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2 A EMANCIPAÇÃO DAS MULHERES NA PERSPECTIVA DA EMANCIPAÇÃO

2.1 O MARXISMO CLÁSSICO: A OPRESSÃO DAS MULHERES NO

“A ciência expressa na indústria preparou a emancipação e a desumanização”(MARX, 2004, p. 111-112). 39

A opressão das mulheres torna-se uma questão política com o nascimento da sociedade burguesa, no contexto da “dupla revolução” do século XVIII na Europa ocidental: a Revolução Francesa (1789) e a revolução industrial na Gra-Bretanha (1780-1840) 40.

O ideário moderno iluminista da Revolução Francesa, sustentado nos valores da igualdade, liberdade e fraternidade e contra os privilégios aristocráticos que embasavam a sociedade feudal, abriu espaço para as reivindicações das mulheres. A Revolução Francesa foi uma revolução eminentemente burguesa, que se rebelou contra todos os obstáculos que impediam o livre desenvolvimento das novas relações sociais capitalistas. Como disseram

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Cf. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Traduzido por Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.

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Marx e Engels, em O Manifesto Comunista, “a Revolução Francesa, por exemplo, aboliu a propriedade feudal em favor da propriedade burguesa” (MARX; ENGELS, 2002, p. 30).

Mas na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão não havia espaço para metade da humanidade, as mulheres. Segundo Bonacchi e Groppi (1995), a Declaração de 1789, universalmente reconhecida como a fundadora dos direitos à liberdade e à igualdade enquanto direitos modernos, excluiu as mulheres por muito tempo.

Por isso, Olympe de Gouges redigiu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã em 1791, em que denunciava o caráter não universal e desigual da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão41. Defensora do divórcio e da união livre, ela foi guilhotinada em 1793, sob a acusação de ter esquecido as virtudes de seu sexo, isto é, o destino de mãe e esposa42.

Na passagem do século XVIII ao XIX, à medida que as mulheres eram mais requisitadas para ingressar na indústria capitalista, cresciam as insatisfações femininas, uma vez que as mulheres eram exploradas duplamente, na esfera familiar e no mercado de trabalho, e, além disso, não eram reconhecidas como cidadãs e em condição de igualdade com o homem.

A promessa de igualdade não cumprida pela revolução francesa frustrou as expectativas das mulheres, especialmente daquelas pertencentes à burguesia e ao meio intelectual que buscavam o reconhecimento de seus direitos civis e políticos como cidadãs. E a revolução industrial, ao invés de gerar bem-estar econômico, concentrou renda nas mãos dos capitalistas e aumentou a miséria da população, provocando vários protestos de trabalhadores e trabalhadoras (TOSCANO; GOLDENBERG, 1992; GARCIA, 2011).

De acordo com Hobsbawm (2010), a primeira metade do século XIX na Europa, especialmente o período entre 1830-1840, foi marcada por agitações revolucionárias e por uma crise geral do capitalismo. A transição da nova economia gerou como consequências sociais a miséria e o descontentamento, os ingredientes da revolução social. A revolução eclodiu na forma de levantes espontâneos dos trabalhadores da indústria e das populações

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As conquistas imediatas da Revolução Francesa foram apenas o casamento civil e a legalização do divórcio em 1792. A França foi um dos últimos países a conceder o direito ao voto às mulheres, garantido somente em1944, demonstrando o caráter não democrático desta Revolução. Sobre o caráter não democrático da Revolução Francesa conferir Hobsbawm (2010).

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Olympe de Gouges não foi a única a se revoltar contra a opressão da mulher. Intelectuais de ambos os sexos e a população feminina dos grandes centros urbanos também demonstravam indignação em face da situação de inferioridade da mulher e manifestavam desejo de mudanças. Dentre os revolucionários de 1789 destacam-se as declarações em defesa da mulher proferidas por Condorcet, Diderot, Voltaire e Montesquieu (TOSCANO; GOLDENBERG,1992). Porém, também no século XVIII, alguns filósofos e a ciência médica legitimaram a inferioridade da mulher. Rousseau interpretava a mulher como um ser destinado ao casamento e à maternidade. A ideologia burguesa reforçou a inferioridade da mulher atribuindo um caráter “científico” a esta inferioridade. Afirmava que o estado de humilhação da mulher era uma decorrência dos seus aspectos biológicos, como a função da maternidade e a inclinação natural para cuidar da casa e dos filhos (ALAMBERT, 1986).

pobres das cidades, bem como o descontentamento entre os pequenos comerciantes, produzindo as revoluções de 1848 no continente e os amplos movimentos cartistas na Grã- Bretanha.

