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Transitar doente e a dor crônica: laços e desenlaces entre adolescentes, familiares e instituição hospitalar

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Academic year: 2021

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MARIA TEREZA PIEDADE RABELO

TRANSITAR DOENTE E A DOR CRÔNICA: LAÇOS E DESENLACES ENTRE ADOLESCENTES, FAMILIARES E INSTITUIÇÃO HOSPITALAR

Dissertação apresentada à Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina para obtenção do título de Mestre em Ciências Aplicadas à Pediatria.

São Paulo 2019

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MARIA TEREZA PIEDADE RABELO

TRANSITAR DOENTE E A DOR CRÔNICA: LAÇOS E DESENLACES ENTRE ADOLESCENTES, FAMILIARES E INSTITUIÇÃO HOSPITALAR

Dissertação apresentada à Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina para obtenção do título de Mestre em Ciências Aplicadas à Pediatria.

Orientador: Prof. Dr. Claudio Arnaldo Len

Coorientadores: Profa. Dra. Mariana C. Schveitzer

Dra. Ana Laura Prates Pacheco Dra. Juliana Molina

São Paulo 2019

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MARIA TEREZA PIEDADE RABELO

TRANSITAR DOENTE E A DOR CRÔNICA: LAÇOS E DESENLACES ENTRE ADOLESCENTES, FAMILIARES E INSTITUIÇÃO HOSPITALAR

Dissertação apresentada à Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina para obtenção do título de Mestre em Ciências Aplicadas à Pediatria.

Aprovada em / /

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Antonio Sérgio Petrilli (UNIFESP)

Prof. Dr. Ivan Ramos Estevão (USP)

Profa. Dra. Michele Roman Faria ( UNICAMP)

Membro Suplente

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof. Dr. Claudio Arnaldo Len, por suas valiosas contribuições e pela viabilização desta dissertação.

Às minhas coorientadoras, Profa. Mariana Cabral Schveitzer, por seus ensinamentos e pela transmissão do amor à pesquisa; Profa. Ana Laura Prates Pacheco, pelo ensinamento da importância do rigor teórico e por sua fundamental presença no difícil processo de me autorizar; e Profa. Juliana Molina, pela cuidadosa orientação revestida de amizade.

Às amigas do Hospital e também de consultório Samara Ayoub, Clarissa Nars, Diene Garcia, Lívia Viana e Daniela Lara, obrigada pela parceria.

À coordenadora do serviço de psicologia do GRAACC, Renata Petrilli, pela transmissão da psicanálise em extensão. Sem o seu apoio, este trabalho não seria possível.

À Dra. Carlota Vitoria Blassioli de Moraes e à enfermeira Carolina Paula Jesus Kasa, pela parceria no cuidado dos pacientes do ambulatório de dor e pelo suporte e disponibilidade ao longo da realização da pesquisa.

Ao superintendente do Instituto de Oncologia Pediátrica, Prof. Dr. Sergio Petrilli, por sua ajuda profissional ao longo dos anos de trabalho no GRAACC.

Aos meus pais (in memoriam), por me transmitirem a responsabilidade permeada pelo ato de sonhar.

Aos meus irmãos, Di e Dri, por não me deixarem desamparada nos momentos mais difíceis.

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O Jovem Torless

A esposa do conselheiro da Corte Torless escondia atrás de um denso véu os olhos vermelhos de chorar. Estavam se despedindo, e era difícil permitir que seu único filho voltasse novamente por tanto tempo para junto de estranhos, sem que ela pudesse cuidar pessoalmente dele.

Essa decisão custara muitas lágrimas mais tarde. Pois, quase desde o momento em que o portão do internato se fechara irreversivelmente atrás dele, o pequeno Torless sofrera uma terrível e apaixonada saudades.

Pensava que fosse saudade de casa e dos pais. Mas, na verdade, era algo mais complexo e indefinido. Pois o “objeto” dessa saudade, a imagem dos pais, já nem estava contido nela. Refiro-me à imagem plástica de uma pessoa amada, não apenas fruto da memória, mas algo físico, que fala a todos os nossos sentidos e permanece guardado neles, de modo que nada fazemos sem sentir o outro do nosso lado, silencioso e invisível.

(...) no lugar deles crescia em seu interior uma dor ilimitada, uma saudade que o feria e atraía, pois suas chamas ardentes doíam e o deliciavam ao mesmo tempo.

O fim da saudade não trouxe a esperada satisfação, ao contrário, deixou na alma do jovem Torless um grande vazio.

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Resumo

Pacientes com o quadro estável de câncer infanto-juvenil, muitas vezes, apresentam dificuldades em seguir com o seu processo de transição para a vida adulta e, em alguns casos, um quadro de dor crônica se instala, o que dificulta ainda mais sua reinserção social. Objetivo

geral: compreender a experiência de adoecer na infância e juventude e seu impacto no processo

de transição da adolescência para a fase adulta e, também, investigar o lugar que a dor crônica pode ocupar na economia psíquica do adolescente e de sua família ao longo desse processo.

Método: Pesquisa do tipo mista. A coleta de dados foi organizada em três etapas: 1) entrevistas

semiestruturadas com 12 adolescentes em seguimento no ambulatório de dor de um hospital de oncologia pediátrica; 2) entrevistas semiestruturadas com as 12 mães dos adolescentes participantes da pesquisa; e 3) aplicação do Questionário de Avaliação do Preparo para a Transição (TRAQ); da Escala de Maturidade para a Escolha Profissional (EMEP); do Teste de Morisky, Green e Levine sobre adesão medicamentosa (TMG). A análise dos dados qualitativos foi realizada por meio do método psicanalítico a partir da escuta analítica, e análise dos dados quantitativos, por meio de análise estatística. A tipologia de método misto utilizada foi a “Triangulação”, que visa à corroboração de métodos de diferentes paradigmas. A pesquisa em psicanálise, cujo paradigma é interpretativo, é o método predominante, e a integração dos dados ocorreu no momento da discussão. Resultados e discussão: Dez categorias foram construídas e apresentadas juntamente com os dados dos questionários em três textos: 1) “Transitar doente: laços e desenlaces entre adolescentes, familiares e a instituição hospitalar”; 2) “Experiência de adoecer na infância e adolescência: uma leitura psicanalítica dos fenômenos de Crescimento pós-traumático e resiliência”; 3) “Sobreviventes de câncer infanto-juvenil e dor crônica: “‘Porque dói bem menos ser criança’”. Conclusões: A condição de desejar foi constatada nesta pesquisa enquanto um fator protetivo em relação ao adoecimento. Espera-se, com este estudo, que haja uma abertura para um diálogo entre campos diferentes do saber e que a psicanálise, a partir da especificidade de seu saber, consiga contribuir com um olhar menos patologizante do sofrimento humano para o fenômeno de adoecer na infância e adolescência

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Abstract

Patients with advanced childhood-cancer often present themselves in a tough process of transition to adulthood and in some cases a chronic pain picture appears of the which is even more difficult for their social reinsertion. Objectives: understand the experience of falling ill in childhood and youth and its impact on the process of transition from adolescence to adulthood, as well as to investigate the place that chronic pain can occupy in the psychic economy of adolescents and their families throughout this process. Method: Mixed type search. The data collection was organized in three stages: 1) Semi-structured interviews with twelve adolescents in a follow-up in the pain outpatient clinic of a pediatric oncology hospital; 2) Semi-structured interviews with the twelve mothers of adolescents participating in the research. 3) We’ve applied :The Transition Preparation Assessment Questionnaire (TRAQ); The Maturity Scale for Professional Choice (MSPC); The Morisky, Green and Levine test on drug adherence (TMG). Qualitative data analysis was performed using the psychoanalytic method from analytical listening and analysis of quantitative data by means of statistical analysis. The typology of mixed method used was the “Triangulation” that aims at the corroboration of methods of different paradigms. Research in psychoanalysis whose paradigm is interpretive is the predominant method, and the integration of data occurred at the time of the discussion.

Results and discussion: Ten categories were constructed and presented along with the

questionnaire data in three texts: 1) “Transit patient: ties and outcomes between adolescents, their families and the hospital institution” 2) “Experience of falling ill in childhood and adolescence: a psychoanalytic reading of the phenomena of posttraumatic growth and resilience”; 3) “Survivors of childhood -cancer and chronic pain:” Because it hurts a lot less to be a child”. Conclusions: The condition of desire was found in this research as a protective factor in relation to illness. It is hoped by this study to open a dialogue between different fields of knowledge and that psychoanalysis based on the specificity of their knowledge can contribute to the phenomenon of becoming sick in childhood and adolescence with a less pathological view of human suffering.

