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2.3 DIREITO UNIFORME E HARMONIZAÇÃO

2.3.4 Código Bustamante

Vimos nas subseções anteriores os meios e formas, no processo de evolução das regras e práticas que buscam uniformizar e harmonizar o comércio internacional.

O Código de Bustamante7 surgiu para normatizar relações quase que

exclusivamente privadas ou subjetivas, destinadas a pacificação das relações entre Estados ou para regular o comércio internacional. (RAMOS, 2015)

Segundo Cárnio (2009), na América Latina também houve esforços para evitar conflitos de leis em contratos internacionais, tal modo que, a iniciativa mais relevante foi a Convenção do Direito Internacional Privado, sendo fruto de uma série de conferências pan-americanas realizada em Washington e com participação de vários delegados de vários países.

Dolinger (2012, p. 229) explica:

Em 1889, ano em que foram aprovados os Tratados de Montevidéu reuniam-se em Washington delegados dos países americanos, dando início a uma série de Conferências Pan-Americanas, que resultaram na aprovação, em 1928, em Santiago de Cuba, do Código de Direito Internacional Privado, projetado pelo jurista cubano Antônio Sánchez y Bustamante, que foi ratificado pelo Brasil, Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, Salvador e Venezuela.

O Código Bustamante pretende ser uma norma abrangente das relações internacionais, em sua natureza privada e entre os países que o ratificaram, no entanto, sua eficácia foi limitada pelo texto no seu art. 7°, assim: ‘’cada Estado contratante aplicará como leis pessoais as do domicilio, as da nacionalidade, ou as que tenha adotado ou adote no futuro a sua legislação interna”. (MOTTA, 2010)

Cárnio (2009, p. 47) complementa:

Uma das principais dificuldades para a aplicação do Código de Bustamante é a insistente referência à “lei local” e à “lei territorial”, sem que tenha sido atribuído um conceito uniforme. O jurista também critica a tentativa de se abarcarem todos os tópicos do direito internacional privado, atribuindo a isso a razão dos fracos resultados alcançados.

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Dolinger (2012, p. 229), ‘’composto de 437 artigos, o Código Bustamante divide-se em Titulo Preliminar e quatro livros, dedicado ao Direito Civil Internacional, Direito Comercial Internacional, Direito Penal Internacional e Direito Processual Internacional”.

Devido às controvérsias do uso do Código Bustamante, alguns autores discordam quanto a sua eficácia na doutrina brasileira. Desse modo, Dolinger (2010, p. 230) faz críticas ao referido Código, aduzindo que:

[...] como decidir em caso de conflito entre o Código Bustamante e a Lei de Introdução Civil? Pontos de Miranda recebeu o Código Bustamante com desprezo, escrevendo que se constituiu em anomalia manter, como no Brasil, “dois sistemas, a Introdução ao Código Civil e o Código de Havana, que aliás é mero tratado, de quase nenhuma aplicação”.

Nas palavras de David (1953 apud CÁRNIO, 2009), o código Bustamante possui regras confusas, apesar de seu intuito original, o elemento em questão fez pouco pela unificação do Direito Internacional Privado.

O Código Bustamante foi aprovado no Brasil através do Decreto nº 5.647, em 8 de janeiro de 1929, promulgado pelo Decreto nº18.871, de 13 de agosto de 1923, entretanto, possui pouca eficácia no Brasil, preferindo os aplicadores de lei, adotar a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a LINDB. (MALHEIRO, 2012)

Dolinger (2010) acrescenta que há outra questão a ser analisada, se devemos aplicar o Código Bustamante nas relações jurídicas com partes não signatários do Código em suas leis, certamente, na doutrina brasileira, se faz basicamente contraria à aplicação do Código nas relações com partes de outro país do que os 15 Estados que ratificaram.

Assim:

Observa-se, contudo que, mesmo admitindo a teoria de que o Código Bustamante não se aplica a questões que envolvem nacionais ou domiciliados em países que não o ratificaram, isso significa que não há aplicação cogente, mas o Código poderá sempre ser invocado como fonte doutrinaria. [...] ao tratarmos das convenções não ratificadas que são aceitas como fontes do Direito Internacional. (DOLINGER, 2012, p. 231)

Cárnio (2009) aponta um ponto positivo ao Código Bustamante, afirmando que tal código constitui o documento que mais abrange e de maior alcance territorial da América Latina, mesmo que duas disposições tenham perdido as forças ao apresentar concessões excessivas ao direito local.

