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2 A EMANCIPAÇÃO DAS MULHERES NA PERSPECTIVA DA EMANCIPAÇÃO

2.3 O DEBATE CONTEMPORÂNEO NO CAMPO FEMINISTA

“A causa da emancipação e da igualdade das mulheres envolve os processos e instituições mais importantes de toda a ordem sociometabólica”(MÉSZÁROS, 2011, p. 307). 93

Neste contexto de crise do capital, marcado por fortes desigualdades e contradições de classe social, acentuam-se as formas de opressão das mulheres, expressas na precarização do trabalho feminino, na dupla jornada de trabalho, feminização da pobreza, violência contra as mulheres, negação de seus direitos sexuais e reprodutivos, entre outras.

Tal quadro suscita a necessidade teórica de aprofundar os vínculos entre a exploração de classe social, a divisão sexual do trabalho e a opressão da cultura patriarcal94 de subordinação das mulheres, segundo uma ótica de totalidade social95. É a fidelidade ao método de Marx, designado por Lukács (1974) como uma ortodoxia em matéria de marxismo, que nos permite aprender a teoria de Marx como algo que permanece em construção96 (NETTO, 2011).

Tal reflexão é subsídio imprescindível para alimentar as lutas pela verdadeira emancipação das mulheres, articulada ao projeto de projeto de emancipação humana da classe trabalhadora.

Hoje, após as conquistas feministas do século XX em torno dos direitos à igualdade, autonomia e liberdade das mulheres e reconhecimento das diferenças culturais na vida pública e privada, aprofundam-se as reflexões no campo do marxismo sobre as particularidades da opressão feminina no capitalismo contemporâneo, com vistas a superação das análises empobrecidas do pensamento de Marx e Engels.

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Cf. MÉZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Tradução de Paulo Cezar Castanheira e Sérgio Lessa. 1.ed. revista. São Paulo: Boitempo, 2011. (Mundo do Trabalho) A 1ª (primeira)edição deste livro no Brasil foi lançada no ano de 2002.

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Os debates no campo da teoria crítica feminista sobre patriarcado e divisão sexual do trabalho serão abordados no capítulo seguinte.

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Para Lukács (1974), “é o ponto de vista da totalidade e não a predominância das causas econômicas na explicação da história que distingue de forma decisiva o marxismo da ciência burguesa” (LUKÁCS, 1974, p.14 apud NETTO, 2011, p. 14)95Cf. LUKÁCS, G. História e Consciência de Classe. Porto: Escorpião, 1974edição brasileira: São Paulo, Martins Fontes, 2003.

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Ao nos oferecer o exaustivo estudo da “produção burguesa”, ele nos legou a base necessária, indispensável para a teoria social. Se, em inúmeros passos do conjunto da sua obra, Marx foi muito além daquele estudo, fornecendo fundamentais determinações acerca de outras das totalidades constitutivas da sociedade burguesa, o fato é que sua teoria permanece em construção – e, em todos os esforços exitosos operados nesta construção, o que se constata é a fidelidade à perspectiva metodológica que acabamos de esboçar. É nesta fidelidade, aliás, que reside o que, num estudo célebre, Lukács (1974, p. 15) designou como ortodoxia em matéria de marxismo (NETTO, 2011, p. 59, grifos originais).

Nesse sentido, Antunes (2009) corrobora com perspectiva de que a emancipação das mulheres não é uma decorrência direta do socialismo, pois requer mediações de ordem cultural e ideológica. No debate sobre a relação entre gênero e classe social, ele compreende que a luta feminista emancipatória é pré-capitalista, ocorre sob o domínio do capital e também será pós-capitalista, “[...] pois o fim da sociedade de classes não significa direta e

imediatamente o fim da opressão de gênero” (ANTUNES, 2009, p. 110, grifos originais).

A luta pela emancipação da mulher como parte da emancipação do gênero humano envolve uma luta contra o capital, mas também contra a opressão masculina. Dessa forma, a emancipação específica da mulher em relação à opressão masculina é uma conquista feminina para a emancipação do gênero humano (ANTUNES, 2009).

No processo mais profundo de emancipação do gênero humano, há uma ação conjunta e imprescindível entre os homens e as mulheres que trabalham. Essa ação tem no capital e em seu sistema de metabolismo social a fonte de subordinação e estranhamento. [...] Mas a luta das mulheres por sua emancipação é também – e decisivamente – uma ação contra as formas histórico-sociais da opressão masculina (ANTUNES, 2009, p. 110, grifos originais).