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Lista de quadros

Quadro 1. Principais diferenças entre a compreensão do sofrimento humano para a psicanálise e o saber biomédico ... 24

Quadro 2. Dados gerais dos adolescentes participantes da pesquisa (n=12), São Paulo, 2019 ....29

Quadro 3. Dados gerais das mães participantes da pesquisa (n=12). São Paulo, 2019 ... 30

Quadro 4. Quantidade de Entrevistas realizadas com cada Participante do Estudo. São Paulo, 2019... 31

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Lista de gráficos

Gráfico 1. Questionário de avaliação de habilidades para a transição da pediatria para o serviço de adultos (TRAQ) dados dos adolescentes ... 44

Gráfico 2. Questionário de avaliação de habilidades para a transição da pediatria para o serviço de adultos (TRAQ) dados das mães dos adolescentes ... 44

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Figura

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xi Sumário APRESENTAÇÃO ... 2 1 INTRODUÇÃO ... 5 1.1 Oncologia Pediátrica ... 5 1.1 O Processo de Transição ... 6 1.2 Dor Crônica... 7 2 OBJETIVOS ... 10 2.1 Objetivo Geral... 10 2.2 Objetivos Específicos ... 10 3 REFERENCIAL TEÓRICO ... 12

3.1 Constituição Subjetiva do Sujeito a Partir do Referencial Psicanalítico de Freud e Lacan: Um Breve Percurso ... 12

Adolescência Para a Psicanálise ... 17

Dor Para a Psicanálise ... 20

4 MÉTODO ... 26 Tipo de Estudo ... 26 Local ... 28 População ... 29 4.1 Coleta de Dados ... 30 4.2 Análise de Dados ... 32 4.3 Aspectos Éticos ... 33 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ... 36

5.1 Transitar Doente: Laços e Desenlaces entre os Adolescentes, suas Famílias e a Instituição Hospitalar ... 37

5.2 Experiência de Adoecer na Infância e Adolescência: Uma Leitura Psicanalítica dos Fenômenos de Crescimento Pós-Traumático e Resiliência ... 57

5.3 Câncer Infantil e Dor Crônica: “Porque Dói Bem Menos Ser Criança” ... 77

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 94

REFERÊNCIAS... 97

APÊNDICE ... 105

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APRESENTAÇÃO

A presente pesquisa tem por interesse compreender a experiência de adoecer na infância e juventude e o seu impacto no processo de transição da adolescência para a fase adulta e, também, investigar o lugar que a dor crônica pode ocupar na economia psíquica do adolescente e de sua família a partir do referencial psicanalítico de Freud e Lacan.

Muitos são os estudos que avaliam o impacto do adoecimento na esfera psicossocial dos jovens sobreviventes de câncer infantil, entretanto são poucos os estudos que se baseiam no referencial psicanalítico. Há uma tendência nas pesquisas em abordar o adoecimento como um evento traumático, sob um viés patologizante e dualista, no qual o câncer ou produz ganhos na esfera psicossocial, como o Crescimento Pós-Traumático (CPT) e resiliência, ou perdas, como o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), entre outros.

O interesse pelo tema surgiu a partir da prática clínica em um hospital de oncologia pediátrica, mais especificamente pelos pacientes com a doença estável, que desenvolvem um quadro de dor crônica e continuam sendo tratados pela equipe do ambulatório de dor do mesmo hospital. A maioria desses pacientes, mesmo com aval médico e com todo o encorajamento da equipe não consegue retomar suas vidas, permanecendo enlaçados ao hospital, às vezes em seguimento semanal.

Os pacientes do ambulatório de dor são encaminhados para o serviço de psicologia do hospital, que é formado por psicanalistas. A partir da escuta analítica desses pacientes, foi possível detectar uma problemática em relação à transição deles para a fase adulta, assim como uma dificuldade relacionada ao seu desenlace da instituição hospitalar, resultando em uma posição de “paralisação” em outros âmbitos de suas vidas, os quais se encontram fora do ambiente hospitalar.

Muitas vezes, esses pacientes são nomeados pela equipe de saúde como os mais complicados. É possível imaginar a dificuldade dos profissionais de saúde regidos pelos princípios da cura e bem-estar diante de pacientes que, no momento, não estão gravemente adoecidos fisicamente como antes, mas, por alguma razão, encontram-se enlaçados ao hospital, à sua rotina e à experiência de adoecer. Diante desse cenário, a equipe de saúde endereça perguntas a mim enquanto psicanalista: “Por que esse paciente é tão difícil? Por que há pacientes que seguem o que a gente pede e outros não? Isso é pra vocês, só Freud explica, né?”.

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Apresentação | 3

Um conflito instaurou-se para mim: como me fazer entender por outros campos de saber regidos por outros paradigmas sem perder minha identidade? A partir das minhas inquietações e das interrogações da equipe, foi construído um desenho de pesquisa que dialoga com a forma de produzir conhecimento em uma universidade tradicionalmente médica e a pesquisa em psicanálise. O presente trabalha visa, além da produção de conhecimento, dialogar com a área da saúde a partir do referencial psicanalítico.

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1 INTRODUÇÃO

1.1 Oncologia Pediátrica

Com o avanço da medicina, houve uma melhora significativa no tratamento de doenças, como o câncer infanto-juvenil, que, anteriormente, eram compreendidas como uma abreviação da vida. Diante disso, é cada vez mais necessário que uma equipe multiprofissional esteja no ambiente hospitalar com o intuito de amenizar a experiência de adoecimento.

O câncer em crianças e adolescentes (de 0 a 19 anos), em comparação com o câncer em adultos, é raro e costuma evoluir rapidamente, mas responde bem à quimioterapia. Os tumores pediátricos apresentam diferenças significativas e precisam ser estudados separadamente. Entre os tipos de câncer infanto-juvenis em todo o mundo, a leucemia é o mais comum na maioria desse público (de 25% a 35%) (Instituto Nacional do Câncer (INCA), 2016).

A estimativa para os anos 2018-2019, no Brasil, é de 420 mil casos novos de câncer, sendo 12.500 de crianças e adolescentes (INCA, 2018). Estima-se que, em 2019, nos Estados Unidos da América (EUA), haverá 1,762,450 casos novos de câncer, sendo 10.590 novos casos de câncer na infância e juventude (AMERICAN CANCER SOCIETY, 2019). No Brasil, o câncer infanto-juvenil já representa a primeira causa de morte (8% do total) em comparação com outras doenças (INCA, 2016).

O desenvolvimento do tratamento do câncer infantil nas últimas quatro décadas foi significativo. Hoje, em torno de 80% das crianças e adolescentes com câncer podem ser curados se diagnosticados precocemente e tratados em centros especializados (INCA, 2016). Apesar do grande avanço e da existência de melhores prognósticos, os pacientes sofrem com o aumento na incidência de efeitos colaterais e com a redução da qualidade de vida (ARPAWONG et al., 2013; KIM et al., 2018; QIAN LU et al., 2012).

Após o tratamento oncológico, os pacientes têm experimentado a incidência de muitos efeitos colaterais, como cardiotoxicidades, segunda neoplasia e problemas relacionados à saúde mental. Crianças que passaram pela experiência de uma doença crônica na infância são consideradas mais vulneráveis a desenvolverem problemas na esfera psicossocial (MICHEL, VETSCH, 2015; PINQUART, SHEN, 2011; SECINTI et al., 2017).

Por conta de sequelas e possíveis efeitos tardios do tratamento, os pacientes oncológicos, denominados pela literatura científica de “sobreviventes”, precisarão de cuidados

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em saúde especializados ao longo de suas vidas (HEIRS et al., 2012; SEEHUSEN et al., 2010; SIGNORELLI et al., 2017).

O tratamento oncológico pode deixar marcas também na esfera social (HOWARD et al., 2014). Muitos pacientes afastam-se da escola e, quando retornam, acabam se tornando alunos de inclusão, e a escola ainda não está preparada para auxiliar esses jovens (CARVALHO, 2014). Além das marcas no corpo, o tratamento pode deixar marcas mudas que dizem respeito ao aspecto subjetivo dos pacientes e familiares (MEDÍN, 2009).