O cenário era de pauperização, degradação moral e social das famílias, fome, aumento do alcoolismo, infanticídio e das péssimas condições de vida e trabalho insalubres, com a deterioração da saúde da população nas cidades. Nesse quadro era inevitável o aparecimento dos movimentos trabalhistas e socialistas e a ação revolucionária das massas (HOBSBAWM, 2010).

O marxismo e o feminismo são produtos desse mesmo momento histórico, um período marcado por revoluções, revoltas e contradições. Um momento que vai das esperanças de igualdade e liberdade proclamadas pelo ideário moderno iluminista e burguês às revoltas dos (as) trabalhadores (as) e das mulheres diante das situações de desigualdade social, política e sexual postas no contexto do capitalismo do século XVIII/XIX.

O contexto histórico que criou as condições para a conformação das lutas feministas, socialistas e da teoria marxista é o mesmo. Na época de Marx e mesmo antes, já existia uma literatura e uma mobilização feminista (LOWY, 2010).

O século XIX foi marcado por grandes movimentos sociais emancipatórios que surgiram para responder aos problemas que a revolução industrial e o capitalismo estavam gerando. Negação dos direitos civis e políticos das mulheres e a miséria dos proletariados e das proletariadas que ficavam à margem da riqueza produzida pela indústria. Essas contradições foram o solo fértil das teorias “emancipatórias” e dos movimentos sociais no século XIX. Nesse contexto, o feminismo aparece como um movimento social de âmbito internacional e seu horizonte ético-político era o igualitarismo entre os sexos e a emancipação jurídica e econômica da mulher (GARCIA, 2011).

Com o advento do século XIX, o feminismo foi se organizando enquanto movimento coletivo para responder as crescentes situações de desigualdade sexual entre homens e mulheres no mercado de trabalho e na sociedade em geral. As discriminações sofridas pelas mulheres expressavam-se nos salários menores que o dos homens, na sua exclusão política dos sindicatos e partidos políticos, na dupla jornada de trabalho, na precariedade das leis de proteção à maternidade e na superexploração de sua força de trabalho (TOSCANO; GOLDENBERG, 1992).

Por estas razões, a conquista do voto e a entrada nas instituições de ensino passaram a ser, logo depois, em meados do século XIX na Europa e EUA, os dois grandes objetivos do

sufragismo, movimento que marca a chamada Primeira Onda do Feminismo43.

Em geral, as reivindicações do movimento sufragista pelo direito ao voto44 e acesso à educação e à profissionalização eram demandas das mulheres da elite intelectual, artística e da burguesia. Dessa forma, o feminismo surge nos marcos da democracia burguesa, tendo como objetivo o acesso a direitos civis, políticos e sociais das mulheres no interior da sociedade capitalista, portanto, uma conquista no campo da emancipação política.

A luta pela emancipação das mulheres limitava-se ao horizonte da emancipação política, uma luta importante naquele momento, mas que já demonstrava não mais responder ao conjunto de questões advindas da crescente exploração da força de trabalho feminina no contexto da revolução industrial na Europa.

Entendido como um feminismo burguês ou liberal, este feminismo por estar fundado numa visão abstrata e legalista dos direitos, não procurou refletir mais profundamente sobre as raízes da opressão das mulheres, admitindo apenas que a subordinação feminina seria uma simples decorrência da ausência de direitos civis, políticos e sociais para as mesmas.

É neste cenário sócio-político que o pensamento marxiano irá contribuir com uma análise histórica e de totalidade sobre a questão da opressão das mulheres no capitalismo e as perspectivas para sua verdadeira emancipação.

A análise das relações sociais capitalistas segundo o método materialista histórico e dialético criado por Marx (1818-1883) e Engels (1820-1896) permitiu pensar a questão das mulheres na totalidade social do capitalismo e, a partir daí, defender a emancipação das mulheres de modo radical, para além da emancipação política e na perspectiva da emancipação humana.

