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Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002)

No documento Ensino domiciliar (homeschooling) no Brasil (páginas 101-105)

regulamente o ensino domiciliar

4.2 Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002)

A ideia que se tem da família tradicional mudou substancialmente. Basta imaginar que, no Código Civil de 1916, em seu art. 233, o marido era considerado o chefe da sociedade conjugal, e que esta somente se configurava mediante o casamento. Restava à mulher o papel de mera colaboradora nos encargos da família. Essa concepção essencialmente patrimonialista e tradicional teve de ser alterada, uma vez que a sociedade evoluiu e as conquistas em todos os campos revelaram a necessidade da alteração legislativa. Cada vez mais se fala em núcleo familiar monoparental, adoção homoafetiva e outros tipos de relacionamento que não mais se coadunam com o modelo legislativo anterior.

As sucessivas transformações legislativas nesta instituição iniciaram na metade do século passado e depararam-se com o advento da Constituição Federal de 1988. A partir de então, inúmeras leis nasceram para adequação das novas perspectivas da família e da sociedade. Por consequência desta evolução humana, o que era aceitável antigamente, hoje, passa a ser abominado pela sociedade, como por exemplo, o poder do pai sobre a vida e a morte dos filhos, ou ainda, a possibilidade de anular o casamento se constatada a esterilidade. Nesta caminhada evolutiva do Direito é necessário acompanhar os

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anseios sociais, sob pena de transformar-se em letra morta. Em razão dessas mutações, várias foram as situações que urgiram respaldo legal, a exemplo da união estável, a adoção, a investigação da filiação, a guarda e o direito de visitas.28

A educação dos filhos também evoluiu juntamente com a conformação patriarcal associada ao chefe da família. As relações

sociais tendem a ser mais cooperativas, tendo em vista o novo arquétipo do homem do Século XXI. O ensino domiciliar representa essa cosmovisão baseada na tolerância com o outro, reconhecendo suas peculiaridades e diferença de comportamento. Amparado pelo novo Código Civil, que dispõe, em seu artigo 1.63429, que compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, dirigirem-lhes a criação e a educação, entende-se haver a necessidade de compreender também esse novo modelo educativo.

Mais uma vez recorre-se ao voto do ministro Franciulli Netto do STJ na decisão do MS 7407/DF. O Ministro, em sua alegação, abaliza o pluralismo fundado na cidadania e na dignidade da pessoa humana como corolários do Estado democrático de direito. A obrigatoriedade da vontade estatal sobre o que é melhor ou pior para a família remonta aos regimes ditatoriais. A ressalva, no caso, dá-se por um controle do Estado quanto à eficiência do ensino ministrado em casa, através de avaliações e outros instrumentos aptos ao trabalho cooperativo, com o único fundamento de, verdadeiramente, proteger os interesses das crianças e dos adolescentes.

O fundamental é aceitar-se o princípio do primado da família em tema dessa natureza, mormente em Estado Democrático de Direito, que deve, por excelência, adotar o pluralismo em função da cidadania e da dignidade da pessoa humana. Levada a

28 BARRETO, Luciano Silva. Evolução histórica e legislativa da família, p. 4. Disponível em:

http://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/13/volumeI/10ano sdocodigocivil_205.pdf.

29 BRASIL, Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406), 10 de janeiro de 2002, Congresso Nacional,

Brasília (DF). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 17/10/2016.

Cláudio Márcio Bernardes | 103 obrigatoriedade de imposição da vontade do Estado sobre a dos cidadãos e da família, menos não fora do que copiar modelos fascistas, nazistas ou totalitários. Vale lembrar, nada obstante, que os educandos devem ser submetidos a frequentes avaliações para se aquilatar a eficiência do ensino ministrado em casa, de acordo com a discricionariedade da Administração, a qual, de sua parte, não se poderá furtar de seu dever pela simples ausência do requisito da frequência diária à escola, uma vez que, como acima já se ressaltou, tal requisito é subsidiário e somente se aplica aos casos em que o ensino se dá integralmente na escola.30

Não se vislumbra, pois, dadas as circunstâncias em que se concebe a nova moldura de família, uma pura e simples ingerência estatal na educação primária daqueles que buscaram uma alternativa ao modelo convencional oferecido pelo próprio Estado. A obrigatoriedade de imposição da vontade estatal sobre a da família rememora modelos totalitários. Um sistema público de ensino nesses moldes em nada contribui para a efetiva transformação do ensino brasileiro.