Diante disso, é necessário um cuidado em relação aos aspectos subjetivos envolvidos ao longo do adoecimento para que cada vez mais os jovens consigam retomar suas vidas. Após o tratamento, a reinserção social dos pacientes vem sendo um desafio para a área da saúde.

1.2 O Processo de Transição

Compreender o impacto de adoecer na infância e juventude não é tema de investigação somente para a oncologia pediátrica. Em virtude do aumento da sobrevida de pacientes com doenças crônicas acometidas na infância e juventude, o engajamento dos jovens em relação ao autocuidado em saúde tem se tornado cada vez mais uma preocupação. Quando a transição da pediatria para os serviços de saúde adultos não é efetiva, há um aumento na taxa de morbidade e mortalidade (ANELLI et al., 2017a; BRUMFIELD, LANSBURY, 2004).

A Academia Americana de Pediatria (2002) publicou um consenso reforçando a necessidade e a importância da transição dos adolescentes com condições crônicas para a vida adulta, reiterando a função de apoio e facilitação das equipes de saúde ao longo desse processo. A transição da pediatria para o serviço de saúde de adultos tem sido descrita como um campo de pesquisa emergente. Medidas, como a criação de ambulatórios de transição, publicações de diretrizes, declarações e outras iniciativas, estão sendo tomadas pela comunidade científica com o intuito de minimizar o problema (FREY, VAN DER PAL, 2013).

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Introdução | 7

1.3 Dor Crônica

A dor é um dos principais motivos para a busca de cuidados de saúde por parte da população em geral. Seu controle é um direito do paciente e deve ser tratado como uma prioridade no âmbito de prestação e cuidado com a saúde (BARRETO et al., 2012; SANTOS, 2009).

A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP - INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR THE STUDY OF PAIN, 1994) a define como uma experiência sensorial, emocional e desagradável, relacionada a um dano tecidual real ou potencial, caracterizada como um fenômeno multidimensional e subjetivo. Seus mecanismos envolvem aspectos biológicos, emocionais, socioculturais e ambientais.

Há na literatura uma discussão importante a respeito do que difere uma dor aguda de uma dor crônica. Um dos critérios utilizados é o tempo de duração da dor. No entanto, esse critério por si só não é eficaz, pois, em muitos casos, uma análise mais criteriosa da dor, levando em consideração a sua fisiopatologia, é necessária (MERSKEY, 1994; SANTOS, 2009).

A dor crônica, em muitos casos, tem a etiologia incerta, se apresenta como uma dor de difícil controle com as terapêuticas convencionais (DELLAROZA et al., 2008) e pode ser considerada um problema de saúde pública contemporâneo, sendo uma das principais causas de incapacidade, licenças médicas, absenteísmo ao trabalho e aposentadoria por doença (RUVIARO, FILIPPIN et al., 2012).

Nos Estados Unidos, a dor crônica é a principal causa de incapacidade (WOLF, AKESSON, 2001). No Brasil a demanda para o tratamento da dor crônica é crescente o que justifica o Ministério da Saúde implantar no Serviço Único de Saúde (SUS), serviços especializados no tratamento da dor (QUEIROZ, 2012; SANTOS, 2009).

Nesta pesquisa, usamos a definição de dor crônica com duração superior a seis meses, em conformidade com a orientação da International Association for the Study of Pain (IASP - INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR THE STUDY OF PAIN, 1994) para fins de pesquisa.

A dor está presente em cerca de 50% dos pacientes com câncer em todos os estágios da doença e em 70% nos casos avançados (SILVA, ZAGO, 2001). A dor crônica também pode se configurar como um sintoma pós-tratamento, o que dificulta ainda mais a reinserção social dos sobreviventes (QIAN LU et al., 2012).

Nas situações em que a dor adquire o caráter crônico, perdendo, assim, a sua função de alerta ao organismo, pode-se chegar à incapacidade funcional, que pode levar, por exemplo, ao absenteísmo escolar, hiperutilização do sistema de saúde, entre outros. A literatura científica na

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área aponta para o risco de adolescentes com dores crônicas desenvolverem quadros de instabilidade emocional, atrasos na aquisição de autonomia, cristalização nas posições subjetivas de apatia e passividade e busca de ganhos secundários (CASTRO, PICCIANI, 2002; GAMEIRO, 2012).

No presente estudo, para a análise das entrevistas de adolescentes e de suas mães, foi utilizado o referencial psicanalítico de Freud e Lacan com o intuito de avançar diante de questionamentos, como: O que faz com que algumas pessoas atravessem a experiência de adoecer de forma mais preservada e outras não? É possível promover uma mudança em relação à posição do sujeito frente ao adoecimento?

O trabalho está dividido em quatro seções. A primeira seção apresenta uma breve explanação a respeito da constituição do sujeito, da adolescência e da dor a partir do referencial psicanalítico de Freud e Lacan. A segunda seção é composta pela descrição do método de pesquisa utilizado neste trabalho.

Na terceira seção, os resultados e a discussão são apresentados ao longo de três textos intitulados: “Transitar doente: laços e desenlaces entre adolescentes, familiarese a instituição hospitalar”; “Experiência de adoecer na infância e adolescência: uma leitura psicanalítica dos fenômenos de Crescimento pós-traumático e resiliência” e “Sobreviventes de câncer infanto-juvenil e dor crônica: “Porque dói bem menos ser criança”.

A quarta seção apresenta as considerações finais deste trabalho que visou compreender a experiência de adoecer na infância e juventude e o seu impacto no processo de transição da adolescência para a fase adulta e, também, investigar o lugar que a dor crônica pode ocupar na economia psíquica do adolescente e da sua família, assumindo como matriz o referencial psicanalítico de Freud e Lacan.

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2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Compreender a experiência de adoecer na infância e juventude e o seu impacto no processo de transição da adolescência para a fase adulta e, também, investigar o lugar que a dor crônica pode ocupar na economia psíquica do adolescente e da sua família.

2.2 Objetivos Específicos

- Avaliar o processo de transição da fase da adolescência para a fase adulta. - Avaliar a maturidade para a escolha profissional.

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3 REFERENCIAL TEÓRICO

Nesta seção, apresentaremos brevemente o referencial teórico psicanalítico que trata de questões relevantes para a compreensão deste trabalho, como a constituição subjetiva do sujeito, a adolescência e a dor.

3.1 Constituição Subjetiva do Sujeito a Partir do Referencial Psicanalítico de Freud e Lacan: Um Breve Percurso

Na tentativa de articular uma escrita psicanalítica que dialogue com outros campos de saber, é necessário primeiramente estabelecer a quebra epistemológica que a psicanálise gerou na concepção de homem (JORGE, 2017; KEHL, 2002).

Freud, ao dividir o funcionamento psíquico em sistemas consciente e inconsciente, produziu uma descentralização da consciência enquanto única instância psíquica detentora de saber. À medida que o saber psicanalítico sustenta a existência de um saber que o eu desconhece (o saber inconsciente), o qual determina os atos das pessoas, há a quebra no ideal humano de autocontrole por meio da razão (DOCKHORN, 2014).

Freud chegou a comparar sua descoberta do inconsciente com dois outros golpes desferidos pela ciência sobre o amor-próprio da humanidade: se Copérnico retirou a Terra do centro do universo e Darwin mostrou que o homem não está no centro da criação, a psicanálise, por sua vez, descentrou o homem de si mesmo ao mostrar que o eu não é senhor nem mesmo em sua própria casa (JORGE, 2017, p. 17).

A metodologia utilizada por Freud para construir a teoria psicanalítica foi sua prática clínica. O saber teórico formulado ocorreu sempre após fatos clínicos e passou por várias reformulações diante de novos impasses que se apresentaram para ele na clínica (ESTEVÃO, 2017).

Freud (1897), a partir da escuta clínica de seus pacientes, se deparou com uma repetição de histórias de abusos sexuais sofridos na infância. Diante disso, ele questionou se seria possível grande parte dos pais de Viena ser abusadores e concluiu que existia no núcleo de toda neurose uma lembrança de cunho sexual (JORGE, 2017).

Diante desse questionamento, a realidade factual das lembranças relatadas pelos seus pacientes perdeu espaço para o conceito de fantasia, e a teoria da sedução que vigorava até então foi abandonada. Por conta do fato de as lembranças de cunho sexual de seus pacientes

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Referencial Teórico | 13

terem acontecido na infância, Freud (1897) percebeu uma relação entre a manifestação da sexualidade no adulto e as lembranças infantis.