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Historiadoras e feministas da América do Norte e da Europa durante muito tempo distinguiram duas ondas históricas dos movimentos feministas: a 1ª (primeira) transcorre na segunda metade do século XIX e no começo do século XX, denominada de período sufragista, marcada pelas reivindicações do direito de voto; e a 2ª (segunda), que vai da metade dos anos 60 e começo dos 70 do século XX, qualificada de “neofeminismo”, que reconhece a impossibilidade de fundar a igualdade no sistema patriarcal. No entanto, a oposição desses dois momentos dos movimentos feministas é hoje descartada por algumas historiadoras, por entender que esta apaga a existência dos movimentos feministas no período entre as décadas de 1920 e 1960 (FOUGERYOLLAS-SCHWEBEL, 2009) .

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O movimento sufragista, expressão da Primeira Onda do feminismo, foi um movimento de caráter internacional. Sobre o sufragismo nos EUA, Europa e Brasil conferir Garcia (2011) e Toscano; Goldenberg(1992).

Nas obras do “Jovem Marx” 45

estão as bases teóricas para uma análise histórica e crítica sobre a opressão das mulheres no contexto da sociedade capitalista, capaz de superar uma visão naturalizada sobre a subordinação feminina, bem como apontar como horizonte a conquista da sua emancipação humana.

Nos “Manuscritos econômico-filosóficos” 46, obra de 1844, Marx destaca que a emancipação da sociedade da propriedade privada e da servidão se manifesta na forma política da emancipação dos/as trabalhadores/as, com a instauração do regime comunista.

Na futura sociedade comunista, fundada na propriedade coletiva e no trabalho livre, o ser humano poderá desenvolver sua individualidade e suas capacidades humanas.

Na sociedade burguesa, trabalho para viver não passa de um meio de aumentar o trabalho acumulado. Na sociedade comunista, trabalho acumulado não passa de um meio de ampliar, enriquecer, promover a existência do trabalhador. [...] Na sociedade burguesa, o capital é independente e tem individualidade, enquanto que a pessoa viva é dependente e não tem individualidade (MARX; ENGELS, 1998, p.37).

Marx e Engels projetam como será a vida do ser humano nesta futura sociedade comunista: “No lugar da sociedade burguesa antiga, com suas classes e antagonismos de classe, teremos uma associação, na qual o desenvolvimento livre de cada um é a condição para o desenvolvimento livre de todos” (MARX; ENGELS, 1998, p. 44).

A ideia de emancipação humana em Marx exige a supressão das relações de exploração e alienação próprias do sistema capitalista. É incompatível com a sociedade capitalista na medida em que este modo de produção se fundamenta na propriedade privada, na divisão do trabalho e na exploração da força de trabalho, engendrando relações de dominação, alienação e exploração dos indivíduos sociais. A contradição fundamental do sistema capitalista, expressa na produção coletiva da riqueza pelo (as) trabalhadores (as) e sua apropriação privada pelos (as) capitalistas, é a responsável pelo cenário de pauperização das classes trabalhadoras e desigualdades sociais, atingindo homens e mulheres e impedindo o pleno exercício da igualdade, autonomia e liberdade.

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Período de formação do pensamento de Marx, com a elaboração de obras de natureza filosófica, as quais se destacam sua crítica à filosofia hegeliana, o início da sua concepção ontológica do ser social, a defesa de uma análise totalizante e dialética da realidade social e de uma perspectiva de superação do capitalismo (FREDERICO, 1995). Foram escritos nesta época, os “Manuscritos econômico-filosóficos” (1844), “A Questão Judaica” (1844), “A ideologia alemã” (1845-1846), “Sobre o suicídio” (1846), “O Manifesto Comunista” (1848), “A Sagrada Família” (1845), entre outras. Da fase do “Marx maduro”, em que o autor desenvolve suas premissas, destacam-se “Grundrisse” (1857-1858), “Para a crítica da economia política” (1859), “O capital” (1867) e outros.

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Cf. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Traduzido por Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.

Marx entende que a emancipação da classe operária do domínio do capital encerra a emancipação humana universal, uma vez que toda opressão humana decorre da relação do trabalhador com a produção e que todas as relações de servidão são consequências da relação de exploração capitalista. Assim ele afirma:

[...] a emancipação da sociedade da propriedade privada etc., da servidão, se manifesta na forma política da emancipação dos trabalhadores, não como se dissesse respeito somente à emancipação deles, mas porque na sua emancipação está encerrada a [emancipação] humana universal. Mas esta [última] está aí encerrada porque a opressão humana inteira está envolvida na relação do trabalhador com a produção, e todas as relações de servidão são apenas modificações e consequências dessa relação (MARX, 2004, p. 88-89).

