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Transitar Doente: Laços e Desenlaces entre os Adolescentes, suas Famílias e a Instituição

Resumo

Por conta do tratamento oncológico, os sobreviventes ficam mais expostos a uma multiplicidade de riscos, tornando mais complexo o fornecimento de cuidados pós-hospitalares para esses pacientes, por exemplo, a transição deles para os serviços de adulto e a contrarreferência para os outros níveis de cuidado em saúde. Objetivo: compreender a experiência de transitar doente pelos processos de transição inerentes à vida, especialmente a travessia da adolescência para a fase adulta. Método: pesquisa de tipo misto realizada em um hospital de oncologia pediátrica em duas etapas: 1) entrevistas semiestruturadas com 12 adolescentes em seguimento no ambulatório de dor de um hospital de oncologia pediátrica e com suas respectivas mães; e 2) aplicação do Questionário de Avaliação do Preparo para a Transição (TRAQ). As entrevistas foram analisadas por meio do método psicanalítico. Os dados quantitativos foram analisados por meio de análise estatística. Resultados: a partir da análise das entrevistas, foram construídas dez categorias. Neste artigo apresentaremos três categorias: 1) inibição na atualização vivida na adolescência dos conflitos inerentes ao processo constitutivo de separação do Outro familiar; 2) dificuldade de supor a sustentação de um desejo próprio no futuro; e 3) o efeito de alienação nos sujeitos e em seus corpos produzida por meio da idealização da instituição hospitalar e do saber biomédico. A partir da análise estatística, a percepção dos adolescentes em relação ao seu preparo para a transição foi predominantemente o estágio da ação (50%); na percepção das mães, o estágio da preparação prevaleceu (41%). Conclusões: foi possível constatar em alguns pacientes uma problemática relacionada à separação deles em relação às suas mães, assim como um enlaçamento à instituição hospitalar e seu saber, ou seja, foi possível verificar a existência de uma demanda de cuidado anterior à transição de um serviço para outro.

Palavras-chave: Oncologia Pediátrica, Transição, Saber Biomédico, Psicanálise.

Abstract

Due to oncological treatment, survivors are more exposed to a multiplicity of risks, which makes the provision of post-hospital care for these patients more complex, such as their transition to adult services and the contraindication for the other levels of health care.

Objective: to understand the experience of transferring patients through the processes of

transition. Method: a mixed-type study performed in a pediatric oncology hospital in two stages: 1) Semi-structured interviews with twelve adolescents in a follow-up in the pain clinic of a pediatric oncology hospital and their respective mothers. 2) Application of the Transition Readiness Assessment Questionnaire (TRAQ). The interviews were analyzed through the psychoanalytic method. The quantitative data were analyzed by means of statistical analysis inherent to life, especially the crossing of adolescence into adulthood. Results: From the analysis of the interviews, three categories were constructed: 1) Inhibition in the lived updating in the adolescence of the conflicts inherent to the constitutive process of separation of the Other family; 2) Difficulty of assuming the support of a desire of its own in the future; 3) The effect of alienation on subjects and their bodies produced through the idealization of the hospital institution and biomedical knowledge. From the statistical analysis, the perception of the adolescents in relation to their preparation for the transition was predominant the stage of action (50%), in the perception of the mothers the stage of preparation prevailed (41%). Conclusions: It was possible to verify in some patients a problem related to the separation of them in relation to their mothers, as well as a link to the hospital and their knowledge, that is, it was possible to verify the existence of a demand for care prior to the transition of a service to another.

Keywords: Pediatric Oncology, Transition, Biomedical Knowledge, Psychoanalysis

INTRODUÇÃO

Os serviços de saúde ao redor do mundo preocupam-se cada vez mais com o processo de transição dos adolescentes3 com doenças crônicas, dos serviços de saúde pediátricos para os

serviços de saúde de adultos (ANELLI et al., 2017a; STRINGER et al., 2015). A Transição é considerada um processo multidimensional que visa promover no adolescente a sua autonomia em relação aos seus cuidados em saúde (BRUMFIELD, LANSBURY, 2004). Apesar dos diversos estudos a respeito do tema, os fatores facilitadores e as possíveis barreiras que podem

3 Ambos os termos adolescente e jovem são encontrados na literatura. Neste estudo, trabalharemos com a distinção apresentada por Mateus (2002), “o termo adolescência como mais comum no campo da psicanálise e da psicologia, que tem como foco a singularidade do sujeito (toma-se o indivíduo como ser psíquico, pautado pela realidade que constrói e por sua experiência subjetiva), ao passo que a noção de juventude é mais usada na sociologia e na história, que priorizam uma leitura do coletivo (como corpo social determinado pelo contexto do qual faz parte e que é resultado da história que o precede)” (MATHEUS, 2007, p. 83).

