• Nenhum resultado encontrado

Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940)

No documento Ensino domiciliar (homeschooling) no Brasil (páginas 105-109)

regulamente o ensino domiciliar

4.3 Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940)

O abandono intelectual é previsto no Código Penal Brasileiro (art. 246) e estabelece sanção a quem: “Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar”33. O abandono intelectual consuma-se no momento em que os pais não matriculam os filhos, em idade escolar, nos estabelecimentos de ensino da rede pública ou da rede particular.

Alguns tribunais brasileiros têm entendido que, de acordo com o referido artigo 246 do Código Penal, as famílias adeptas do

homeschooling, as quais, pela sua escolha, não matricularam seus

filhos em alguma instituição de ensino, estariam ofendendo o

caput do artigo mencionado. Entretanto, há justa causa, quando,

32 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS, AGI-20160020061445,

Data de Julgamento: 1/09/2016, 5ª turma cível, Relator: Josapha Francisco dos Santos, Publicado no DJE: 8/09/2016, p. 423/430.

33 BRASIL, Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848), de 7 de dezembro de 1940, Congresso

Nacional, Brasília (DF). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto- Lei/Del2848.htm. Acesso em 9 de fevereiro de 2017.

106 | Ensino domiciliar (homeschooling) no Brasil

por exemplo, não existir instituição de ensino na região ou o acesso a esta é extremamente difícil.

Nesse ponto, novamente recorremos à decisão exarada no Mandado de Segurança nº. 7.407/DF, do STJ, em que se decidiu pela criminalização da família homeschooler, aplicando-lhe pena

restritiva de direitos.

Os filhos não são dos pais, como pensam os Autores. São pessoas com direitos e deveres, cujas personalidades se devem forjar desde a adolescência em meio a iguais, no convívio social formador da cidadania. Aos pais cabem, sim, as obrigações de manter e educar os filhos consoante a Constituição e as leis do País, asseguradoras do direito do menor à escola (art. 5º e 53, I, da Lei nº 8.096/90) e impositivas de providências e sanções voltadas à educação dos jovens como se observa no art. 129, e incisos, da Lei nº 8.096/90 supra transcritos, e art. 246, do Código Penal, que define como crime contra a assistência familiar "deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar", cominando a pena de "detenção de quinze dias a um mês, ou multa, de vinte centavos a cinquenta centavos".34

Outras decisões de alguns tribunais brasileiros também consideram como crime a conduta de quem adotou a modalidade de ensino doméstico e não matriculou seus filhos em alguma instituição de ensino público ou privado.

ABANDONO INTELECTUAL - EVASÃO ESCOLAR. [...] Resta provado, ante o conjunto da prova ter a ré praticado o delito denunciado, de abandono intelectual, omitindo-se no seu dever legal em manter seu filho estudando, tendo a vítima deixado de frequentar a escola na segunda série do ensino fundamental, exatamente no período em que preponderava a vontade dos pais.35

34 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MS 7407/DF - Acórdão COAD 132172 - Rel. Min. Francisco

Peçanha Martins - Publ. em 21-3-2005. Disponível em: http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/42/ docs/ms-ensino_fundamental-7407_stj.pdf. Acesso em: 17/10/2016.

35 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL - Rec. Crim. 71001667039 - Relª Juíza Angela

Cláudio Márcio Bernardes | 107 JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE - EDUCAÇÃO DOS FILHOS - CONCEITO. Promover a educação dos filhos é dever inerente ao pátrio poder, assim como a subordinação dos filhos ao mando paterno. Por educação compreende-se o esforço tendente a promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral do indivíduo e ajustá-lo às normas comuns de comportamento. A transição do indivíduo para o cidadão é fruto das práticas educativas, implícitas no instituto em estudo. O Código Penal, art. 246, reprime o crime de abandono intelectual, informado pelo fato de deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária de filho em idade escolar... Fora de dúvidas que a subordinação do filho ao mando paterno se inclui no curso ativo da educação. 36

