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c A psicodinâmica do suicídio segundo Edwin Shneidman

CAPITULO 2: O SUICÍDIO E O SEU LEGADO: ASPECTOS DA MORTE AUTO-

2.2. c A psicodinâmica do suicídio segundo Edwin Shneidman

Ao final de sua carreira, num artigo intitulado Suicide as Psychache, o iminente suicidologista Edwin Shneidman (1993) afirmou que após mais de quatro décadas de estudos, poderia resumir todas as suas descobertas numa única frase com cinco palavras. Essa frase então seria: “Suicide is caused by psychache” (O suicídio é causado por psychache). O termo psychache é um neologismo criado por este autor partir das palavras em inglês para designar ―psiquismo‖ e ―dor‖ e pode ser traduzido como ―dor psíquica intolerável‖.

Inicialmente inspirado nas teorias da personalidade de Henry Murray e em sua compreensão das necessidades psicológicas básicas do ser humano, Shneidman considerava o suicídio como o resultado final da confluência de um máximo de dor, perturbação e pressão. A dor psicológica seria resultante da frustração das necessidades psicológicas mais básicas do ser humano, sendo o componente central do suicídio. O fator de perturbação refere-se a

qualquer distúrbio, como os transtornos e os déficits mentais construídos ao longo da vida, e que tornam os sujeitos mais vulneráveis. A pressão estaria relacionada com aos estressores como eventos adversos de vida capazes de precipitar as crises suicidas agudas. Podemos citar como exemplos um diagnóstico recente de câncer, a descoberta de uma traição conjugal, o termino de uma relação, a morte de alguém querido ou o mesmo o endividamento excessivo.

Segundo Shneidman, o suicídio é o fruto da confluência e da interação das vulnerabilidades individuais, dos estressores situacionais e da vivência de um sofrimento psíquico sentido como intolerável por quem o vive (Leenaars, 1999).

Dentre estes elementos, porém, Shneidman defende que o elemento mais importante à ocorrência do suicídio era a vivência de um sofrimento tido como intolerável pelo indivíduo. Esta vivência é comumente reportada em notas e cartas suicidas, impondo uma força tão esmagadora na vida destes indivíduos, que arrasta junto consigo tudo ao redor. Shneidman (1993) a descreve como algo que lhes parece interminável e intolerável, tornando-os desesperados e incapazes de encontrar qualquer outra solução para o seu problema em vida. Pela pressão que esta dor impõe, o suicídio passa a ser compreendido pelos indivíduos como a melhor solução encontrada para o alívio da tensão.

Shneidman (1993) nos lembra que todos os esforços para correlacionar o suicídio a variáveis não psicológicas e simplistas (como o sexo, a idade, a raça, o nível socioeconômico), correlacioná-lo aos eventos adversos de vida, ou mesmo, às categorias psiquiátricas (inclusive a depressão), geralmente são imprecisos. Para ele, esta imprecisão se dá na medida em que a maioria destes esforços costuma ignorar a variável a mais relevante dentre todas, tanto pela sua recorrência como pela centralidade com que surge nas investigações clínicas. Para Shneidman (1993), o sofrimento psíquico intolerável é o elemento chave para a explicação do comportamento suicida e todos os demais fatores só são relevantes

quando estão em associação a esta vivência. Shneidman chegou mesmo a afirmar que sem psychache não há suicídio (Shneidman, 1993).

O psychache tem muitas faces, pois se correlaciona com um amplo espectro de afetos tidos como intoleráveis. Ele pode encarnar sentimentos como a vergonha, o medo, a angústia, a humilhação, desesperança, a solidão ou o que seja. Esta dor está relacionada às necessidades psicológicas frustradas e torna-se mais perigosa na medida em que ela encontra em seu caminho, eventos críticos de vida e fragilidades psicológicas. Shneidman frisa, entretanto, que cada indivíduo apresenta um limite próprio do que pode ser considerado suportável. Cada sujeito desenvolve ao longo se sua história pessoal uma disposição idiossincrática, que reflete aquilo o faz se apegar a vida e o aquilo que o torna vulnerável ao suicídio (Shneidman, 1993).

Partindo desta compreensão e de diversos estudos empíricos, Shneidman (1993) tece algumas importantes pontuações sobre o suicídio e sobre a dinâmica da crise suicida. Em primeiro lugar, ele pontua que as crises suicidas em sua fase aguda, os períodos de grande o risco e letalidade, ocorrem geralmente em intervalos de relativamente curta duração. O pico de autodestruição de um indivíduo pode ser contado em períodos de horas ou dias, ele nunca dura meses ou anos. Entretanto, apesar da impossibilidade de se viver na crise aguda por mais do que alguns dias, pode-se manter um estado crônico de autodestruição e alimentar atitudes autolesivas por anos a fio (Leenaars, 1999).

Para Shneidman, a melhor caracterização do indivíduo suicida é aquela da pessoa que ―quer e não quer‖, o protótipo da pessoa que corta a garganta e grita por ajuda ao mesmo tempo. Mesmo no momento mais crítico da crise, o suicida não está certo de sua intenção de morrer, pois se fazem presentes neste momento tanto o desejo de viver quanto o desejo de por termo a vida. Neste sentido, Shneidman nos chama atenção para o importante papel da ambivalência na crise suicida (Leenaars, 1999).

Uma terceira pontuação importante de Shneidman é o fato de que o suicídio é sempre um evento interrelacional. A dimensão interrelacional do suicídio é relevante em duas fases da abordagem do contexto suicida: na fase da prevenção e na fase da posvenção. Na prevenção, é necessário levar em conta e abordar a influência exercida por outras pessoas que, por alguma razão, são significativas para o desencadeamento da crise suicida em um determinado indivíduo. Na segunda fase, a fase da posvenção, se torna necessário lidar com os impactos que a morte por suicídio acarreta na vida das pessoas próximas da vítima. Embora seja óbvio que a tragédia do suicídio é tecida na cabeça de quem se mata, é também verdade, que a maior parte dos suicídios ocorre com uma resposta a severas tensões interrelacionais entre duas pessoas, como o marido e a esposa, um pai e um filho, etc (Leenaars, 1999).

Para Shneidman, o propósito comum a todo suicídio é a busca de solução e o alívio para o fluxo de uma dor psicológica tida como intolerável. Esta busca geralmente por meio da cessação da consciência. No auge de uma crise suicida, os indivíduos vivenciam um estado emocional fortemente marcado pela desesperança e pela ambivalência quanto ao sentido de seu ato. Geralmente, estes indivíduos apresentam um quadro de restrição perceptiva e tentam fugir de um modo abrupto e imediatista. Muitas vezes, eles conferem ao seu ato um caráter de comunicação interpessoal e ele passa então a ter o valor de uma mensagem a ser interpretada por pessoas próximas. Shneidman define como os elementos mais constantes ao longo da vida de um indivíduo suicida o baixo nível de tolerância e de pouca capacidade enfrentamento de situações adversas (Leenaars, 1999).