Essa reflexão de Marx tem o mérito de pensar todas as formas de servidão, entre elas a opressão contra as mulheres, numa perspectiva de totalidade e de modo radical, no interior das relações sociais que as determinam, em que a lógica do capital perpassa todas as dimensões da vida social.

Se todos os indivíduos, sejam homens ou mulheres, estão inseridos nas relações de exploração capitalista, a sua emancipação humana implica, portanto, na superação política das relações capitalistas de produção, as quais estão baseadas na propriedade privada, no trabalho alienado, na extração de mais-valia e nos antagonismos de classe.

Ao afirmar que todas as relações de servidão são apenas consequências da relação do trabalhador com a produção (MARX, 2004, p 89), Marx demonstra que as relações de produção capitalistas têm a capacidade de penetrar em todas as relações humanas, como nas relações familiares e entre homens e mulheres.

Do mesmo modo, Marx e Engels consideram a emancipação da mulher como uma referência para a emancipação humana geral. O conceito de Fourier, de que o grau de emancipação da mulher dá a medida da evolução de toda a sociedade foi tomado como princípio por Marx e Engels (GARCIA, 2011; ALAMBERT, 1986).

Ao fazer referência a crítica de Fourier à miséria material e moral do mundo burguês e à visão da burguesia sobre as relações sexuais e a posição da mulher na sociedade burguesa, Engels afirma que Fourier “foi o primeiro a anunciar que, em determinada sociedade, o grau de emancipação da mulher corresponde à medida natural do grau de emancipação geral” (ENGELS, 1934, p. 253-254)47.

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ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring.Zurich, 1934 (Edição alemã).In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich; LENIN, V. Sobre a Mulher. 2.ed. São Paulo: Global Editora, 1980.

Com efeito, Alambert (1986) destaca a importância dos Manuscritos econômico-

filosóficos para a compreensão da emancipação da mulher como parte da emancipação

humana mais geral:

Para a teoria socialista da emancipação feminina, os Manuscritos constituíram um documento essencial, sobretudo através da ideia de que a emancipação da mulher é parte da emancipação humana universal. Com sua análise do trabalho alienado, Marx demonstrou a insuficiência de uma tentativa de estabelecer uma igualdade puramente jurídica e política – pleiteada pelas feministas – no quadro da sociedade capitalista (ALAMBERT, 1986, p. 17, grifos originais).

Nos “Manuscritos”48

, Marx utiliza o exemplo da relação entre o homem e a mulher para refletir sobre o ser genérico do ser humano. A mulher vista como presa se expressa na degradação infinita na qual o ser humano existe para si mesmo. Nesse sentido, afirma:

A relação imediata, natural, necessária, do homem com o homem49 é a relação do homem com a mulher. [...] Nesta relação fica sensivelmente claro, portanto, e reduzido a um factum intuível, até que ponto a essência humana veio a ser para o homem natureza ou a natureza [veio a ser] essência humana do homem (MARX, 2004, p. 104, grifos originais).

Na discussão sobre propriedade privada e comunismo, Marx defende a ideia de uma comunidade de mulheres em oposição ao casamento, mas afirma que esse comunismo ainda é rude e irrefletido. Ele mostra que o tipo de relação entre o homem e a mulher expressa em que medida o ser humano tornou-se um ser genérico e conseguiu superar o plano da natureza e das carências. Assim, ele dá a entender que o comunismo, enquanto “[...] momento efetivo necessário da emancipação e da recuperação humanas para o próximo desenvolvimento histórico” (MARX, 2004, p. 114), é incompatível com o tratamento da mulher como objeto de necessidade ou propriedade dos homens. Nesta reflexão Marx recupera a ideia de Fourier sobre a emancipação da mulher como medida da emancipação da sociedade.

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Considerada a obra mais filosófica de Marx, foi escrita ainda na sua juventude, quando Marx tinha 26 anos deidade, em 1844. No entanto, é uma obra importante, pois inaugura algumas reflexões que serão tratadas em A Ideologia Alemã. LOWY, Michel. Marx, Engels e a Opressão das Mulheres. Curso on-line, PUC-SP, 16 out.2012.