A fantasia passa a ser pensada não como uma “mentira”, mas como algo que tem efetiva realidade para o sujeito, como uma realidade psíquica. Além disso, o componente da sedução, “desmascarado”, aponta para um elemento provavelmente inusitado: há algo de sexual na infância (ESTEVÃO, 2017, p. 43).

No momento em que Freud descaracteriza a infância vista pela época como assexuada, ao afirmar que existe sexualidade infantil, e desvincula o ato sexual da ideia de reprodução, novos paradigmas foram construídos no que diz respeito à sexualidade humana (ROUDINESCO, 2000). Como afirma Freud (1905):

Devo acentuar, entretanto, que este trabalho se caracteriza não só por se basear inteiramente na pesquisa psicanalítica, como também por ser deliberadamente independente das descobertas da biologia. Preconceitos, quer derivados da biologia sexual genital, quer de determinadas espécies de animais, neste estudo que se preocupa com as funções sexuais dos seres humanos e que se tornou possível por meio da técnica da psicanálise de fato, meu objetivo tem sido mais o de descobrir em que medida a investigação psicológica pode esclarecer a biologia da vida sexual do homem (FREUD, 1905, p. 130).

A partir das lembranças da infância que surgiam nos relatos de seus pacientes apenas por meio de fragmentos, Freud (1915) desenvolveu o conceito de recalque enquanto um mecanismo de defesa que elimina da consciência representações “penosas” para o sujeito.

Diante disso, o infantil passa a ser considerado por Freud como um aspecto fundamental da fantasia. “O fundamento clínico da psicanálise é o conceito de neurose infantil como o lugar da Outra cena inconsciente, e que o psicanalista opera na direção de tratamento” (PACHECO, 2012).

Diante da predominância do aspecto infantil na sintomatologia apresentada pelos seus pacientes, o papel dos pais na constituição subjetiva tornou-se tema de investigação psicanalítica. A construção do conceito de Complexo de Édipo, além de proporcionar uma leitura do lugar dos pais na constituição do sujeito, ampliou para a categoria universal o Édipo a partir do recurso à cultura utilizado pelo Freud (ESTEVÃO, 2017).

Freud expõe em seguida sua analogia desses fatos com o mito de Édipo da Antiguidade clássica e faz novamente referência à sua possível universalidade: como uma história escrita há tanto tempo pode comover ainda hoje? Somente porque ela é a realização dos nossos mais profundos desejos (ESTEVÃO, 2017, p. 47).

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O aspecto universal do Édipo fez com que a psicanálise produzisse um conhecimento sobre a condição humana. Outro paradigma é construído pela psicanálise ao passo que ela aproxima as noções de normal e patológico em relação aos processos mentais (ROZA, 2008b). Lacan (1957-1958), ao fazer uma releitura dos textos freudianos, lançou mão de outros saberes como o estruturalismo, a matemática, linguística, entre outros, e extraiu uma estrutura simbólica que orienta a construção do desejo humano. A leitura lacaniana radicaliza a desnaturalização da sexualidade humana pelo efeito do funcionamento da linguagem e os seus efeitos no desejo humano.

O lugar dos pais na leitura lacaniana foi traduzido enquanto funções estruturais materna e paterna, ampliando-as para além das configurações familiares que dão à estrutura simbólica o seu suporte. Essa mudança na leitura ajuda a evitar possíveis erros de interpretação dos textos psicanalíticos como, por exemplo inferir que tudo é culpa dos pais (FARIA, 2017).

Lacan construiu o conceito de Outro enquanto o discurso do inconsciente, tesouro dos significantes1. A ênfase desse conceito está no efeito do funcionamento próprio da linguagem no homem.

Para todo ser humano, o Outro é o tesouro dos significantes e, como tal, é prévio ao sujeito, é anterior ao nascimento. Antes de vir ao mundo já lhe dão um nome, um sexo, um time de futebol, uma profissão; ele já nasce em uma determinada classe social com seus valores e preconceitos e num país com sua cultura e sua língua – tudo isto constituirá o Outro para ele. Para a criança esse lugar do Outro é ocupado inicialmente pela mãe (QUINET, 2012, p. 27-28).

Para uma melhor compreensão do lugar do Outro encarnado inicialmente pela pessoa que exerce a função materna, é necessária uma breve explanação sobre a constituição do sujeito a partir da leitura lacaniana do Complexo de Édipo.

Para Lacan (1957-1958), a essência do Édipo está relacionada à transmissão de uma falta constitutiva do sujeito, que é veiculada pela função paterna. Primeiro, o Outro encarnado pela mãe é onipotente à medida que, com o seu saber, consegue nomear o que acontece ao filho. Nesse momento, existe uma ilusão de completude. “(...) essa lógica do primeiro tempo aprisiona

1 Saussure, por meio do estudo da linguística, rompeu com certas tradições de pensamento, em particular, com a concepção que nos faz pensar naturalmente a unidade linguística como a associação de um termo a uma coisa. O signo linguístico une um conceito e uma imagem acústica, uma representação. O conceito é nomeado por significado, e a imagem acústica, por significante. Lacan explora a linguística no sentido da autonomia do significante em relação ao significado (DOR, 2008).

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Referencial Teórico | 15

a criança à significação dada pelo Outro, colocando-a em uma posição de assujeitamento” (FARIA, 2017).

É importante destacar que, apesar do Lacan dividir o Édipo em três tempos, trata-se de tempos lógicos e não cronológicos. À medida que a ausência da mãe começa a ser subjetivada pela criança no segundo tempo, uma falta no Outro que, antes era visto pela criança como onipotente, é transmitida. O bebê começa a se perguntar a respeito do desejo da mãe: “O que será que ela quer de mim? O que sou eu para ela?”. A transmissão da falta no Outro é considerada um momento nodal na constituição subjetiva da criança ao passo que ela começa a perceber a mãe como desejante (FARIA, 2017).

Além disso, a ausência materna é o que oferece à criança a condição fundamental de inserção no campo simbólico, pois a simbolização implica lidar com a presença na ausência, com uma representação quando o objeto falta. Na medida em que a mãe pode estar ou não presente, a criança adquire condição de simbolizá-la (FARIA, 2017, p. 71).

A entrada do pai enquanto função introduz uma interdição na relação mãe e filho aparentemente dual, o pai enquanto função é a instância que priva a mãe e a criança da ilusão de completude. O pai não necessariamente é o pai da criança. Para a função paterna operar, é necessário que haja desejo na mãe para além da criança, como trabalho, projeto, entre outros investimentos.

No primeiro tempo do Complexo de Édipo, a criança está presa em uma posição de ser o objeto que falta à mãe. No segundo tempo, com a entrada do pai, elemento que causará desejo na mãe para além do filho, a dimensão da falta na mãe é introduzida, mas é no terceiro e último tempo que o pai se transforma de privador onipotente, portanto único detentor do objeto que causa desejo na mãe ao que tem e que pode doar, a lei do desejo é transmitida. “Essa saída é favorável na medida em que a identificação com o pai é feita” (LACAN, 1957-1958).

A criança sai da lógica de ser o objeto que completa o Outro para ter o objeto de desejo, entrando assim para o mundo das trocas simbólicas. “O objeto que faz do pai doador é esse objeto que, podendo circular, pode ser dado tanto à mãe, como à criança” (FARIA, 2017).

Essa lei não precisa ser transmitida necessariamente pelo pai, genitor. Trata-se de um significante que representa para a mãe a lei que proíbe que ela possa usar a criança como seu objeto, e, para a criança, que a mãe está submetida a uma lei que a ultrapassa (QUINET, 2012, p. 28).

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Para a compreensão do presente estudo, o ponto chave desse percurso teórico é a mudança para a criança de um Outro onipotente do primeiro tempo que tudo sabe sobre ela e que se encontra assujeitada, para um Outro desejante. A percepção da criança em relação ao pai também muda à medida que se transforma, no segundo tempo, de privador onipotente a doador, no terceiro tempo, aquele que tem e pode dar.

Essa articulação é importante porque retira a criança da posição de objeto na relação com o Outro e a inscreve no campo do desejo. “O essencial é que a mãe funde o pai como mediador daquilo que está para além dela e de seu capricho, ou seja, pura e simplesmente, a lei como tal” (LACAN, 1957-1958).