Partindo do pressuposto de que a opressão das mulheres é anterior ao capitalismo, mas que o capital tem a capacidade de penetrar em todas as dimensões da vida social, seja no espaço público ou privado, não é possível pensar a opressão/emancipação das mulheres dissociada das determinações das relações sociais capitalistas no seu conjunto.

A opressão das mulheres é pensada no interior do modo de produção e reprodução das relações sociais capitalistas. Acompanhamos Iamamoto (1993, 2007) na sua reflexão acerca da totalidade do processo de reprodução das relações sociais capitalistas, não restrito a sua dimensão econômica, visto que envolve a reprodução das condições materiais (reprodução da força de trabalho e dos meios de produção) e espirituais (formas de consciência jurídicas, religiosas, artísticas ou filosóficas) de existência.

Toda a sociedade torna-se o “lugar” da reprodução das relações sociais. Todo o espaço ocupado pelo capital transforma-se em “espaços de poder” - a empresa, o mercado, a vida cotidiana, a família, a cidade, a arte, a cultura, a ciência, entre outros -, tanto aqueles onde a mais-valia é produzida, quanto aqueles em que ela reparte-se e é realizada, abrangendo o conjunto do funcionamento da sociedade. Por não ser esse um processo linear, provoca a manutenção, no essencial, das relações de produção e de propriedade e ao mesmo tempo impulsiona o desenvolvimento das forças produtivas, em que a natureza dá lugar ao espaço produzido. Verifica-se a regressão, degradação e transgressão no nível das relações de família, de amizade, da vida social de grupos parciais, do meio ambiente, assim como a produção de novas relações no âmbito de segmentos sociais como a juventude, os idosos, as mulheres e os trabalhadores (IAMAMOTO, 2007, p. 50).

A autora indica algumas críticas aos equívocos presentes nas abordagens sobre reprodução das relações sociais, predominante na produção brasileira contemporânea da chamada “Sociologia do Trabalho”, das quais ressaltamos aqui a segmentação entre produção e reprodução. A autora rejeita a ideia de “espacialização”, em que a reprodução é reduzida à reprodução da força de trabalho, afeta ao consumo, “fora” do movimento da produção97

. Todo processo de produção é um processo de reprodução, que envolve as condições sociais de produção e reprodução, em suas contradições sociais e de classes sociais. Ela mostra, ainda, que esta visão reducionista construiu a ideia de que os ‘novos movimentos sociais’ são alheios às determinações de classe, uma vez que estas só se refratariam no movimento operário e sindical.

No texto de apresentação do livro de István Mészáros, “Para além do capital” 98,

Ricardo Antunes, ressalta na análise de Mészáros a consideração acerca do caráter “totalizante” do sistema do capital. Afirma que este livro, além do debate sobre o capital e seu sistema sociometabólico, também desenvolve teses sobre a questão feminina e a emancipação das mulheres e a questão ambiental, com a destruição da natureza, em que ambas as questões não são incorporadas de maneira resolutiva pelo capital, e que por isso, elas podem se articular ao potencial emancipatório do trabalho, “[...] convertendo-se, deste modo, em movimentos emancipatórios dotados de uma questão específica (single issue), que se integram ao processo de autoemancipação da humanidade” (ANTUNES, 2011, p. 19, grifos originais).

A atualidade histórica da dupla opressão das mulheres no capitalismo e na família, apontada por Marx em O Capital, revela-se na permanência de uma desigual divisão sexual do trabalho no espaço doméstico e na superexploração do trabalho das mulheres no mercado de trabalho, nas quais atendem as necessidades maximização do processo de valorização do capital.

A tese de Marx e Engels sobre o caráter contraditório do capitalismo para a conquista da emancipação feminina é reafirmada na contemporaneidade. O ingresso da mulher no mercado de trabalho capitalista cria as condições para a construção de relações igualitárias entre homens e mulheres na família, ao mesmo tempo superexplora a força de trabalho feminina no espaço doméstico e no trabalho profissional.

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Ver o debate sobre as conexões entre produção, consumo, circulação e troca, presente na Introdução à Contribuição à Crítica da Economia Política (1857-1858). Cf. MARX, Karl. Introdução à Contribuição à Crítica da Economia Política. In: _____.Contribuição à Crítica da Economia Política.2.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008. p. 237-272.

