho. “Eu vi o tanto que eu estava sendo egoísta com ela,

como eu empurrava a cadeira de rodas, eu fiquei muito feliz quando ela não precisou mais, mas, quando ela soltou a minha mão para atravessar a rua, nossa, doeu demais.”

(Mãe da paciente Bianca, 21 anos)

“Eu tenho curiosidade de morar sozinha. A minha mãe às vezes fala: “Você não me ama? Quer se livrar de mim?”. Depois ela percebe o drama e pede desculpas.”

(Paciente Bianca, 21 anos)

“O meu marido fala que eu coloco os filhos em uma redoma de vidro, para proteger eles. Eles têm que crescer, então, às vezes, eu deixo um pouquinho. É meio difícil, mas tem que deixar.”

(Mãe da paciente Gabriela, 15 anos)

“Às vezes a minha mãe se incomoda que eu fico lá embaixo, mas ela sabe que me faz bem. Ela também fica conversando com as amigas dela. É importante

essa convivência cada uma com gente da sua idade.” (Paciente Gabriela, 15 anos)

“Eu falo, minhas pernas são as pernas da Larissa, somos muito grudadas e agora eu fico falando: “Larissa, agora acho que vai ser difícil para mim, eu que vou ter que aprender a conviver sozinha. Porque ela vai ter um novo grupo de amigos, uma nova turma. Então, eu falo para ela: Vou tirar isso de letra.” (Mãe da paciente Larissa, 18 anos)

“Os meus pais me apoiam em tudo. Para eles, não tem difícil acesso. Às vezes, eles estão mais ansiosos que eu para tudo acontecer na minha vida do que eu. Eles sempre perguntam: “O que você quer fazer? Como posso te ajudar?”. Quero morar perto da minha família, mas sozinha.”

(Paciente Larissa, 18 anos)

Fonte: própria autora (2019)

Quadro 2. O adolescente e os seus embaraços diante da aventura que é crescer “Tenho receio em relação à Bianca na parte social.

Para ela se aproximar de alguém não é fácil. Nem pedir pizza ela pedia. Ela é muito comportada. Uma vez a diretora da escola falou: “A gente coloca algumas regras para serem quebradas, e a Bianca não quebra nenhuma, se eu colocar ela sentada o dia inteiro em um banco, ela vai fazer xixi nas calças, mas ela não vai sair.”

(Mãe da paciente Bianca, 21 anos)

“Eu fujo da realidade jogando. Eu sempre gostei muito de jogos, eu crio uma imersão dentro do jogo que vira a minha realidade. Não sei se isso é uma coisa muito certa para se fazer.”

(Paciente Bianca, 21 anos)

“Ela passava por muito preconceito, bullying. Fazia uma amizade. Eu dizia: “Ela faz acompanhamento médico, a pessoa se afastava”. Agora ela está namorando e sai com o namorado.”

(Mãe da paciente Sônia, 21 anos)

“Amigos eu não tenho, é difícil ter amigos da minha idade. Esse negócio de amizade não vira não. Quando eu estudava na escola ninguém conversava comigo direito, por causa dos meus problemas de saúde. Tinham nojo. Falavam que eu ia passar o meu problema de saúde para eles.”

(Paciente Sônia, 21 anos) “Ela está ficando adulta, mas ainda gosta muito de

brincar. Na maturidade dela o que eu vejo é que ela tem um pouco daquela mentalidade de criança. Não tem aquela maldade. Ela é muito calada, se não perguntar as coisas para ela, ela não conversa.” (Mãe da paciente Gabriela, 15 anos)

“Não paquero, morro de vergonha, eu travo, morro de vergonha porque menino gosta de olhar no nosso olho mesmo. Essa vergonha me atrapalha muito, mas eu não consigo tirar. Eu fico pensando: “O que será que eles estão pensando de mim?”. A timidez me atrapalha.”

(Paciente Gabriela, 15 anos)

Categoria 2 A condição de supor a sustentação de um desejo próprio no futuro

A posição desejante para Lacan está relacionada com “suportar”, ter algum contato com a experiência de vazio. O bebê, um tempo após o nascimento, à medida que a mãe consegue não estar presente o tempo todo (alternando entre presença e ausência) começará a se interrogar: “O que ela quer de mim? O que eu sou para ela?”. Um enigma a respeito do desejo da mãe é instaurado ao passo que a criança percebe que a mãe tem outros interesses para além dela. Para que a mãe consiga alternar entre presença e ausência para a criança, é fundamental que ela consiga se dividir entre as posições de mãe e mulher para que o funcionamento do desejo seja transmitido à geração seguinte (FARIA, 2017).

A condição de supor um desejo próprio nasce do consentimento tanto do filho quanto da mãe da impossibilidade de reciprocidade entre gerações, abrindo para ambos a possibilidade de busca de satisfação fora da família primária. “O filho não tem de dar em troca aos pais tanto amor quanto deles recebeu. Não, o amor desce de geração em geração, mas não remonta, caso