Faria (2017) ressalta a necessidade de a mãe realizar um “recuo ativo” por meio de uma retificação da sua posição de onipotência inicial em relação ao filho. Uma posição que permite a mãe responder aos apelos da criança, no entanto comece a se perguntar: “se ele não aceitou isso, o que será que ele quer?”. Essa retificação só é possível à medida que a mãe aceita que é impossível saber tudo sobre o corpo do outro. “É um ‘recuo ativo’, que implica responder à demanda em uma certa medida, mas também supor sua impossibilidade de fazê-lo completamente” (FARIA, 2017).

O complexo de Édipo transmite uma essência estrutural do desejo humano que nasce da impossibilidade de completude. A falta constitutiva que marcou os pais é transmitida à próxima geração e assim sucessivamente.

A teoria lacaniana, assim como a Freudiana, passou por reformulações conceituais ao longo da sua obra ao passo que novos desafios clínicos surgiram. No entanto, uma reformulação teórica não invalida a anterior.

Nos anos 60, Lacan retoma o tema da constituição do sujeito agora a partir de duas operações lógicas de causalidade do sujeito: a alienação e a separação. Desde o nascimento, a criança se vê obrigada a fazer uso da linguagem para se tornar humana, essa escolha “forçada” é a alienação (LACAN, 1964).

Portanto, no conceito de alienação postulado por Lacan, é possível entender a criança, de certa forma, como tendo escolhido a sujeição a linguagem, como tendo concordado em expressar suas necessidades através de um meio distorcido ou da camisa-de-força da linguagem e como tendo permitido ser representada por palavras (FINK, 1998, p. 72).

A anterioridade da linguagem em relação ao sujeito produz uma perda ao sujeito irremediável. O bebê, para adentrar no mundo dos homens, precisará se alienar ao Outro, e o

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seu ser ficará marcado para sempre pelas nomeações recebidas e as histórias das linhagens anteriores a ele.

O que faz com que o sujeito se distancie um pouco da alienação à linguagem é o desejo. A segunda operação, a separação, é pautada no desejo. É na medida em que a criança reconhece a falta no Outro enquanto representante da linguagem que ela começa a interrogar o seu saber. As duas operações são concomitantes e não cronológicas. “Esse que me determina, me nomeia, me confere atributos inscritos no meu inconsciente, não tem o significante que nomeia o meu ser” (QUINET, 2012).

Portanto, para que o sujeito consiga aparecer, é necessário que ele consiga minimamente lidar com a falta no Outro, o que a psicanálise nomeia de castração. Caso não aconteça, o sujeito pode ficar preso em uma relação cujo traço pode ser de idealização do Outro na vertente da onipotência, e o efeito no sujeito é de apagamento, sem condições de desejar.

3.2 Adolescência Para a Psicanálise

A adolescência é o período de transição entre a infância e a vida adulta e costuma ser caracterizada pela chegada da puberdade e pelo processo de profissionalização. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os limites cronológicos da adolescência estão entre 10 e 19 anos; já pela Organização das Nações Unidas (ONU), entre 15 e 24 anos. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define como criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e considera a adolescência como a faixa etária de 12 a 18 anos de idade (EISENSTEIN, 2005).

Para ampliar a reflexão a respeito dos processos de transição ao longo da vida, é necessário antes contextualizar que as demarcações cronológicas, como a adolescência e a infância, enquanto fases de desenvolvimento, são invenções ocidentais que sofreram grande influência dos saberes normativos da psicologia e pedagogia (GUTIERRA, 2014; PACHECO, 2012).

A “criança” enquanto objeto de estudo da medicina, da pedagogia, da psicologia, do direito etc., não existe a priori como um dado da realidade; antes, trata-se de uma construção criada ao longo das transformações socio-históricas e econômicas que foram se dando no mundo ocidental a partir da Idade Média (PACHECO, 2012, p. 43).

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Para as sociedades mais antigas como a Grécia e Roma, a passagem da criança para a vida adulta acontecia através de rituais de iniciação e período de preparação, que incluíam solenidades de caráter purificatório e ritos da iniciação, que significavam a morte da vida irresponsável da infância e a ressurreição para a vida de deveres e responsabilidades de adultos (CAMPOS, 2014).

Na antiga Pérsia, a entrada na puberdade era vivida por meio de uma cerimônia, em que os jovens recebiam o "cinto da virilidade". Na Roma Antiga, os jovens trocavam a sua túnica com uma franja colorida (toga pretexta) por outra completamente branca (toga virilis) (SANTOS, 1966). O sistema educacional e os treinamentos visavam “a educação para a sociedade, ou seja, a sociedade é considerada a continuidade das pessoas, todos agem em função da continuidade da cultura da qual fazem parte” (CAMPOS, 2014).

Diferentemente dos povos antigos nos quais a sociedade era regida em busca da coletividade, na modernidade o indivíduo constitui o valor supremo da própria vida. A sociedade moderna é marcada pela busca da felicidade e existe uma ilusão de uma diversidade de opções de escolha do que o indivíduo pode fazer (ALBERTI, 2009).

Se os ritos, por sua vez, ofertavam ao sujeito uma direção única, mas reconhecida por toda a comunidade, a modernidade, por outro lado, apresenta uma certa dispersão ligada à cultura do consumo, inserindo o jovem nesse banho imaginário, no qual ele muitas vezes se perde (GUTIERRA, 2014, p. 23-24).

A psicanálise, ao trabalhar com os conceitos de constituição do sujeito a partir de uma leitura lógica, supõe outra temporalidade. Tanto na escuta clínica de crianças quanto de adolescentes a direção de tratamento visa o sujeito do inconsciente em relação à sua posição subjetiva diante da demanda do Outro (FARIA, 2017; GUTIERRA, 2014; PACHECO, 2012).

Muito mais do que um simples desenvolvimento maturacional do corpo biológico, a emergência das chamadas fases oral, anal e genital, é produto de sua inscrição no simbólico, na linguagem e no mundo da sociedade e da cultura; uma demanda que chega à criança por meio de uma solicitação das figuras paternas. O corpo está, desde sempre, subordinado às demandas do Outro (CAMPOS, 2014, p. 112).

O diagnóstico clínico para a psicanálise lacaniana é estrutural e está relacionado à forma como o sujeito se posiciona frente à falta no Outro, ou seja, a castração que é constitutiva. São três estruturas clínicas: neurose, psicose e perversão (LACAN, 1957-1958). Vale ressaltar, a título de esclarecimento, que o diagnóstico para a psicanálise é um norteador na direção de tratamento; o paciente não tem acesso a ele.

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O presente trabalho ocupou-se apenas da constituição subjetiva na estrutura neurótica e está de acordo com a leitura lacaniana que sustenta que a estrutura do sujeito é decidida por meio de uma antecipação no seu encontro com a linguagem. O que ocorre com a passagem do tempo é a exploração da estrutura (clínica) pelo sujeito a partir da sua posição frente à demanda na relação com o Outro (GUTIERRA, 2014; PACHECO, 2012).

O sujeito neurótico toma a falta do Outro enquanto uma demanda endereçada a ele. O sujeito diante dessa falta se pergunta: “O que o Outro quer de mim?” e, a partir dessa experiência, constrói no plano da fantasia inconsciente um sentido para essa pergunta (PACHECO, 2007).

De acordo com a temporalidade particular à psicanálise, a adolescência comporta um tempo de (re)atualização de conflitos vividos na infância e não uma estruturação psíquica diferente. É um tempo de lidar com um real inominável, despertado pelas mudanças no corpo instauradas pela entrada na puberdade. Os ideais estão em plena (re)construção (ALBERTI 2009; GUTIERRA, 2014).

Entendemos, contudo, que o cronológico da adolescência, ao recortar o lógico do sujeito, exige reformulações da relação do sujeito com o Outro, apesar de serem elas fundamentadas nas marcas infantis (GUTIERRA, 2014, p. 52).

Outro ponto que causa angústia ao adolescente é o encontro com a impossibilidade de complementariedade entre os sexos. A sexualidade até então vivida de forma autoerótica começará a ser vivida aos pares, e a lógica dos (des)encontros amorosos será vivenciada.

Se existe crise da adolescência, ela existe porque o sujeito humano é um sujeito em crise, e essa crise se dá pelo fato que, como diz Lacan, a sexualidade, muito antes de fazer sentido, faz furo no real. Na psicanálise de Freud e Lacan, a crise da adolescência se dá no encontro com o sexo, porém esse encontro é muito mais um desencontro do que uma tendência à harmonização (ALBERTI, 2009, p. 100).