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Conforme Nogueira (2010), o capitalismo se utiliza da divisão sexual do trabalho para ampliar seu ciclo reprodutivo e sua valorização, por meio da exploração o trabalho feminino no espaço produtivo e reprodutivo. No contexto de reestruturação produtiva, acumulação flexível e neoliberalismo, observou-se nos anos 1990, o crescimento do emprego e do trabalho feminino, especialmente nas áreas com empregos precários e vulneráveis. A femininação do mundo do trabalho é marcada por uma inserção precarizada da mulher no mercado de trabalho em todos os lugares do mundo. Na Europa e América Latina, a feminização do trabalho ocorre predominante nos empregos de tempo parcial. Nos países de capitalismo avançado da União Européia, na configuração atual da divisão sexual do trabalho, persiste a segmentação e a remuneração diferenciada entre homens e mulheres. Na verdade, a igualdade de salários entre homens e mulheres não existe em nenhuma parte do mundo, sendo a desigualdade entre 10 e 32% na Europa. Já nos países de capitalismo dependente ou subordinado, os salários das mulheres correspondiam a pouco mais da metade (52%) dos salários dos homens, e o desemprego feminino é mais intenso na América Latina99.

No Brasil, tomando como base as décadas de 1980/1990, que marcadas pela presença da reestruturação produtiva e pelas mutações do mundo do trabalho, o trabalho feminino caracteriza-se por ter menores salários, se comparados com o salário masculino. Nesse sentido, tal cenário “[...] reafirma a tese de que a divisão social e sexual do trabalho, na configuração assumida pelo capitalismo contemporâneo, intensifica fortemente a exploração do trabalho, fazendo-a, entretanto, de modo ainda acentuado em relação ao mundo do trabalho feminino” (NOGUEIRA, 2010, p. 220).

A partir de suas pesquisas, a autora mostra que na contemporaneidade o processo de feminização do trabalho tem um sentido contraditório, pois se o acesso ao trabalho faz parte do processo de emancipação parcial feminina, também precariza o trabalho feminino de modo acentuado, donde a exploração do trabalho feminino segue marcada pela polivalência, multiatividade, baixos salários, sendo realizado predominantemente em tempo parcial (NOGUEIRA, 2004, 2010).

O trabalho parcial das mulheres é maior do que entre os trabalhos masculinos e combina-se com a necessidade do trabalho das mulheres na esfera reprodutiva, o que é imprescindível para o processo de valorização do capital, “uma vez que seria impossível para

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Cf. NOGUEIRA, Claudia Mazzei. A feminização no mundo do trabalho: entre a emancipação e a precarização. In: ANTUNES, Ricardo; SILVA, Maria Aparecida Moraes (Orgs.). O Avesso do trabalho. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. 336p. p. 199-234.

o capital realizar seu ciclo produtivo sem o trabalho feminino realizado na esfera reprodutiva” (NOGUEIRA, 2010, p. 225).

Nesse sentido, para Nogueira (2010), o capital se opõe frontalmente ao processo de emancipação da mulher, pois ele necessita do trabalho feminino no espaço produtivo e reprodutivo, preservando os mecanismos estruturais que geram a subordinação da mulher.

A partir da consideração do caráter “totalizante” do sistema do capital, Mészáros (2011) explica que os complexos sociais sempre funcionam com base em reciprocidades dialéticas. Todas as formas históricas são afetadas pelas características estruturais fundamentais de todo o complexo social, o que impossibilita a plena emancipação das mulheres e uma igualdade verdadeira na família e nas relações sociais entre os sexos.

Assim, dadas as condições estabelecidas de hierarquia e dominação, a causa histórica de emancipação das mulheres não pode ser atingida sem se afirmar a demanda pela igualdade verdadeira que desafia diretamente a autoridade do capital, prevalecente no “macrocosmo” abrangente da sociedade burguesa e igualmente no “microcosmo” da família nuclear. [...] Deixando de se adaptar aos imperativos estruturais gerais do modo de controle estabelecido - conseguindo afirmar-se nos ubíquos “microcosmos” da sociedade, na validade e no poder de autorrealização dos intercâmbios humanos baseados na verdadeira igualdade -, a família estaria em direta contradição ao ethose as exigências humanas e materiais necessárias para assegurar a estabilidade do sistema hierárquico de produção e de reprodução social do capital, prejudicando as condições de sua própria sobrevivência (MÉSZÁROS, 2011, p.271, grifos originais).