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Nesta e em outras passagens da obra, o termo homem deve ser traduzido como ser humano. Há problemas na tradução do alemão para o português. As palavras alemãs “Mensch” e “Mann” significam em alemão “Ser Humano” e “Homem”, respectivamente, mas são traduzidas para o português somente como “Homem”. Cf.Lowy (2012).

Do caráter desta relação segue-se até que ponto o ser humano veio a ser e se apreendeu como ser genérico, como ser humano; a relação do homem com a mulher é a relação mais natural do ser humano com o ser humano. Nessa relação se mostra também até que ponto o comportamento natural do ser humano se tornou humano, ou até que ponto a essência humana se tornou para ele essência natural, até que ponto a sua natureza humana tornou-se para ele natureza. Nesta relação também se mostra até que ponto a carência do ser humano se tornou carência humana para ele, portanto, até que ponto o outro ser humano como ser humano se tornou uma carência para ele, até que ponto ele, em sua existência mais individual, é ao mesmo tempo coletividade (Gemeinwesen) (MARX, 2004, p. 105, grifos originais).

Marx entende a emancipação das mulheres na perspectiva da emancipação humana, cuja condição supõe a superação do capitalismo e das classes sociais antagônicas, enquanto condição central para o projeto de emancipação humana. De outro lado, ele não desprezou a necessária conquista de direitos civis, políticos e sociais para as mulheres no interior das sociedades capitalistas, o que, para ele, se traduziria numa emancipação parcial, limitada ao campo da emancipação política.

Contrariando a posição de um segmento socialista contrário aos direitos das mulheres e a sua presença no mercado de trabalho, Marx defendeu o voto feminino e a regulamentação do trabalho das crianças e mulheres na I Internacional (1864) (GARCIA, 2011). Tais direitos eram concebidos enquanto conquistas emancipatórias parciais para as mulheres, pela possibilidade de contribuir com relações mais igualitárias entre os sexos.

Não é, no entanto, o abuso do poder paterno que acarretou a exploração direta ou indireta de forças de trabalho imaturas pelo capital, mas, pelo contrário, é o modo de exploração capitalista que fez do poder paterno, ao suprimir sua correspondente base econômica, um abuso. Por terrível e repugnante que agora pareça a dissolução do antigo sistema familiar no interior do sistema capitalista, a grande indústria não deixa de criar, com o papel decisivo que confere às mulheres, pessoas jovens e crianças de ambos os sexos em processos de produção socialmente organizados para além da esfera domiciliar, o novo fundamento econômico para uma forma mais elevada de família e de relações entre ambos os sexos (MARX, 1985, p. 91).

Em outra obra da sua juventude, “A Questão Judaica”, de 1844, Marx concebe aemancipação política como conquista de direitos legais no interior da sociedade capitalista, o que representa um avanço, mas ressalta que a mesma não tem a capacidade de emancipar o indivíduo por completo.

Não há dúvida que a emancipação política representa um grande progresso. Embora não seja a última etapa da emancipação humana em geral, ela se caracteriza como a derradeira etapa da emancipação humana dentro do contexto do mundo atual. É óbvio que nos referimos à emancipação real, à emancipação prática (MARX, 2007, p. 23, grifos originais).

Marx destaca a relação entre a emancipação humana e a emancipação política. Discutindo as limitações da emancipação política, ele afirma que a emancipação política não gera a emancipação humana, ao contrário, ela se consagra pela cisão do ser humano entre a

vida pública e a vida privada50.

Na sua crítica à declaração dos direitos do homem e do cidadão, Marx afirma que o direito humano da liberdade é o direito humano à propriedade privada, de desfrutar do patrimônio, em que “a liberdade individual e sua aplicação constituem o fundamento da sociedade burguesa. Sociedade que faz que todo homem encontre em outros homens não a realização de sua liberdade, mas, pelo contrário, a limitação desta” (MARX, 2007, p. 35).

O fim da vida política é a garantia dos direitos do homem individual e do burguês. Assim, Marx revela que os direitos são um meio para consagração da sociedade burguesa e não o contrário. Dessa forma, entende-se que toda luta por direitos que não questiona as bases estruturais da cisão entre o cidadão e o burguês, entre o homem como ser individual e ser genérico, mantém intactas as raízes das formas de exploração e opressão.

A Ideologia Alemã, obra de 1845-1846, em que Marx e Engels explicam sua

concepção materialista da história, é a base para a tese marxiana sobre a questão da mulher.