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A V ISÃO M ULTIDISCIPLINAR DE P ROFISSIONAIS

Q UADRO 9 P APEL DO ACS C

5.4.1 C ARÊNCIA E STRATÉGICA

“Tem o discurso, mas a prática é totalmente diferente.”

(Membro da coordenação central)

Segundo membros da coordenação do PSF no município que foram entrevistados não existe uma política para o trabalho com DSS no PSF do município de São Paulo. Esta carência, abordada pelos membros da coordenação foi situada no contexto de não priorização do trabalho de promoção da saúde por parte dos governos, de dificuldade de se trabalhar numa metrópole do tamanho de São Paulo, de falta de compreensão sobre a determinação social da saúde, de extensa

demanda por assistência curativa e do pouco tempo de implantação do programa. As narrativas citadas abaixo exemplificam este contexto de dificuldades.

 Não priorização do trabalho de promoção da saúde por parte dos governos

“Não existe um programa organizado aqui da coordenação. Não é nem da coordenação, acho que a coordenação é reflexo de uma política maior. Eu acho que não existe no município, nem na secretaria” (Membro da

coordenação central).

“Tem todo um grupo de formação que cria os indicadores e faz um papel maravilhoso de informação para o gestor central se orientar, pra coordenação central se orientar mas, por exemplo, eu batalhei para que entrasse um indicador de promoção, mas não saiu, saiu ouvidoria. É uma questão de cultura mesmo. É uma questão de priorização” (Membro da

coordenação central).

“Todo mundo tá falando de avaliação, de institucionalizar a avaliação em todos os níveis... então a promoção também, eu acho que não tá consolidado mesmo, tem o discurso, mas a prática é totalmente diferente”

(Membro da coordenação central).

 Dificuldade de se trabalhar numa metrópole do tamanho de São Paulo

“O que eu sinto é que as dimensões de trabalho no município de São Paulo são tão grandes, que as ações muitas vezes não conseguem impactar lá na ponta. O planejamento se dá no nível central, vai pro regional, do regional pras supervisões, das supervisões pra chegar na ponta parece que vai esvaziando o impacto dessas ações e quando chega na verdade na ponta, chega de forma muito leve, muito incipiente. Então eu acho que ações concretas precisam ser despertadas no sentido contrário, não do central pra ponta, mas da ponta pra impactar na mudança das políticas municipais, sabe eu acho que nós precisamos trabalhar do ponto de vista de conscientização tanto da população que é usuária, quanto dos profissionais que trabalham no PSF, pra fazer com que a questão da transformação da realidade seja uma necessidade, porque ainda não tem sido” (Membro da

coordenação central).

 Falta de compreensão sobre a determinação social da saúde

“Eu acho que não é dado muito instrumento, nem meios. Inclusive porque as pessoas nem sabem o que é processo saúde – doença e nem sabem o que é determinante social, pra começar, você vai contar nos dedos quem tem uma visão de mundo que consiga. (...) O buraco é bem mais embaixo. (...) As pessoas ficam falando em ação de promoção, que a equipe tem que fazer ação intersetorial, mas a ação intersetorial, coitado, cai na mão do agente comunitário, que tem que correr na creche pra achar a vaga”

(Membro da coordenação central).

“As pessoas não entendem o que seja isso, se articular com o conselho tutelar, poucas coisas nesse sentido, eu acho que não tem instrumento. Eu

acho que não tem esse entendimento nem no nível central, dessa forma. Existe atualmente um grupo intersetorial que tá trabalhando com morador de rua, que eu acho que é a primeira vez que eu vejo aqui dentro 2, 3 secretarias se reunirem pra ver como é que vai tratar o assunto de morador. Então isso como política de um governo ou de uma secretaria, não existe. Ai chega lá na base do jeito que as pessoas entendem, como podem fazer”

(Membro da coordenação central).

 Extensa demanda por assistência curativa

Ainda vejo as equipes trabalhando no sentido de atender demandas pontuais, a população pedindo a resposta a necessidades físicas, e as equipes não conseguem avançar além disso, ficam naquele ciclo de apagar incêndio, de apagar incêndio sem trazer pra garantia do que é realmente preconizado pelo PSF e que é missão mesmo, a atenção básica” (Membro

da coordenação central).

 Pouco tempo de implantação do programa

“A gente ainda tá num nível tão incipiente do programa que nós não conseguimos avançar além do atendimento das demandas, que a gente sabe que a própria história de implantação do PSF no Brasil tem mostrado que num primeiro momento, a tendência é aumentar a busca por consultas, por internações, por exames, até porque você deixa de ter uma demanda espontânea e passa a fazer busca ativa na casa do paciente. O PSF de São Paulo, pelo tempo de implantação que ele tem, ele ainda tá nessa fase de aumentar as demandas por doença, nós precisamos chegar numa outra etapa de implantação do programa que é a de intervir no processo saúde – doença, nos determinantes do processo saúde – doença, pra que esse processo patológico não se instale e nós não conseguimos chegar lá ainda, nem em termos de prática, nem em termos de formação” (membro da

coordenação central).

Membros de instituições parceiras do PSF trazem preocupações parecidas e somam a este contexto de dificuldade a alta rotatividade dos membros da coordenação central.