Assim sendo, o presente trabalho discorda de uma visão que naturaliza a “crise na adolescência”, e um possível amadurecimento na idade adulta. Como vimos, Freud com a sua teoria sobre a sexualidade se afastou ao longo de sua obra de uma leitura biológica da sexualidade que tende a uma maturação genital e Lacan sustentou a impossibilidade de completude entre os sexos.

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3.3 Dor Para a Psicanálise

O estudo da dor esteve presente desde os primórdios da psicanálise. Uma breve explanação a respeito de diferentes momentos na obra de Freud em que ele fala da dor será abordada para a compreensão deste trabalho: economia psíquica, sintoma conversivo, a teoria da libido, angústia e luto.

3.3.1 Economia psíquica

Nos primeiros escritos de Freud, a dimensão da economia psíquica é um ponto chave para a compreensão da dor. O aparelho psíquico desenvolvido por Freud (1895) foi construído a partir de princípios da neurologia e são considerados em sua obra escritos pré-psicanalíticos (ROZA, 2008a).

Desde suas primeiras formulações teóricas, Freud é levado a conceber o aparato psíquico como um aparato de captura, de contenção, de transformação de algo que lhe chega a partir da exterioridade (exterioridade do aparato, bem entendido). Esse aparato pode ser pensado, em seu funcionamento, analogamente a uma usina hidrelétrica, isto é, a um grande aparato que captura, armazena e transforma a água de um rio gerando eletricidade (ROZA, 2008c, p. 33).

As condições de funcionamento do aparelho psíquico desenvolvido por Freud seguiam o princípio da inércia, ou seja, a capacidade de manter o equilíbrio. Esse aparelho era formado por três níveis de neurônios e duas fontes de estímulos, uma externa e outra interna, corporal. A dor foi descrita por meio de propriedades físicas e quantitativas. “A dor é conceituada como uma elevação das quantidades de excitações no aparelho psíquico” (MELO, 2013).

Freud (1895) nesse momento postula que a vida psíquica seria estruturada por duas vivências, a de satisfação, que busca a satisfação de desejos, e a vivência de dor, que visa evitar o desprazer. A dor passa a ser compreendida como a experiência que origina o mecanismo de defesa do aparelho e é compreendida como um aumento de tensão devido a grandes quantidades de energia que resultam em uma falha no escudo protetor do aparelho psíquico (MELO, 2013; PARABONI, 2010).

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3.3.2 O sintoma conversivo

Freud, durante os seus estudos, investigou quadros dolorosos juntamente com outros sintomas na esfera corporal sem causalidade orgânica aparente. Ao investigar esses sintomas, ele explorou a relação entre o psíquico e o somático e se indagou de que forma uma energia psíquica se transforma em somática (FREUD, 1905).

O sintoma, na esfera corporal sem uma causa orgânica aparente, é a expressão do que não se pode traduzir em palavras, pois é entendido enquanto uma formação de compromisso do sujeito frente ao conflito entre as exigências pulsionais (internas) e as exigências de renúncia feitas pela sociedade (externas) (SAFOUAN, 1989).

No caso da histeria, o mecanismo de conversão seria acionado pelo psiquismo para fazer escoar o afeto, tornando enfraquecida a representação penosa. Desta forma, ocorreria a transformação dessa energia psíquica em inervação somática (dores, anestesias, tiques, dentre outros sintomas somáticos (PARABONI, 2010, p. 21-22).

O conceito de pulsão é considerado fundamental por Freud. É um conceito que se situa na fronteira entre o psíquico e o somático e se caracteriza principalmente por ser proveniente de fontes de estímulos situadas no interior do corpo e ser uma fonte constante (ROZA, 2008c). Um caso atendido por Freud paradigmático para a compreensão da dor enquanto um sintoma conversivo é a paciente Elisabeth Von R. O raciocínio clínico do Freud em relação a esse caso foi construído em torno das concessões que a paciente escolheu fazer ao longo da sua vida para cuidar das pessoas, abrindo mão do seu desejo. A paciente chega para ser tratada por Freud com um quadro de dores que não melhorava com os tratamentos tradicionais.

Os sintomas histéricos de Elisabeth estavam ligados à sua devota dedicação com os cuidados aos pais enfermos. Essa condição comprometeu seriamente a vida amorosa e pessoal da paciente (MELO, 2013, p. 49).

Uma primeira lembrança da paciente que ela liga a uma primeira crise de dor foi uma noite em que escolheu deixar o pai enfermo para ir a um baile com um jovem rapaz. Quando Elisabeth retornou, seu pai havia piorado e decidiu naquela noite que seria a última vez que abandonaria os cuidados do pai.

Outra lembrança da paciente estava relacionada à caminhada que fizera ao lado do cunhado, em que pensara no contraste entre a sua solidão e a felicidade conjugal da sua irmã com ele. A sua irmã estava doente e Elisabeth havia pensado que, após a sua morte, o cunhado

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ficaria livre. “Diante desse conflito, dessa incompatibilidade, a representação erótica foi recalcada e o afeto ligado a ela serviu para intensificar a dor” (FARES, 2015).

Freud (1905), ao relatar outro caso clínico de histeria, apresenta outro conceito relacionado à tensão entre o psíquico e o somático, a “complacência somática”. Freud esclarece que, no sintoma histérico, é necessária a participação das duas esferas, psíquico e somático, e que o sintoma não ocorrerá se não houver certa complacência somática.

Até onde posso ver, todo sintoma histérico requer a participação de ambos os lados. Não pode ocorrer sem a presença de uma certa complacência somática fornecida por algum processo normal ou patológico no interior de um órgão do corpo ou com ele relacionado” (FREUD, 1905, p. 47).

Vale ressaltar que o recorte trazido neste trabalho da paciente Elizabeth e seu conflito: em um primeiro momento, “abandonar” o pai enfermo e amar outro homem e, depois, desejar o marido da irmã doente é carregado de uma intensidade talvez um pouco distante da realidade atual. Elisabeth vivia na época vitoriana em que era comum uma forte repressão à sexualidade das mulheres.

3.3.3 A teoria da libido

Freud (1914) apresenta uma teoria sobre a mobilidade libidinal entre o eu/corpo e objetos externos ao eu, que é necessária para a compreensão da dor. Freud explica que, na origem da constituição subjetiva, o eu é um objeto privilegiado de investimento libidinal, esse momento é nomeado “narcisismo primário”. Depois, ocorre uma transformação da libido narcísica em libido objetal por meio do investimento libidinal em objetos externos ao eu. E narcisismo secundário é o retorno do investimento no eu após ter investido em objetos externos (ROZA, 2008a).

A experiência de dor e o adoecimento aparecem nesse momento da obra freudiana como ilustrativa do retorno da libido ao próprio corpo. “Aceito como coisa natural que uma pessoa atormentada por dor e mal-estar orgânico deixa de se interessar por coisas do mundo externo, na medida em que não dizem respeito a seu sofrimento” (FREUD, 1914).

A libido é concebida por Freud enquanto uma força suscetível de variações quantitativas no domínio da excitação sexual e equivale a libido à pulsão sexual. Freud (1916-1917) exemplifica como a doença pode ocupar um lugar na economia libidinal e alertou sobre o risco da possibilidade de ganho secundário com a doença, que ocorre quando o sujeito acaba

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padecendo de uma posição na vida da qual tira “vantagens” a partir do seu estado de adoecimento, podendo ficar preso no “ser doente,” com dificuldade de investir a libido fora de si mesmo.

3.3.4 Angústia e luto

Freud (1926) retoma a problemática da dor, diferenciando-a da angústia e do luto enquanto possíveis saídas frente à perda de objeto. A partir da observação da separação entre crianças e suas mães, Freud percebeu que as crianças não conseguiam diferenciar um afastamento temporário de uma ausência permanente e que o choro nesses momentos carrega a expressão de dor. “(...) a expressão de seu rosto e sua reação de chorar indicam que ela está também sentindo dor” (FREUD, 1926).

De acordo com Freud (1926), somente por volta dos dois anos que a criança conseguirá distinguir a perda do objeto que gera dor de um afastamento que pode causar angústia. “Essa questão só é colocada quando a criança percebe que o objeto, a mãe, pode estar presente sem notá-la. Esse segundo momento é determinante para o surgimento da angústia, pois associa a perda do amor ao objeto” (SILVA, 2014).

Minatti (2012), ao analisar um caso clínico, faz uma leitura do sintoma doloroso em que, assim como a leitura freudiana, há uma intersecção entre a angústia referente à separação e à dor, chegando a se confundir com ela e podendo se localizar em uma parte do corpo.