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atuar em um processo de transição satisfatório ainda estão em discussão (FREY, VAN DER PAL, 2013).

Jovens adultos com histórico de adoecimento na infância e adolescência podem apresentar importante declínio com os cuidados, como piora na adesão ao tratamento e até mesmo seu abandono, após a mudança para o serviço de adulto, configurando-se como um problema de saúde pública (ROSEN et al., 2003).

Em virtude do progresso realizado pela oncologia pediátrica, o número de pacientes denominados pela literatura científica de “sobreviventes” aumentou, e a transição desses pacientes da pediatria para os serviços de saúde de adultos tornou-se um problema de saúde. Os sobreviventes precisarão de cuidados especializados em saúde ao longo de suas vidas por conta das sequelas e do risco de desenvolver possíveis efeitos tardios. A multiplicidade de riscos e a potencial necessidade de cuidado clínico dessa população tornam mais complexo o fornecimento de cuidados pós-hospitalares durante a idade adulta em comparação a outras condições crônicas com início na infância (FREY, VAN DER PAL, 2013).

Diante da necessidade de cuidados após o tratamento e os desafios apresentados anteriormente, as clínicas denominadas de long-term follow-up foram criadas ao redor do mundo como uma das possíveis saídas frente à necessidade de cuidado especializado dos sobreviventes e às limitações da atenção primária em saúde. Outra medida discutida pela oncologia pediátrica é a instrumentalização dos médicos do sistema primário por meio da criação de guidelines, workbook, modelos de clínicas em que médicos oncologistas atuam em conjunto com médicos de clínica geral, entre outros (FREY, VAN DER PAL, 2013; SEEHUSEN et al., 2010; SIGNORELLI et al., 2017).

Além disso, outra questão que vem sendo discutida diz respeito a quem irá prover o cuidado especializado desses sobreviventes: é mais indicado o cuidado continuar sendo ofertado pela pediatria, ser transferido para o serviço de adulto ou haver um modelo de transição em conjunto entre pediatria e serviço adulto.

A “crise” da adolescência e a passagem para a fase adulta

Para estudar os processos de transição, é necessário, antes, destacar uma problemática que está presente para os jovens nessa faixa etária: a “crise” da adolescência e a passagem para a fase adulta. Antes, é importante contextualizar que a adolescência enquanto uma fase da vida é considerada uma invenção ocidental recente, nascida provavelmente entre os séculos XVIII e XIX (MARQUES, 2006).

Campos (2014) salienta que, assim como a adolescência, a normatização da ideia de crise adolescente também é uma construção ocidental. Nas civilizações antigas, os papéis sociais eram bem definidos e o caminho que o jovem deveria trilhar lhe era conferido pela sociedade da qual fazia parte. Atualmente, com a cultura do individualismo, existe uma falsa ideia de uma diversidade de opções de escolha, e o jovem cada vez mais se depara com o vazio, o que requer dele buscar soluções de forma individual.

Para a psicanálise lacaniana, além do vazio instaurado pela cultura do individualismo, até a entrada na puberdade as crianças, por meio de suas teorias sexuais infantis, conseguem nomear à sua maneira os acontecimentos à sua volta, por exemplo, os questionamentos de onde vêm os bebês e o que os pais fazem no quarto quando a porta está fechada. A entrada na puberdade, permeada pelas mudanças no corpo, coloca em prova as teorias sexuais infantis e o púbere entra em contato com um não saber relacionado ao real do sexo. A sexualidade, antes realizada de maneira autoerótica, agora é vivida aos pares e a impossibilidade de uma relação de completude entre os sexos é experimentada (ALBERTI, 2009).

JUSTIFICATIVA

A partir da prática clínica em um hospital de oncologia pediátrica, os pacientes, muitas vezes, apresentam dificuldades em retomar suas vidas após o aval da equipe médica e, em alguns casos, um quadro de dor crônica se instala, dificultando ainda mais sua reinserção social. Diante disso, torna-se fundamental compreender a experiência de transitar doente pelos processos de transição inerentes à vida.