Numa interpretação teleológica e empírica, consegue-se alcançar o escopo do legislador penal quando tipificou o abandono intelectual e impôs sanções aos pais que deixassem de prover a instrução primária de filho em idade escolar. O contrário disso seria deixar crianças e adolescentes a própria sorte, optando por estudar ou não estudar, num contexto em que as decisões podem refletir sobremaneira no futuro. A atitude dos pais que não fazem a matrícula sem justa causa pode denotar negligência ao abrirem mão do legado educacional que deveriam deixar para os seus filhos. Quanto aos pais que não matriculam seus filhos em idade escolar numa escola primária, mas que adotam a modalidade

homeschooling, não deveriam ser rotulados com o sinal de abandonadores de incapaz. Em vez de criminalizar a atitude de

quem busca alternativa ao modelo convencionalmente imposto, o Estado brasileiro deveria trazer o assunto à luz, principalmente no âmbito do Poder Legislativo.

Reconhecer o homeschooling como uma forma de prática do

crime de abandono intelectual é contrariar o próprio elemento do

36 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO- Ap Cív 28180- 0/5 - Acórdão COAD 76534 - Rel. Des.

108 | Ensino domiciliar (homeschooling) no Brasil

tipo penal, além de configurar explícita ofensa ao princípio da intervenção mínima, alhures mencionado. Os pais que providenciarem a instrução do filho em casa não praticam omissão punível, fato esse que torna inviável enquadrar tal conduta no artigo 246 do Código Penal brasileiro. Destaca-se, ainda, a ausência de justa causa, uma vez que alguns pais que fazem a opção pelo homeschooling certamente assim agem na

tentativa de assegurar aos filhos que outros bens sejam preservados, tais como a vida e a integridade física e mental.37

As reduzidas decisões dos tribunais penais brasileiros que condenam os pais por suposto abandono intelectual levantam uma hipótese. Apesar de serem poucas e afastadas no tempo, elas refletem um sistema normativo que nada mudou em relação ao assunto que aqui se trata. Ou seja, os fatos sociais mudaram, mas a legislação não. De acordo com o princípio da intervenção mínima, somente justifica a intervenção do direito penal quando os demais ramos ou setores do direito se mostrem incapazes ou ineficientes para a proteção ou controle social. No mais o que deve ser protegido, verdadeiramente, é a dignidade da pessoa humana, invioláveis, pois, os direitos à liberdade, à vida, à igualdade. A limitação a esses direitos ou garantias constitucionais explica-se quando houver alguma ofensa jurídica ou ameaça a outrem, cerceando-lhe justamente algumas das garantias constitucionais. O princípio da intervenção mínima do direito penal constitui limitador do poder punitivo estatal, impondo-se como caminho inescapável para conter intervenções arbitrárias do Estado.

O abandono intelectual, a justificar uma intervenção estatal, tem lugar quando se constituir meio necessário à proteção de bens jurídicos ou à defesa de interesses juridicamente indispensáveis à coexistência harmônica e pacífica da sociedade. A instrução primária das crianças e dos adolescentes não está umbilicalmente ligada à escolarização. Existem várias formas de prover os estudos,

37 COSTA, Fabrício Veiga. Homeschooling no Brasil: uma análise da constitucionalidade e da

Cláudio Márcio Bernardes | 109

principalmente considerando a era digital, a qual ainda não chegou com força nas escolas públicas.38 Essa instrução se dá cuidadosa e paulatinamente em vários ambientes, sendo a escola um deles, mas não o único.

Cabe destacar, por oportuno, que os pais que se habilitam a promover a instrução primária de seus filhos, tarefa que não tem nada de singela, não podem ser tomados por negligentes, muito menos criminosos. A instrução técnica, nesse caso, é oferecida a partir de outra modalidade de ensino. Quanto aos pais adeptos do ensino em casa que privam seus filhos do contato com outras pessoas, tolhendo-lhes a liberdade, escamoteando a sua capacidade de praticar o lúdico, de conviver com as diferenças, ou seja, de não ter acesso ao mundo exterior, podem responder por crimes relacionados ao cárcere privado. Definitivamente, a modalidade em estudo não é a mesma coisa, e isso será amplamente demonstrado em nossa pesquisa.

4.4 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº

No documento Ensino domiciliar (homeschooling) no Brasil (páginas 105-109)