[...] o Código mostrou-se uma obra trabalhosa e ampla, mas ao tentar conciliar as correntes doutrinárias filiadas ao princípio do domicílio com aquelas do princípio da nacionalidade, estabelecendo formulas de compromisso, não apontou regras suficientemente claras e precisas, comprometendo sua eficiência. (CÁRNIO, 2009, p.48)

No que tange aos contratos internacionais no Código Bustamante, Ramos (2015) afirma que o assunto sobre contratos internacionais está disposto no Livro segundo do Código de Bustamante, tal modo que, verifica-se a necessidade do legislador em uniformizar conceitos e entendimentos acerca da matéria.

E completa:

O Código de Bustamante relata em matéria civil e comercial entre países aderentes, como sendo seu princípio geral que a jurisdição seja escolhida pelas partes, desde que haja elemento de fixação de competência, como também prevê a possibilidade de as partes expressa ou tacitamente, submeterem a várias jurisdições. (RAMOS, 2015)

Por fim, o autor conclui seu pensamento afirmando que apesar do Brasil ter ratificado o Código Bustamante, ainda há obstáculos da legislação pátria, de modo que não exerce efetivamente aplicação prática nos contratos internacionais firmados por nacionais em seu território.

No próximo capítulo será abordado, o tema central do presente trabalho: os contratos internacionais e seus aspectos gerais.

3 CONTRATOS INTERNACIONAIS

Passa-se agora a abordagem do capítulo dos contratos internacionais. Nesse primeiro momento, faz-se necessário expor seu conceito, demonstrando as principais diferenças entre o contrato nacional e o internacional, a sua função e importância para o comércio internacional.

Para Malheiro (2012), a função do contrato é adquirir, resguardar, transferir, modificar, conservar ou extinguir direitos. Já para o autor Rodrigues (2004 apud CÁRNIO, 2009), a função social do contrato é ser o centro da vida dos negócios, e seu aperfeiçoamento resultou em um excelente desenvolvimento do comércio.

Fiuza (2007 apud GÓES, 2012, p. 4) considera que os contratos possuem três funções importantes:

a) Econômica: os contratos promovem a circulação de riquezas.

b) Pedagógica: o contrato educa os homens para convivência em sociedade, visto que viabiliza a formação de consensos, acordo de vontades.

c) Social: sintetiza as duas funções anteriores, pois o contrato, sendo fenômeno econômico-social, acabam por promover o bem-estar e a dignidade humana.

Os contratos atuam em um ambiente dominado por questões políticas e econômicas, tal que, se tornam fundamentais para as relações comerciais. (DOMINGUES; OLIVEIRA, 2017)

Bregalda (2007 apud MALHEIRO, 2012, p. 90) conceitua o contrato como ‘’o instrumento pelo qual se celebra um acordo de vontades acerca de determinado objeto. Nele as partes estipulam regras a que ficam subordinadas, criando, assim, direitos e obrigações8”.

Roque (1994 apud POYER, 2014, p. 10) segue o mesmo pensamento quando afirma que ‘’o contrato é um acordo, uma convenção9, um pacto, uma

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A respeito sobre o Direito das Obrigações, este situado dentro do Direito Civil. Miranda (2008, p. 1), define da seguinte maneira: ‘’O direito das obrigações compreende o conjunto de normas que tratam das relações jurídicas entre devedor e credor. Tais normas regulam a responsabilidade que o devedor tem, perante o credor, de cumprir determinada prestação de natureza econômica, garantindo seu compromisso mediante seu patrimônio’’. A autora continua o raciocínio mencionando alguns autores como Silvio Rodrigues, o qual define obrigação como um vínculo de direito pelo qual algum sujeito passivo se propõe a dar, fazer ou não fazer qualquer coisa (objeto), em favor de outrem (sujeito ativo).

avença, um ajuste. Esse acordo é estabelecido entre duas ou mais partes, podendo ser assim um contrato bilateral ou plurilateral”.

Já Annoni (2012, p. 23) usa a seguinte definição:

[...] o contrato é um negócio jurídico bilateral gerado com base na vontade das partes, no intuito de regular seus interesses até os limites permitidos pelo ordenamento jurídico. A principal característica do negócio jurídico é ser um ato voluntario, ou seja, as partes que dele participam devem ter liberdades de consciência e expressão, bem como capacidade para decidirem sobre o que estão realizando.

Importante salientar que o contrato é o acordo em si, não precisando necessariamente ser escrito, podendo ser simplesmente verbal. Neste sentido, assim dispõe o Código Civil Brasileiro:

Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.