OBJETIVO

O objetivo deste estudo é compreender a experiência de transitar doente pelos processos de transição inerentes à vida, especialmente a travessia da adolescência para a fase adulta.

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MÉTODO

O método misto foi utilizado neste estudo, assim como a tipologia “Triangulação”, que visa corroborar os métodos (CRESWELL, CLARK, 2013). A pesquisa em psicanálise, cujo paradigma é interpretativo, foi predominante, e a integração dos dados ocorreu na discussão. Local: hospital de oncologia pediátrica. População: 24 participantes, 12 adolescentes com idade entre 15 e 24 anos e suas respectivas mães.

Foram incluídos no estudo todos os pacientes que estavam em acompanhamento no ambulatório de dor, fora de tratamento quimioterápico no momento da coleta de dados, com escore mínimo de 80 na escala de Karnofsky4 e com um quadro de dor crônica há, no mínimo, seis meses. Foram excluídos do estudo os pacientes com comorbidades neurológicas e psiquiátricas. O critério de seleção da idade dos pacientes está de acordo com a definição da Organização das Nações Unidas (ONU), que estabelece os limites cronológicos da adolescência entre 15 e 24 anos (EISENSTEIN, 2005). Nesta pesquisa, usamos a definição de dor crônica com duração superior a seis meses, em conformidade com a orientação da International Association for the Study of Pain (IASP), para fins de pesquisa.

4 É uma escala que avalia desempenho e classifica os pacientes de acordo com grau das suas inaptidões ou deficiências funcionais. Quanto menor a classificação na escala, pior a expectativa de recuperação e retorno às atividades diárias (VESZ et al., 2013).

Quadro 1. Dados gerais dos adolescentes participantes da pesquisa (n= 12). São Paulo, 2019 Nome Idade Sexo Idade

diagnóstico

Diagnóstico Tratamento

Bárbara 24 anos F 17 anos Osteossarcoma não metastático Quimioterapia Cirurgia endoprótese Fátima 21 anos F 18 anos Glioma de alto grau Quimioterapia

Radioterapia Cirurgia ressecção Roberto 20 anos M 9 anos Tumor miofibrilástico Ressecção cirúrgica Karen 20 anos F 7 anos Neurofibromatose tipo 1 Cirurgia ressecção Larissa 18 anos F 4 meses Neuroblastoma 3 paravertebral Radioterapia

Quimioterapia Ressecção tumoral Márcia 21 anos F 15 anos Meningioma grau II Cirurgia ressecção Sônia 22 anos F 11 anos Neurofibromatose e glioma de

via ópticas bilateral

Quimioterapia Cirurgia ressecção Beatriz 18 anos F 16 anos Osteossarcoma não metastático Quimioterapia

Cirurgia endoprótese Ivete 15 anos F 10 anos Craniofaringioma Cirurgia ressecção

Radioterapia

Gabriela 15 anos F 12 anos Osteossarcoma Quimioterapia

Cirurgia endoprótese Bianca 21 anos F 10 anos Síndrome de Dercum Quimioterapia

Cirurgia ressecção Leonardo 24 anos M 10 anos Neurofibromatose

Sarcoma fusocelular

Quimioterapia Cirurgia ressecção

Fonte: própria autora (2019).

Legenda: F- feminino; M- masculino Nota: foram utilizados nomes fictícios.

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Quadro 2. Dados gerais das mães participantes da pesquisa (n=12). São Paulo, 2019

Identificação Idade Estado civil Classe social (EBEP)

Benefício Loas

Mãe Paciente Bárbara 44 anos Casada B2 Não

Mãe Paciente Fátima 43 anos Casada C2 Não

Mãe Paciente Roberto 49 anos Viúva C1 Sim

Mãe Paciente Karen 42 anos Viúva C1 Sim

Mãe Paciente Larissa 42 anos Casada B2 Sim

Mãe Paciente Márcia 45 anos Viúva B1 Não

Mãe Paciente Sônia 51 anos Casada B2 Não

Mãe Paciente Beatriz 43 anos Separada C1 Sim

Mãe Paciente Ivete 43 anos Separada B2 Sim

Mãe Paciente Gabriela 42 anos Casada C1 Não

Mãe Paciente Bianca 43 anos Separada A Sim

Mãe Paciente Leonardo

65 anos Viúva B2 Não

Fonte: própria autora (2019).

Nota: foram utilizados nomes fictícios.