Como o caso de Ruth que, desde os três anos, época do nascimento de sua irmã, vai sendo puxada pela mão da mãe pelos corredores e ambulatórios do hospital, em busca de tratamento para a outra filha recém-nascida com problemas congênitos severos. Sobre Ruth, a mãe se lembra de que corria sem rumo e de que chorava incessantemente, aparentemente sem motivo e sem que a mãe se detivesse a pesquisá-lo. Até que um “dói aqui”, dito pela menina, deu-lhe lugar nessa mesma instituição. Agora, a mãe se ocupa de duas filhas. Aos sete anos, Ruth chegou ao psicanalista com o diagnóstico de fibromialgia (MINATTI, 2012, p. 830-831).

Freud (1926) cita outro exemplo relacionado à experiência de dor enquanto um sintoma entre as esferas psíquicas e somáticas que pode ser interpretado como uma forma de existir diante da vivência de não reconhecimento. Tomando emprestada a vinheta do caso Ruth, diante do não reconhecimento do Outro materno, a dor pode criar a experiência de corpo para o sujeito.

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Quando há dor física, ocorre um alto grau do que pode ser denominado de catexia narcísica do ponto doloroso. Essa catexia continua a aumentar e tende, por assim dizer, a esvaziar o ego. Sabe-se que, quando os órgãos internos nos transmitem dor, recebemos representações espaciais e outras representações de partes do corpo que de maneira comum não são absolutamente representadas em ideações conscientes (FREUD, 1926, p. 166).

A dor foi citada por Freud em outros momentos da sua obra; entretanto, desenvolvemos brevemente algumas passagens que orientaram a discussão do lugar que a dor crônica pode ocupar na economia psíquica de adolescentes e suas mães diante da experiência de adoecimento.

A fim de apresentar as principais diferenças de leitura sobre o sofrimento humano do saber biomédico e da psicanálise, apresentamos o quadro a seguir.

Quadro 1. Principais diferenças entre a compreensão do sofrimento humano para a psicanálise e o saber

biomédico

Categorias Saber biomédico Psicanálise

CONCEPÇÃO DE HOMEM Concepção de natureza do homem – saber regido pelo

instinto

Desnaturalização do homem devido ao atravessamento da linguagem – conceito de pulsão

SOFRIMENTO Sofrimento = transtorno (doença) algo a ser corrigido

Sofrimento inerente ao humano

PRINCÍPIO NORTEADOR Completude – ideal de felicidade

a ser conquistado

Falta constitutiva – castração

INSTÂNCIAS Eu soberano Inconsciente

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4 MÉTODO

Tipo de Estudo

Utilizamos nesta pesquisa o método misto. Cada vez mais, pesquisas com esse método têm sido realizadas na área da saúde com o objetivo de ampliar a perspectiva a respeito do objeto de estudo (CRESWELL, CLARK, 2013).

Desde a construção do projeto de pesquisa, a intenção de dialogar entre campos de saber com paradigmas diferentes estava presente. O método misto é uma estratégia metodológica que valoriza as diferenças de paradigmas desde que suas delimitações e diferenças estejam claras, possibilitando uma conversa entre campos de forma rigorosa e advertida das diferenças paradigmáticas. “Os métodos mistos proporcionam uma ponte entre a divisão às vezes antagônica entre os pesquisadores quantitativos e qualitativos” (CRESWELL, CLARK, 2013). O método exige delimitações, por exemplo, se um método será predominante em relação ao outro, o momento em que a integração dos dados ocorrerá, entre outras especificações que fazem com que não seja uma conversa “ingênua”. “Para que o uso de diferentes paradigmas aconteça em uma pesquisa de método misto, é necessário que a questão paradigmática de cada uma seja honrada e explicada” (CRESWELL, CLARK, 2013).

Com relação ao tema estudado neste trabalho, foram encontrados muitos estudos que partiram do paradigma positivista. Grande parte das pesquisas encontradas parte do pressuposto de que o adoecimento é um evento traumático, e os dados foram analisados e discutidos a partir do referencial da psicologia comportamental cognitiva. Na discussão dos dados, ou os jovens haviam amadurecido com a doença, apresentavam os fenômenos de CPT e resiliência ou haviam perdido habilidades e estavam sofrendo com o Transtorno de Estresse Pós-Traumático, entre outros deficit e desajustes. Mesmo as pesquisas qualitativas, muitas delas delimitaram suas categorias temáticas a partir desse mesmo referencial teórico (ARPAWONG et al., 2013; CORMIO et al., 2015; KOUTNÁ et al., 2017; TOBIN et al., 2018; TREMOLADA et al., 2016). A parte quantitativa desta pesquisa explora instrumentos relacionados ao seu objeto de estudo e ajuda na construção de um diálogo com os desenhos metodológicos predominantes na área.

A tipologia de método misto utilizada foi a “Triangulação”, que visa a convergência e a corroboração dos resultados de diferentes métodos (CRESWELL, CLARK, 2013; RUIZ, 2004; SOARES, CASTRO, 2012).

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Método | 27

No presente estudo, o método predominante é o psicanalítico cujo paradigma é interpretativo.

A psicanálise foi definida por Freud (1923) a partir de três eixos:

(...) (1) um procedimento para a investigação de processos psíquicos que são quase inacessíveis por qualquer outro modo; (2) um método [baseado nessa investigação] para o tratamento de distúrbios neurológicos, e (3) uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo dessas linhas, e que gradualmente se acumula numa nova disciplina científica (FREUD, 1923, p. 287).

A prerrogativa freudiana coloca no âmbito da pesquisa em psicanálise o tratamento, a investigação e a teoria juntos. Com isso, torna-se indissociável a pesquisa em psicanálise da intervenção. “A metodologia científica em psicanálise confunde-se com a própria pesquisa, ou seja, a psicanálise é uma pesquisa” (NOGUEIRA, 2004).

Diante da afirmativa freudiana e dos novos questionamentos endereçados ao saber psicanalítico, a pesquisa em psicanálise tem se tornado cada vez mais desafiadora ao psicanalista à medida que a tendência à patologização do funcionamento humano tem sido aderida pelo saber universitário, seduzido cada dia mais pelo ideal de generalização da subjetividade humana. “O maior desafio da criação de uma estratégia de pesquisa com o método psicanalítico refere-se à essencial manutenção da especificidade e do rigor que lhe são próprios” (DOCKHORN, 2014).

Diante disso, algumas diferenciações foram feitas pelo campo psicanalítico na tentativa de manter o rigor. Uma primeira diferenciação está relacionada entre uma pesquisa que se apoia no referencial psicanalítico ou toma a psicanálise enquanto objeto de pesquisa; não sendo necessário ser um psicanalista para conduzi-la, e a pesquisa conduzida a partir da escuta analítica pautada na dimensão inconsciente da fala, conduzida de forma imprescindível por um psicanalista (FIGUEIREDO, MINERBO, 2006; SAURET, 2003).

Outra diferenciação problematizada no campo da psicanálise diz respeito à pesquisa conduzida por psicanalistas que, em algumas situações, por não ser conduzida no setting tradicional da clínica, gera questionamentos quanto à sua factibilidade (DOCKHORN, 2014 FIGUEIREDO, MINERBO, 2006).

Diante desse questionamento, vale destacar que a pergunta de pesquisa do presente trabalho surgiu da prática clínica fora do setting terapêutico tradicional a partir da psicanálise em extensão praticada em um hospital de alta complexidade. O presente estudo, portanto, é norteado pelo conceito de psicanálise em extensão.

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Lacan (1967) dividiu a psicanálise em intenção, que seria os operadores clínicos, e a extensão que seria a psicanálise no mundo. A intenção funda a extensão, ou seja, os operadores clínicos são os mesmos, independentemente do local em que a psicanálise é praticada. Nessa lógica, o setting é construído a partir da ética da psicanálise e não pela delimitação física (FIOCHI, 2015).

O ponto central da questão metodológica (...) pode ser resumido como a necessária inclusão do sujeito em toda a sua extensão, em todos os seus níveis – saber teórico, prática clínica, atividade de pesquisa, etc. do campo da psicanálise (ALBERTI, ELIA, 2000, p. 23).

Diante disso, novos desenhos de pesquisa norteados pelos operadores clínicos da psicanálise em intensão, quais sejam, desejo do analista, ética da psicanálise e transferência, possibilitam uma liberdade maior em relação à pesquisa com o método psicanalítico desde que o rigor seja mantido (SAURET, 2003).