A família não pode ser baseada na igualdade verdadeira, posto que está vinculada ao processo de produção e reprodução do capital, tendo um papel na reprodução de valores.

Portanto, se os imperativos alienantes do sistema estabelecido da reprodução econômica exigem um controle social discriminatório e hierárquico, afinado com o princípio antagonista estruturador da sociedade, e o correspondente modo de administrar o processo do trabalho, o “macrocosmos” abrangente desse tipo encontrará seu equivalente em todos os níveis do intercâmbio humano, até mesmo nas menores “microestruturas” ou “microcosmos” da reprodução e do consumo habitualmente teorizados sob o nome de “família”. Inversamente, enquanto o relacionamento vital entre homens e mulheres não estiver livre e espontaneamente regulado pelos próprios indivíduos em seu “microcosmo” autônomo (mas de maneira alguma independente da sociedade) do universo histórico interpessoal dado, com base numa igualdade significativa entre as pessoas envolvidas – ou seja, sem a imposição dos ditames socioeconômicos da ordem sociometabólica sobre eles – não se pode sequer pensar na emancipação da sociedade da influência paralisante que evita a autorrealização dos indivíduos como seres sociais particulares (MÉSZÁROS, 2011, p. 267-8, grifos originais).

Considerando que a mulher tem um papel decisivo na reprodução da família, que por sua vez, ocupa uma posição de importância essencial na reprodução do próprio sistema do

capital, posto que ela é seu “microcosmo” insubstituível de reprodução e consumo, a causa da emancipação das mulheres é impossível no capitalismo (MÉSZÁROS, 2011).

Tudo isso indica uma profunda crise que afeta todo o processo de reprodução do sistema de valores do capital, prenunciando conflitos e batalhas, estando entre estes a luta pela emancipação das mulheres e sua demanda de igualdade significativa – um elemento de crucial importância. Como o modo de funcionamento do capital em todos os terrenos e todos os níveis do intercâmbio societário é absolutamente incompatível com a necessária afirmação prática da igualdade substantiva, a causa da emancipação das mulheres tende a permanecer não integrável e no fundo irresistível, não importa quantas derrotas temporárias ainda tenha de sofrer quem luta por ela (MÉSZÁROS, 2011, p.272, grifos originais).

Portanto, vemos que a análise da opressão das mulheres na totalidade capitalista, como parte do processo de produção e reprodução social, implica considerar a opressão feminina como um dos pilares de sustentação da sociedade burguesa.

Mas com isso, não é possível concluir que a exploração do trabalho da mulher no mercado de trabalho e no espaço doméstico seja o elemento central para a valorização do capital. O capitalismo não escolhe sexo e seu fundamento reside na exploração da força de trabalho, seja de homens ou de mulheres.

Nesse sentido, em O Manifesto Comunista, ao discorrerem sobre o crescimento do trabalho das mulheres na grande indústria capitalista, Marx e Engels disseram que as diferenças de idade e sexo não são importantes para o capital, pois homens e mulheres são componentes indiferenciados da classe trabalhadora.

Quanto menos habilidade e força física venha requerer o trabalho manual, isto é, quanto mais se desenvolve a indústria, tanto mais o trabalho dos homens é substituído pelo das mulheres. Diferenças de idade e de sexo não têm mais validade distintiva social para a classe trabalhadora. São todos instrumentos de trabalho, mais ou menos caros, para serem usados, de acordo com sua idade e sexo (MARX; ENGELS, 1998, p. 20).

Com esta análise, vemos que Marx reconhece o uso das particularidades da condição feminina para maximização dos lucros, mas não atribui à opressão das mulheres um caráter central para a continuidade do capitalismo, posto que o capitalismo se sustenta na exploração da força de trabalho assalariada – seja de homens ou mulheres - para garantir a acumulação de capital.

No debate marxista contemporâneo, compartilhando desta análise, Wood (2003a) argumenta que a opressão de gênero não está necessariamente vinculada à exploração de classe. Ela defende que a exploração de classe é um componente do capitalismo, mas que isto não se aplica às diferenças sexual e racial, apesar de reconhecer que o capitalismo submete

todas as relações sociais às suas necessidades, com a capacidade de reforçar desigualdades e opressões que não criou e adaptá-las aos interesses da exploração de classe.