Apesar da possibilidade de contrair acordos verbalmente, a fim de oferecer mais segurança jurídica às partes, é recomendável celebrar um contrato escrito.

No que respeita a distinção entre contratos internos e internacionais, Siqueiros (1979 apud STRENGER, 2003, p. 33) discorre que:

[...]. Quando os elementos constitutivos do contrato (partes, objeto, lugar onde se pactua a obrigação, lugar onde deverá surtir seus efeitos) se originam e se realizam dentro dos limites geográficos-políticos de um únicos pais, estamos situados no âmbito interno das obrigações. Inversamente, quando as partes contratantes tenham nacionalidades diversas ou domicilio em países distintos, quando a mercadoria ou o serviço objeto da obrigação seja entregue ou seja prestado além-fronteiras, ou quando os lugares de celebração e execução das obrigações contratuais tampouco coincidam, estaremos no âmbito dos contratos internacionais.

Já para Bregalda (2007 apud MALHEIRO, 2012), um contrato internacional é pactuado entre mais de um Estado soberano, consequentemente, é rígido por mais de um ordenamento jurídico, chamado de elemento de estraneidade, diferentemente no que ocorre num contrato interno, regido por lei de um único Estado.

Em suas reflexões, o autor Strenger (2003) acrescenta que os contratos internacionais são consequências do intercâmbio dos Estados e pessoas, a modo que, uma importante característica dos contratos internacionais é a sua vinculação a

Annoni (2012) explica a expressão convenção no sentido de: ‘’[...] sugerem a presença de vários envolvidos, ou seja, exprimem, por conseguinte, a ideia de que são muitos integrantes interessados em partilhar suas vontades e em assumir obrigações conjuntas”.

um ou mais sistemas jurídicos estrangeiros, além de outros elementos de estraneidade, como o ‘’domicilio’’, a ‘’nacionalidade, a ‘’lex voluntatis’’, a ‘’localização da sede’’, entre outros.

Ainda sobre essas reflexões, Vicente (1979 apud STRENGER, 2003, p. 34) expõe alguns pontos sobre os contratos econômicos internacionais10:

a) São contratos que desenvolvem o intercâmbio de mercadorias, serviços e capitais, entre empresas pertencentes a diferentes países;

b) São contratos nos quais ao menos uma das partes desempenha papel preponderante no meio eletrônico internacional, no que concerne a matéria objeto do acordo;

c) São contratos que – devido à concentração oligopolista dos bens e à atual estrutura do comércio mundial – não só afetam aos Estados diretamente conectados à operação que instrumentalizam, mas a todos os países que integram a área do mercado dos bens ou serviços aos quais se referem;

d) São contratos que – em razão da organização transnacional dos poderes econômicos privados – põem em jogo, direta ou indiretamente, os interesses corporativos do conjunto de empresa que se dediquem habitualmente ao setor de atividades em que se incluam a operação. [..]

No que diz a respeito sobre as partes envolvidas nos contratos, a autora Annoni (2012, p. 24) explica que os contratos podem ser formados por uma pessoa individual ou por várias pessoas, ou seja, um conjunto. Acrescenta-se também que, uma das partes do contrato pode ser formada por várias pessoas naturais, ou por pessoas jurídicas. Entretanto também pode ter como uma das partes um Estado, e a outra parte uma empresa.

May (2007, p. 631) completa que, ‘’os sujeitos da relação contratual são as partes; devem ser capazes. Denominam-se proponente ou policitante – quem faz a oferta; oblato ou aceitante – quem aceita a proposta”.

Ainda nessa ótica, Annoni (2012) conclui o pensamento afirmando que pode existir um terceiro sujeito, diferente do credor e devedor, uma vez que, este ocupa um terceiro lugar na relação contratual, vinculado a uma das partes. O exemplo mais comum é a condição de avalista ou fiador, se tornam garantidores de um determinado contrato, de fato, os garantidores não são partes do contrato, mas sim, as pessoas (naturais ou jurídicas) que visam assegurar para o credor o fiel

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Para Strenger (2003, p. 34) ‘’a qualificadora ‘’econômico’’ não altera, na substancialidade, o nome genérico de contratos internacionais, porquanto será difícil descontruir do escopo das negociações do comércio mundial o aspecto econômico, sejam quais forem seus matizes”.

cumprimento da obrigação, consequentemente, o credor terá a segurança de que a obrigação será prestada mesmo que o devedor falhe.

Na próxima subseção veremos a evolução e o conceito histórico dos contratos, uma vez que é uma parte fundamental para entendê-los atualmente.

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