(...) todo ato de palavra que mobiliza um encontro entre um sujeito e um outro (quer o pesquisador seja o agente, o parceiro ou apenas testemunha da relação) é suscetível de uma avaliação com os elementos da estrutura. Este dispositivo, que pode ser o de uma entrevista clínica de pesquisa, apresenta suas cartas de nobreza com outro dispositivo refundado por Lacan: a apresentação clínica (...) Este dispositivo é, no fundo, apenas uma extrapolação das entrevistas preliminares a todo tratamento analítico (SAURET, 2003, p. 97).

Local

A pesquisa foi realizada no Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (GRAACC), (Instituto de Oncologia Pediátrica-IOP/GRAACC/UNIFESP), hospital de oncologia pediátrica localizado na cidade de São Paulo.

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Método | 29

População

Participaram da pesquisa um total de 24 participantes, sendo 12 adolescentes (Quadro 2), com idade entre 15 e 24 anos, de ambos os sexos, e as 12 respectivas mães (Quadro 3). Os critérios de inclusão utilizados foram: os pacientes deveriam estar em seguimento no ambulatório de dor do hospital de Oncologia pediátrica, com um quadro de dor crônica há pelo menos seis meses; estar fora de tratamento quimioterápico no momento da coleta de dados, com a doença estável e com escore mínimo de 80 na escala de Karnofsky2. Os critérios de exclusão utilizados foram: pacientes com comorbidades neurológicas e psiquiátricas, que impossibilitariam sua participação. O critério de seleção da idade dos pacientes está de acordo com a definição da Organização das Nações Unidas (ONU), no qual os limites cronológicos da adolescência estão entre 15 e 24 anos (EISENSTEIN, 2005). Nesta pesquisa, usamos a definição de dor crônica com duração superior a seis meses, em conformidade com a orientação da IASP para fins de pesquisa.

Quadro 2. Dados gerais dos adolescentes participantes da pesquisa (n=12), São Paulo, 2019 Nome Idade Sexo Idade

diagnóstico

Diagnóstico Tratamento

Bárbara 24 anos F 17 anos Osteossarcoma não metastático

Quimioterapia Cirurgia endoprótese Fátima 21 anos F 18 anos Glioma de alto grau Quimioterapia

Radioterapia Cirurgia Ressecção Roberto 20 anos M 9 anos Tumor de miofibrilástico Ressecção cirúrgica Karen 20 anos F 7 anos Neurofibromatose tipo 1 Cirurgia Ressecção Larissa 18 anos F 4 meses Neuroblastoma 3

paravertebral

Radioterapia Quimioterapia Ressecção Tumoral Márcia 21 anos F 15 anos Meningioma grau II Cirurgia Ressecção Sônia 22 anos F 11 anos Neurofibromatose e glioma

de via ópticas bilateral

Quimioterapia Cirurgia Ressecção Beatriz 18 anos F 16 anos Osteossarcoma não

metastático

Quimioterapia Cirurgia endoprótese Ivete 15 Anos F 10 anos Craniofaringioma Cirurgia Ressecção

Radioterapia Gabriela 15 anos F 12 anos Osteossarcoma Quimioterapia

Cirurgia endoprótese Bianca 21 anos F 10 anos Síndrome de Dercum Quimioterapia

Cirurgia Ressecção Leonardo 24 anos M 10 anos Neurofibromatose

Sarcoma fuso celular

Quimioterapia Cirurgia Ressecção

Fonte: própria autora (2019).

Legenda: F-feminino M-masculino. Nota: Foram utilizados nomes fictícios.

2 É uma escala que avalia desempenho, classifica os pacientes de acordo com grau de suas inaptidões ou deficiências funcionais. Quanto menor a classificação na escala, pior a expectativa de recuperação e retorno às atividades diárias (VESZ et al., 2013).

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Quadro 3. Dados gerais das mães participantes da pesquisa (n=12). São Paulo, 2019 Identificação Idade Estado civil Classe social

(EBEP)

Benefício Loas

Mãe Paciente Bárbara 44 anos Casada B2 Não

Mãe Paciente Fátima 43 anos Casada C2 Não

Mãe Paciente Roberto 49 anos Viúva C1 Sim

Mãe Paciente Karen 42 anos Viúva C1 Sim

Mãe Paciente Larissa 42 anos Casada B2 Sim

Mãe Paciente Márcia 45 anos Viúva B1 Não

Mãe Paciente Sônia 51 anos Casada B2 Não

Mãe Paciente Beatriz 43 anos Separada C1 Sim

Mãe Paciente Ivete 43 anos Separada B2 Sim

Mãe Paciente Gabriela 42 anos Casada C1 Não

Mãe Paciente Bianca 43 anos Separada A Sim

Mãe Paciente Leonardo 65 anos Viúva B2 Não

Fonte: própria autora (2019)

Nota: Foram utilizados nomes fictícios.

4.1 Coleta de Dados

4.1.1 Dados qualitativos

O instrumento utilizado no método psicanalítico foi a entrevista semiestruturada (Apêndice C). Na condução do processo, apesar da elaboração prévia das perguntas pelo analista, o percurso de fala escolhido pelo participante foi respeitado, assim como o campo transferencial, como ocorre em uma entrevista clínica preliminar ao tratamento psicanalítico. A transferência é a nomeação utilizada pela psicanálise para descrever a relação específica entre o paciente e o psicanalista. “A transferência apresenta-se como instrumento e método não restritos apenas à situação de análise” (ROSA, 2004).

A quantidade de entrevistas realizadas com cada paciente e o tempo de duração variaram de acordo com a demanda de fala de cada participante. É importante enfatizar que, apesar dessa variação, todas as perguntas da entrevista foram realizadas com todos. A entrevista foi composta de três momentos separados: primeiro momento, mãe e filho juntos; segundo momento, somente a mãe; e terceiro momento, somente o adolescente. Todas as entrevistas foram gravadas e, depois, transcritas.

(43)

Método | 31

A transferência não é exclusiva da situação de análise, tampouco a dimensão da demanda do Outro e a relação do sujeito com o saber:

(...) se constitui como um artefato de laço social e se caracteriza por uma dupla vertente: a primeira é a de mobilizar inegavelmente o sujeito em sua relação com o saber (discurso da ciência). A segunda se deve ao fato de qualquer aceitação, mas também recusa a participação em entrevistas de pesquisa, ou seja, qualquer reposta a uma oferta do encontro introduz o sujeito na dimensão da demanda no campo do Outro. Assim, por um lado será confrontada à demanda do investigador e, por outro, à interrogação sobre o que é seu desejo. Disso resulta uma atenção específica na qual se inscreve o processo de enunciação (GASPARD apud SILVA, 2014, p. 141).

Quadro 4. Quantidade de Entrevistas realizadas com cada Participante do Estudo. São Paulo, 2019

Nome Quantidade de

entrevistas

Nome Quantidade de

entrevistas

Bárbara 6 (seis) Mãe Bárbara 3 (três)

Fátima 2 (duas) Mãe Fátima 2 (duas)

Roberto 3 (três) Mãe Roberto 2 (duas)

Karen 2 (duas) Mãe Fátima 2 (duas)

Larissa 2 (duas) Mãe Larissa 2 (duas)

Márcia 2 (duas) Mãe Márcia 2 (duas)

Sônia 3 (três) Mãe Márcia 2 (duas)

Beatriz 3 (três) Mãe Beatriz 2 (duas)

Ivete 3 (três) Mãe Ivete 3 (três)

Gabriela 2 (duas) Mãe Gabriela 2 (duas)

Bianca 4 (quatro) Mãe Bianca 3 (três)

Leonardo 2 (duas) Mãe Bianca 3 (três)

Fonte: própria autora (2019)

Nota: Foram utilizados nomes fictícios.

4.1.2 Dados quantitativos

Todos os instrumentos utilizados são validados no Brasil. Foram utilizados os seguintes instrumentos: Escala de Maturidade para a Escolha Profissional (EMEP), Teste de Morisky, Green e Levine (TMG), Questionário de Avaliação do Preparo para a Transição (TRAQ).

Referências

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Ana Paula Maltauro Barddal é Cofundadora do CAIS - Centro de Ação Integrada em Sustentabilidade, nutricionista Especialista em Qualidade de Alimentos pelo CBES Curitiba PR e