A concepção democrática contratualista, segundo a qual a sociedade e a nação deveriam vir em primeiro lugar, porque somente constituído em sociedade nacional poderia o indivíduo exercer suas aptidões naturais para a liberdade e igualdade, é aplicável no plano teórico, mas no plano real, a menos que se leve em conta a família. As normas que foram sendo asseguradas e que dizem respeito à participação da família no contexto escolar parecem querer reconhecer isso, mas, de modo real, não funcionam: a família não participa do sistema escolar que, soberano em suas verdades e modo de ser, apenas vê a família como instituição obrigada a fazer o que os técnicos já compreenderam que deve ser feito.31

30 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Mandado de Segurança 7407/DF - Acórdão COAD 132172 -

Rel. Min. Francisco Peçanha Martins - Publ. em 21-3-2005. Disponível em: http://www.mp.go.gov. br/portalweb/hp/42/docs/ms-ensino_fundamental-7407_stj.pdf. Acesso em: 17/10/2016.

31 ANDRADE, Édison Prado de. A educação familiar desescolarizada como um direito da criança

e do adolescente: relevância, limites e possibilidades na ampliação do direito à educação. Tese de doutorado da Universidade de São Paulo (USP), orientação: Roberto da Silva, São Paulo: s.n., 2014,

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A família ocupa uma proeminente posição na escala social, ampliada e potencializada por diferentes entes que a compõem, configurando, atualmente, como dito, uma ressignificação conceitual. A Constituição Federal, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Código Civil estabelecem que a família tem obrigação concorrente com o Estado, não se submetendo à sua tutela em razão da autonomia plena conferida aos pais tanto para dirigir a criação e a educação dos filhos quanto para escolher a modalidade de instrução a ser ministrada.

AGRAVO DE INSTRUMENTO - ANTECIPAÇÃO DA TUTELA - CPC/1973 AUTORIZAÇÃO PARA MATRÍCULA DA CRIANÇA NO SÉTIMO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL - SÉRIE ANTERIOR CURSADA EM SISTEMA DE ENSINO DOMICILIAR COM ORIENTAÇÃO DE INSTITUIÇÃO DE ENSINO PARTICULAR - HOMESCHOOLING - PAIS MISSIONÁRIOS - REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA - AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO DOS PROCESSOS EM CURSO - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO DISTRITO FEDERAL - REJEIÇÃO - MÉRITO - RISCO DE LESÃO INVERSO - VEROSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES DA AGRAVADA - COMPETÊNCIA DO ESTADO E DA FAMÍLIA DE FORMA COMPARTILHADA PARA PROVER A EDUCAÇÃO - RECURSO DESPROVIDO. 1. O Distrito Federal é parte legítima, juntamente com a escola particular, para figurar no polo passivo de demanda que visa a compelir a expedição de autorização para que a menor possa ser matriculada em instituição de ensino privada, após cursar a série anterior em sistema de homeschooling, tendo em vista que a política

educacional é formulada pela administração pública. 2. Apesar do tema ser objeto de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal (REx 888.815/RS), não houve determinação de suspensão dos processos em tramitação. 3. O risco de lesão, na hipótese, é inverso diante do prejuízo a ser suportado pela menor, bem como a verossimilhança do direito encontra-se

p. 291-292. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-10112014- 111617/pt-br.php.

Cláudio Márcio Bernardes | 105 lastreada na Constituição Federal, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Código Civil, pois a família tem obrigação concorrente com o Estado e à sua tutela não se submete, uma vez que compete ao Estado e à família, de forma compartilhada, prover a educação e aos pais é conferida autonomia plena para dirigir a criação e a educação dos filhos, bem como na escolha do gênero de instrução que será a eles ministrada. 4. Recurso desprovido.32

As decisões tomadas de cima para baixo já não combinam com os novos tempos, em que se preceitua a liberdade e igualdade dos indivíduos. Esse novo arranjo familiar, não excludente, representa, mais do que nunca, um microcosmos da sociedade e as famílias homeschoolers clamam por um lugar ao sol, sem ser

ignoradas pelo sistema normativo.

4.3 Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de

No documento Ensino domiciliar (homeschooling) no Brasil (páginas 101-105)