Para ela, a igualdade racial e de gênero não são antagônicas ao capitalismo e o capitalismo não é incapaz de tolerá-los, algo diferente das lutas pela paz e em defesa da ecologia, que são incompatíveis com o capitalismo. Segundo Wood (2003a), não há necessidade estrutural específica da opressão de gênero no capitalismo, nem mesmo uma forte disposição sistêmica para ela. Ao contrário, o capitalismo tem uma tendência estrutural a rejeitar as desigualdades extra-econômicas (racismo, opressão de gênero). Porém, afirma que isso é uma faca de 2 gumes, pois as lutas concebidas em termos exclusivamente extra- econômicos não representam um perigo para o capitalismo, uma vez que elas podem se sair “vitoriosas” sem destruir o capitalismo, mas ao mesmo tempo, terão pouca probabilidade de se sair realmente vitoriosas caso se mantenham isoladas da luta anticapitalista100.

É interessante registrar que Clara Zetkin já havia levantado esse problema. Demonstrando sua posição anti-reformista, Zetkin destacou que a burguesia não faz oposição radical as reivindicações do movimento feminista burguês, comprovada pela realização de reformas para garantia de direitos em vários Estados capitalistas. Naquela época, na virada do século XIX para o XX, ela já alertava para os limites das reivindicações pela livre concorrência das mulheres com os homens e igualdade de direitos entre os sexos no capitalismo, pois já observava que a exploração capitalista e o desenvolvimento do modo de produção moderno têm conseguido deslocar essas reivindicações101.

Wood (2003 a) retoma a ideia de Marx de que a emancipação da classe trabalhadora encerra a emancipação humana, mas chama a atenção do movimento socialista para o compromisso com a emancipação de gênero, a igualdade racial, paz, saúde, ecologia, entre outras.

Todo socialista deveria estar comprometido com esses objetivos – na verdade, o projeto socialista de emancipação de classe sempre foi, ou deveria ter sido, um meio para o objetivo maior de emancipação humana. Mas esses compromissos não resolvem as questões cruciais relativas a agentes e modalidades de luta, e certamente não resolvem a questão da política de classe (WOOD, 2003 a, p. 227).

100

Cf. WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. Tradução de Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo editorial, 2003 a.

101“A sociedade burguesa não se opõe radicalmente às reivindicações do movimento feminino burguês: isto tem sido demonstrado pelas reformas em favor das mulheres introduzidas no setor do direito público e privado em distintos Estados” (ZETKIN, 1976, p. 105, tradução nossa) Texto original: “La sociedad burguesa no se opone radicalmente a lãs reivindicaciones del movimiento femenino burgués: esto ha sido demostrado por lãs reformas en favor de lãs mujeres introducidas em el sector del derecho público y privado em distintos Estados” (ZETKIN, 1976, p. 105).

A reflexão de Wood (2003 a) conduz a defesa da centralidade da luta de classes para um projeto verdadeiramente emancipatório, visão da qual compartilhamos neste trabalho. Ela parte do pressuposto de que o capitalismo é mais que um sistema de opressão de classe, é um processo totalizador que dá forma a vida.

Será possível, por exemplo, reconhecer que, ainda que todas as opressões tenham o mesmo peso moral, a exploração de classe tem um status histórico diferente, uma posição mais estratégica no centro do capitalismo; e a luta de classes talvez tenha um alcance mais universal, um maior potencial de progresso não somente da emancipação de classe, mas também de outras lutas emancipadoras (WOOD, 2003 a, p. 224).

Conforme Mészáros (2011), nos séculos XIX e XX fizeram-se avanços na questão da emancipação das mulheres dentro dos limites bem demarcados das concessões puramente formais/legais, como a celebrada vitória das sufragistas ou a eliminação de parte da legislação discriminatória contra as mulheres. Ele destaca que a entrada das mulheres no mercado de trabalho no século XX - que chegam a ser maioria nos países de capitalismo avançado - não resultou em sua emancipação. Ao contrário, ocorreu a imposição de salários mais baixos e a participação crescente das mulheres no setor de serviço. E com o encolhimento da margem de manobra do capital, a melhoria das condições de vida das mulheres dentro das margens da ordem se torna irrealizável.

Para Mészáros (2011), essas mudanças não afetaram significativamente as relações de