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4 FEMINISMO, SERVIÇO SOCIAL E PROJETO ÉTICO-POLÍTICO

5.1 DIMENSÃO NORMATIVA: CÓDIGO DE ÉTICA E DIRETRIZES

5.1.1 O Código de Ética de 1993

Em relação à incorporação de uma perspectiva “feminista emancipatória”, o Código de Ética (CE) sinaliza nessa direção ao apresentar o horizonte da emancipação humana, estabelecendo como méis à emancipação das mulheres a superação da dominação/exploração de classe social e gênero nos seus princípios fundamentais.

Nesse sentido, o CE apresenta como princípio I o “Reconhecimento da liberdade

como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais”.

Considerando que a emancipação é o valor de caráter humano-genérico mais central do CE e que os demais princípios são valores e formas de viabilização da emancipação humana (BARROCO, 2012), este princípio é fundamental no sentido de balizar a incorporação de uma perspectiva “feminista emancipatória” na profissão, capaz de apreender a emancipação das mulheres como parte do processo mais amplo de emancipação humana.

Em relação à dimensão particular da emancipação das mulheres, o CE aponta para a superação das contradições de classe social e “gênero”, enquanto mediações para a plena autonomia e emancipação das mulheres, conforme o princípio ético VIII: “Opção por um

projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero”.

271

VIII princípio do Código de Ética do/a Assistente Social. (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2012 b).

Articulado ao princípio I, este princípio VIII sugere que a emancipação das mulheres exige a superação da dominação-exploração de classe, etnia e “gênero”.

Este princípio VIII é considerado pelo CFESS (2012) 272 como um dos mais ousados e posicionados compromissos ético-políticos. E a partir daí, ressalta a necessidade de explicitar, fortalecer e espraiar o Projeto Ético-Político, assegurando o compromisso com a classe trabalhadora, assim como a afirmação e superação dos direitos.

Nessa mesma direção, Barroco (2012) ressalta que este princípio do CE representa o ideário socialista que marca a origem do Projeto Ético-Político e o seu pólo profissional mais crítico ao explicitar a “opção por um projeto profissiona lvinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação e exploração” (BARROCO, 2012, p. 67).

Nessa discussão, Barroco (2012) esclarece que é um equívoco considerar a articulação entre projeto emancipatório e projeto profissional como algo incompatível, com base no suposto de que toda atividade profissional no capitalismo somente reproduz a desigualdade, a dominação e o capital. Toda atividade social no capitalismo contribui em níveis diferentes para a objetivação das relações burguesas. Por outro lado, a análise do significado social da profissão no processo de reprodução das relações sociais capitalistas (IAMAMOTO, 1983) mostra que o/a Assistente Social reproduz simultânea e contraditoriamente interesses e necessidades do capital e do trabalho. E ,por isso, o/a profissional pode fazer a opção pelo fortalecimento do projeto da classe trabalhadora por meio da atuação profissional nos serviços prestados.

Outro princípio diretamente relacionado a afirmação de uma perspectiva “feminista emancipatória” também faz referência a questão de “gênero” e classe social, é o princípio XI, que versa sobre o “Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/), nem discriminar, por

questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero273, idade e condição física”.

272

Conferir o texto de apresentação do livro “Código de Ética do/a Assistente Social Comentado” (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2012 a).

273

A mudança do termo “opção sexual”, presente na 1ª edição do Código, para “orientação sexual” e a inclusão do reconhecimento da “identidade de gênero” na 9ª edição de 2011, incorporam os avanços nas discussões acerca dos direitos da população LGBT pela livre orientação e expressão sexual, bem como reafirmam os valores do Projeto Ético-Político. Tais mudanças foram fruto das discussões realizadas no âmbito do conjunto CFESS/CRESS, especialmente na temática da ética e dos direitos humanos, aprovadas no 39º Encontro Nacional CFESS/CRESS (2010) e consignadas na Resolução CFESS 594 de 21 de janeiro de 2011. Esta Resolução também incorpora o reconhecimento da linguagem de gênero, adotando a forma masculina e feminina, expressando um posicionamento político no sentido de contribuir para a negação do machismo na linguagem, especialmente por ser a categoria profissional formada majoritariamente por mulheres. Cf.CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Apresentação à edição de 2011. Brasília, janeiro de 2011,gestão Atitude Crítica para Avançar na Luta (2008/2011). In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇOSOCIAL (2012 b).

