• Nenhum resultado encontrado

Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990)

No documento Ensino domiciliar (homeschooling) no Brasil (páginas 123-126)

regulamente o ensino domiciliar

4.5 Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990)

O artigo 55 da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA) repete a obrigatoriedade da LDB, dispondo sobre a responsabilidade atribuída aos pais de matricularem seus filhos na rede regular de ensino: “Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”.51

Em caso de omissão dos pais ou responsáveis, que viole ou ameace direitos dos menores, a exemplo da recusa de matrícula objetivando o ensino domiciliar, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a aplicação de medidas protetivas (Artigo 98, inciso II; artigo 129 e artigo 249), que podem ser, até mesmo, a suspensão ou perda do poder familiar.

Mais uma vez se argumenta haver um descompasso entre o enquadramento do fato à norma e as medidas sancionatórias. A obrigatoriedade de matrícula visa a punir pais ou responsáveis que agem com desmazelo na educação dos filhos. O imperativo da lei impõe a matrícula em ensino regular e, mais detalhadamente, a frequência obrigatória. Ou seja, um pai que matricula seu filho numa escola pública, obrigando-o a ir à escola, mas não acompanha as tarefas escolares nem participa das atividades escolares estaria regularmente em dia com o objetivo do legislador. Diversamente, um pai que resolveu ensinar os filhos em casa, de acordo com as suas convicções, e não os matriculou no sistema de ensino regular está sujeito a até mesmo perder o seu poder familiar.

JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE - EDUCAÇÃO DOS FILHOS - CONCEITO. Promover a educação dos filhos é dever inerente ao pátrio poder, assim como a subordinação dos filhos ao mando paterno. Por educação compreende-se o esforço tendente a

51 BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069), 13 de julho de 1990. Congresso

124 | Ensino domiciliar (homeschooling) no Brasil

promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral do indivíduo e ajustá-lo às normas comuns de comportamento. A transição do indivíduo para o cidadão é fruto das práticas educativas, implícitas no instituto em estudo. O Código Penal, art. 246, reprime o crime de abandono intelectual, informado pelo fato de deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária de filho em idade escolar... Fora de dúvidas que a subordinação do filho ao mando paterno se inclui no curso ativo da educação.52

O Projeto de Lei 3.261/2015, aqui mencionado, altera a redação de dispositivos da Lei 8.069/1999 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Fica patente também a necessidade do controle estatal sobre o ensino domiciliar, através da possibilidade de se efetuar matrícula e também de se submeter os homeschoolers às

avaliações do sistema educacional público.

Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de proporcionar a seus filhos ou pupilos o ensino relativo aos níveis de educação nos termos da Lei.

[...]

Art. 129. [...]

V - obrigação de matricular o filho ou pupilo na rede pública ou privada de ensino:

a) optando pelo regime presencial deverá acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar;

b) optando pelo regime de ensino domiciliar deverá garantir sua frequência em cumprimento ao calendário de avaliações.53

Essa interferência estatal, ou seja, oferecer avaliação e fazer recenseamento dos aprendizes, pode ser vista como positiva, já que

52 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível 28180- 0/5 - Acórdão COAD 76534 -

Rel. Des. Pereira da Silva - Julgamento em 29-8-1996.

53 BRASIL. Projeto de Lei 3.261, de 8 de outubro de 2015, (Câmara dos Deputados). Autoriza o ensino

domiciliar na educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio para os menores de 18 (dezoito) anos, altera dispositivos da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário

Oficial da União. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichade

Cláudio Márcio Bernardes | 125

o Estado também participa dos deveres constitucionais relacionados à educação. Só que, no caso da proposição da lei, privilegiou-se o entendimento entre os adeptos dessa modalidade e o sistema público de ensino, descortinando-se assim uma infinidade de possibilidades de interação. As famílias

homeschoolers podem participar de atividades escolares

extracurriculares e interdisciplinares, apresentando-se também como parceiras num processo mútuo de ensino-aprendizagem.

[...] alguns pais homeschoolers querem se aproveitar dos

recursos da escola pública local (como atividades extracurriculares, equipes de esportes, biblioteca, computadores e facilidades da internet, materiais de orientação aos professores sobre questões curriculares, entre outros) e reivindicá-los como um direito. Este direito, porém, não é considerado pela maioria das leis estaduais, que entendem terem os pais, ao fazer a opção pelo ensino em casa, encerrado sua ligação com o sistema escolar público e renunciado aos recursos que este tem para oferecer. No entanto, como o número de crianças que estuda em casa continua a crescer, esta é suscetível de tornar-se uma nova fronteira de batalhas legais em prol do homeschooling. 54

Não se pode perder de vista que as liberdades individuais, num Estado democrático, caminham par e passo com as liberdades políticas, não somente, nesse sentido, a política tradicional, mas aquela que traduz o verdadeiro espírito democrático. A participação ativa e contínua dos diversos atores do processo dialogal emerge da “abertura de espírito”, preconizada pela UNESCO no combate à intolerância55. O princípio colaborativo

54 BARBOSA, Luciane Muniz Ribeiro. Ensino em casa no Brasil: um desafio à escola? Tese de

doutorado da Universidade de São Paulo (USP), orientação: Romualdo Luiz Portela de Oliveira. São Paulo: s.n., p. 103-104. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde- 07082013-134418/pt-br.php, p. 103-104. Acesso em 3 de fevereiro de 2017.

55 Organizações das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Declaração de

Princípios sobre a Tolerância, aprovada pela Conferência Geral da UNESCO, 28ª reunião, em Paris, no dia 16 de novembro de 1995. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/ 0013/001315/131524porb.pdf. Acesso em 3 de fevereiro de 2017.

126 | Ensino domiciliar (homeschooling) no Brasil

corrobora a máxima de Montesquieu, quando adverte que o homem vive em sociedade, e que a sua ética moral pauta-se pela conformação com a esfera política. “Tal ser (humano) poderia, a todo instante, esquecer a si mesmo; os filósofos advertiram-no com as leis da moral. Feito para viver na sociedade, poderia nela esquecer-se dos outros; os legisladores fizeram-no voltar a seus deveres com as leis políticas e civis”.56 As leis servem, portanto, para reforçar esse ideal político de participação cidadã, em todas as camadas sociais.

A experiência veio, porém, demonstrar a íntima ligação entre essas duas dimensões da liberdade. A liberdade política sem as liberdades individuais não passa de engodo demagógico de Estados autoritários ou totalitários. E as liberdades individuais, sem efetiva participação política do povo no governo, mal escondem a dominação oligárquica dos mais ricos.57

As alterações propostas pelo Projeto de Lei 3.261/2015 não estão dissonantes com as diretrizes da Convenção sobre os Direitos da Criança, que antecedeu ao Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil. Aliás, consoante o próximo tópico, a Convenção compreende o papel da família na tarefa de melhor educar os filhos, uma vez que os laços afetivos, morais, éticos e religiosos estão entrelaçados umbilicalmente.

4.6 Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990 (promulgou

No documento Ensino domiciliar (homeschooling) no Brasil (páginas 123-126)