Coleta de dados qualitativa: o instrumento utilizado foi a entrevista semiestruturada composta de três momentos separados: primeiro momento, mãe e filho; segundo momento, somente a mãe; e terceiro momento, somente o adolescente. Todas as entrevistas foram gravadas e, depois, transcritas. Coleta de dados quantitativos: foi aplicado o Questionário de Avaliação do Preparo de Transição TRAQ (ANELLI et al., 2017b).

A análise dos dados qualitativos foi realizada por meio do método psicanalítico a partir da escuta analítica embasada no referencial psicanalítico de Freud e Lacan.

O presente estudo foi submetido e aprovado sob o nº 1455/2016 e por meio do número CAAE 61290016.7.0000.5505 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (CEP/UNIFESP).

RESULTADOS

O questionário TRAQ é dividido por quatro domínios relacionados às habilidades para a transição da pediatria para o serviço de adultos: 1) tomando remédios; 2) indo às consultas; 3) rastreando problemas de saúde; 4) nas atividades diárias e 5) total preparo para a transição (ANELLI et al., 2017b).

O escore de cada domínio foi interpretado a partir dos seguintes cinco estágios de mudança: 1) Pré-contemplação, não tem intenção de tomar atitude nos próximos seis meses; 2) Contemplação, tem intenção de tomar a ação nos próximos seis meses; 3) Preparação, pretende agir dentro dos próximos 30 dias e deu alguns passos comportamentais nessa direção; 4) Ação, mudou de comportamento por menos de seis meses e 5) Manutenção, mudou de comportamento por mais de seis meses (SAWICK et al., 2011).

Gráfico 1. Questionário de avaliação de habilidades para a transição da pediatria para o serviço de

adultos (TRAQ) dados dos adolescentes

Fonte: própria autora (2019).

Gráfico 2. Questionário de avaliação de habilidades para a transição da pediatria para o serviço de

adultos (TRAQ) dados das mães dos adolescentes

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O domínio que os adolescentes apresentaram melhor escore foi “Nas atividades diárias”: 50% estão no estágio da manutenção; 25%, preparação; 16,7%, ação; e 8,3%, contemplação. O domínio “Indo às consultas” foi o que os adolescentes apresentaram pior escore: 33% estão no estágio contemplação; 33%, preparação; 25%, ação; e 8,3%, precontemplação. No total do “Preparo para a transição”, na percepção dos adolescentes 50% estão no estágio da ação, 33%, na preparação e 16,7%, na contemplação.

Com relação à percepção das mães a respeito das habilidades dos filhos para a transição, o domínio com melhor escore também foi “Nas atividades diárias”: 50% estão no estágio manutenção; 33%, ação; 8,3%, preparação; e 8,3%, contemplação. O domínio “Tomando remédios” foi o que as mães apresentaram pior score 33% ação, 33% preparação, 16,7% precontemplação, 8,3% contemplação e 8,3% manutenção. No total do “Preparo para a transição”, na percepção das mães: 41% estão no estágio da preparação; 33%, ação, 16,7%, contemplação; e 8,3%, manutenção.

A partir da análise das entrevistas, foram construídas dez categorias. Neste artigo apresentaremos três categorias: 1) inibição na atualização vivida na adolescência dos conflitos inerentes ao processo constitutivo de separação do Outro5 familiar; 2) dificuldade em supor a sustentação de um desejo próprio no futuro; 3) efeito de alienação nos sujeitos e em seus corpos produzida por meio da idealização da instituição hospitalar e do saber biomédico.

Categoria 1. Inibição na atualização vivida na adolescência dos conflitos inerentes ao processo constitutivo de separação do Outro familiar

A alienação e a separação foram os principais conceitos psicanalíticos utilizados para a construção desta categoria. Para a psicanálise lacaniana esses conceitos são operadores lógicos da constituição subjetiva do sujeito (LACAN, 1964). Essas duas operações ocorrem de forma concomitante e se relacionam com a dimensão da demanda inconsciente do Outro. A operação de separação está relacionada ao conceito de falta constitutiva correlata à experiência de vazio. O sujeito reconhece um furo no saber apresentado pelo Outro, abrindo mão da ilusão de completude com o Outro. “Esse ponto é fundamental, pois coloca a separação no nível de uma decisão, um ato do sujeito” (PACHECO, 2012).