O compromisso com um horizonte feminista de luta contra a opressão das mulheres, enquanto segmento historicamente oprimido, também pode ser identificado no princípio VI do CE, que destaca o “Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito,

incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças”.

Sobre a relação do Serviço Social com os movimentos feministas, o CE sugere como princípio norteador da profissão a articulação com movimentos coletivos sintonizados com os princípios do CE e com as lutas da classe trabalhadora, conforme explicitado no princípio IX:

“Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos/as trabalhadores/as”.

Esses 5 princípios do CE estão mais diretamente ligados a constituição de uma perspectiva feminista emancipatória. No entanto, uma reflexão sobre todos os artigos articulados apontam na direção da afirmação de um referencial “feminista emancipatório” no Serviço Social, pela possibilidade da garantia dos direitos humanos e sociais, com equidade à mulheres, especialmente aquelas pertencentes às classes trabalhadoras. Nosso Projeto Profissional não se limita à conquista de direitos no capitalismo, mas aponta para sua superação. Isto é, trata-se de articular a defesa da emancipação política a um projeto de emancipação humana.

O projeto profissional aponta para a defesa de uma democracia radical e da plena cidadania na perspectiva da emancipação humana, o que supõe a superação dos seus limites burgueses. Nesse sentido, o princípio III “Ampliação e consolidação da cidadania,

considerada tarefa primordial de toda a sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras”, sugere a apreensão do campo de viabilização

dos direitos como mediação estratégica da prática profissional nos marcos de um projeto emancipatório socialista. Nessa perspectiva, a democracia não se limita ao direito de participação política, uma vez que requer a democratização de toda a riqueza social produzida pela classe trabalhadora, conforme consta no princípio IV: “Defesa do aprimoramento da

democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida”.

Pelo exposto, é possível afirmar que o Código de Ética do (a) Assistente Social constitui-se num instrumento normativo e educativo favorecedor de uma perspectiva feminista emancipatória no Serviço Social, por meio da defesa da emancipação humana, da liberdade e da superação das relações de dominação/exploração de classe social e “gênero”.

No entanto, conforme já vimos em Paiva; Sales (1998), o debate sobre a incorporação da dimensão de “gênero” no CE não explicitou a perspectiva teórica do debate de “gênero”, nem se o termo é usado apenas de modo descritivo, ou para designar uma área de estudos relacionada à temática das mulheres ou ainda se é utilizado como substitutivo para mulheres.

A aprovação do CE ocorre no mesmo momento em que o conceito de gênero elaborado pela historiadora Joan Scott é socializado no Brasil, sendo rapidamente absorvido nos meios acadêmicos e na militância feminista. Legitimado no âmbito do pensamento pós- moderno, o gênero como categoria analítica, entendido como relações de poder que circulam entre o pólo masculino e o feminino, inscrito no campo das representações atribuídas ao masculino e ao feminino, é amplamente utilizado, inclusive entre segmentos de intelectuais feministas marxistas.

Nessa época, dado a enorme receptividade em torno dos “estudos de gênero”, ainda não havia um debate crítico sobre o caráter neutro e despolitizante da categoria “gênero”, responsável pela negação do sujeito político feminista e dos questionamentos a ordem capitalista e patriarcal de opressão das mulheres.

Da mesma forma, somente a partir da segunda metade dos anos 1990 e na década seguinte irá se explicitar o debate sobre a polêmica da (in) compatibilidade entre “gênero” e marxismo, trazida a partir dos enfoques que adotavam a perspectiva da articulação/interseção entre “gênero” e classe social, tal como aparece no CE e nas DC. Na visão de Castro (2000), “gênero” é uma categoria em disputa pelas tendências culturalistas/pós-modernas e feministas socialistas e marxistas.