5 Lacan, ao utilizar a letra maiúscula no termo Outro, visa diferenciar do outro utilizado com letra minúscula, que

seriam os nossos semelhantes. O Outro é o inconsciente enquanto linguagem. “É de onde vêm as determinações simbólicas da história do sujeito. É o arquivo dos ditos de todos os outros que foram importantes para o sujeito em sua infância e até mesmo antes de ter nascido” (QUINET, 2012).

Dessa forma, em diferentes momentos da vida, o sujeito pode estar ora alienado ao Outro, em uma posição mais passiva, e ora separado do Outro, portanto mais protagonista de sua própria vida.

Entre os 24 participantes da pesquisa, dos 12 adolescentes, cinco apresentaram a posição subjetiva presente nesta categoria descrita na subcategoria “A posição inconsciente do sujeito frente à demanda: fazer tudo pelo Outro”. Do total de 12 mães, cinco apresentaram ao longo da entrevista a posição subjetiva6 presente nesta categoria descrita na subcategoria “Dificuldade

da mãe em se ver separada do filho”.

Quadro 3. Trechos de transcrições das entrevistas referentes à categoria 1

Dificuldade da mãe de se ver separada do filho A posição inconsciente do sujeito frente à demanda: fazer tudo pelo Outro

“Peço a Deus para ele ficar vivo enquanto eu estiver viva. Estamos na guerra juntos, se é para morrer,

morre junto. Ele não fala não para mim de jeito

nenhum. Eu sem ele não sou ninguém. Ele está sempre junto de mim. Não sei viver sem ele.” (Mãe do paciente Roberto, 20 anos)

“Ela quer me proteger demais. Para falar a verdade me incomodo com isso. Ela quer que eu fique ao lado dela o tempo todo, eu fico perturbado com isso, mas

não consigo falar. Não tem aquele momento que ela

vai para um lugar e eu vou para outro.” (Paciente Roberto, 20 anos)

“E eu deixei de respirar um pouco a eu mesma para respirar a ela (...)Eu acho que ela tem que pôr na cabeça dela, ela tem eu por ela e ela por mim, não canso de falar isso para ela.” (Mãe da paciente Beatriz, 18 anos).

“Eu fiquei bem pela minha mãe, não queria ver ela mal. Eu prefiro que Deus me dê outro câncer, porque se Deus já me deu um é sinal que é para ela cuidar de mim, agora ela ter um e eu ter também, quem vai cuidar dos outros?” (Paciente Beatriz, 18 anos) “Eu sempre sonhei em ter uma filha. Eu vivo por ela.

Por mim ela nem ia na escola, o secretário brigou muito comigo. A minha vida é fechada com ela. Eu não deixo ela sair de casa, porque ela pode pegar uma bactéria.” (Mãe da paciente Ivete, 15 anos).

“Às vezes, a minha mãe fala umas coisas bem pesadinhas. Fico chateada, mas não fala nada. Deus deu dois ouvidos para ouvir mais e uma boca para falar menos. Que nem quando estou sentada, quero sair para ela sentar. Posso estar com dor que quero sair para ela sentar.” (Paciente Ivete, 15 anos) Fonte: própria autora (2019)

Categoria 2. Dificuldade em supor a sustentação de um desejo próprio no futuro

O desejo para a psicanálise está relacionado a uma posição e não a um objeto da realidade. As primeiras relações do sujeito são fundamentais para a sua constituição. É imprescindível que a mãe, ao exercer a sua função, consiga se deslocar da posição de onipotência e comece a supor o filho enquanto desejante, ou seja, é necessário que ela faça um recuo em relação ao seu saber sobre o seu filho (FARIA, 2017).

6 A posição subjetiva é um conceito que corresponde à escuta analítica da posição inconsciente do sujeito frente à demanda do Outro (PACHECO, 2012).

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O predomínio de uma posição subjetiva na vertente da alienação presente na primeira categoria produz um embaraço do sujeito em relação ao desejo. Para o sujeito conseguir se separar, é necessário que ele esteja na posição desejante, ou seja, engajado em projetos, relacionamentos, entre outros.

Entre os 24 participantes na pesquisa, dos 12 adolescentes, cinco apresentaram a posição subjetiva presente nesta categoria descrita na subcategoria “Dificuldade do adolescente em supor a sustentação de um desejo próprio no futuro”. Do total de 12 mães, cinco apresentaram, ao longo da entrevista, a posição subjetiva presente nesta categoria descrita na subcategoria “Dificuldade da mãe em supor a sustentação de um desejo próprio para o filho no futuro”.

Quadro 4. Trechos de transcrições das entrevistas referentes à categoria 2.