“Existe uma diretriz nacional que não consegue se colocar como ela deveria em todos os momentos. Há nuances políticas, politiqueiras, que fazem comprometer esse programa. (...) As normas e as diretrizes não conseguem se implementar realmente. Isso a gente nota em tudo quanto é lado. Seja na formação das pessoas, na própria valorização dos elementos do governo, na própria valorização dos elementos da academia, extremamente importante, eu que estou ali de frente pros médicos - eles não estão preparados para a chamada integralidade. Por que se a integralidade for bem feita, nós vamos integrar nível local e vamos integrar com outros níveis, e aí a eqüidade e a intersetorialidade elas fazem parte, se eu conseguir ser o mais integral possível, eu não vou ter a coisa contrária à entidade e eu vou precisar da intersetorialidade e eu vou costurar isso. Mas tem que ter uma

vontade política essencial, e que passa lá na frente pra isso acontecer” (Membro de instituição parceira).

“A gente não conseguiu fazer essa virada. (...) A gente não tá pronto pra essa discussão. Em vários espaços, esse sofrimento, o adoecimento, desenvolvido de forma muito intensa” (Membro de instituição parceira). “Como trabalhar isso também com os colegas, como lidar com essas mudanças constantes, no processo de construção do PSF. É um determinante importante do resultado que a gente consegue atingir na comunidade. Essas idas e vindas, os desafios do PSF, as dificuldades, fazem parte até de desbravar essa nova proposta na cidade de São Paulo, mas isso aniquila um pouco as equipes, as comunidades” (Membro de

instituição parceira se referindo a rotatividade na coordenação central).

“Tem muita rotatividade, a gente tem que estar, de certa maneira, um pouco pra frente e um pouco pra trás” (Membro de instituição parceira se referindo

a rotatividade na coordenação central).

A carência estratégica para o trabalho com DSS no PSF do município se reflete no discurso dos ACS, que não se sentem apoiados para este tipo de trabalho.

“Tá vendo? Você tem apoio?” (ACS A) “Da comunidade eu tenho. A comunidade está presente, é muito legal.” (ACS B) “Mas é a comunidade mesmo que apóia. A pessoa acredita em você, e quer fazer transformação.”

(ACS A) “Isso é o PSF.” (ACS C) “Só que o PSF lá de cima não apóia a

gente, não.” (ACS B) “Mas quando o PSF te colocou lá, ele acreditou em você, que você tem capacidade pra estar fazendo essa parceria com a comunidade.” (ACS C) “A gente é humano, a gente não é máquina.” (ACS

B) “Mas a fé também precisa ser trabalhada. Você tem, mas eu tô falando

pelo lado delas.” (ACS D) “Eu acho que o parceiro e o ministério podia apoiar mais nós. Nós temos um valor, o PSF é muito importante dentro da comunidade, eu tenho a minha comunidade, você se importa em dar artesanato, famílias bem estruturadas, famílias que agora já não vivem de mal do marido, falando que vai separar, é um novo motivo pra se agarrar. Por que a gente teve a idéia e depois foi lá, mas eu acho que isso tem que ser valorizado pelo governo, pelo parceiro” (ACS B).

Membro de instituição parceira fala de estratégia utilizada por sua instituição para trabalhar programaticamente com os DSS. Uma experiência riquíssima que merece ser melhor explorada.

“Nós temos uma experiência interessante (com DSS) nas 14 unidades que nós acompanhamos. Nós montamos uma classificação de famílias de risco. E apontamos uma série de situações com determinantes, que seriam importantes pra gente ficar mais atento. Nós chegamos em algumas questões biológicas, sociais e condições ambientais. Isso foi muito interessante, esse processo, porque de fato ele foi construído com as equipes. Surgiu a idéia a partir da equipe de saúde bucal, eqüidade, acesso ao serviço, e nós transportamos essa discussão pras condições da família. Começamos a discutir que determinantes seriam esses, que condições que nos teríamos, que passar a considerar, o processo de monitoramento de outras práticas e ações que teria que se passar a desenvolver. Sair da intervenção individual, porque o PSF traz isso, o prontuário familiar, mas

ainda a prática dos nossos profissionais é muito voltada pro sujeito. E foi muito interessante ,porque a gente passou pras equipes, as equipes discutiram, devolveram e chegamos até a colocar uma pontuação. Algumas unidades se apropriaram e trabalham até hoje com esse planejamento, tem tantas famílias dentro dessas condições. E outras ainda estão no processo de assumir essa nova visão. O que de fato a gente faz na nossa prática, como a gente organiza o nosso trabalho. Essa lógica do coletivo, da família, da comunidade, é difícil mesmo, por conta da formação dos profissionais e do que ainda o PSF tem sido, ele tem funcionado em função de uma demanda, e não de uma necessidade. Sair da pressão da demanda. Foi interessante, algumas unidades conseguiram, têm trazido um olhar diferente pra equipe de saúde da família. Trabalhar com determinantes, os agentes comunitários têm isso mais. O médico, o enfermeiro, os outros técnicos, eles ainda não conseguem colocar isso como algo importante pra ser alvo de seu planejamento, pra ser alvo de suas ações. Eu acho que essa é uma experiência mais interessante que possibilitou uma mudança de visão e de prática das equipes” (Membro de instituição parceira).

A gerência lembra da estratégia das subprefeituras como uma potencialidade a ser explorada, por facilitar a integração entre as ações e, portanto, a ação sobre os DSS.

“Eu acho que a subprefeitura foi uma estratégia, se você olhar de cima ela era interessante, mas não vingou, porque, eu acho assim, juntar a Secretaria do Verde, da Educação, o Serviço de Assistência Social, a Saúde, é uma boa idéia, porque todo mundo as vezes trabalha com as mesmas pessoas, são as mesmas pessoas que vão no parque, que tão morando em condições ruins, são as que precisam de vaga na creche, na escola, enfim, são as mesmas pessoas, mas todo mundo trabalhando de uma forma isolada. Eu acho que falta uma gestão política, é gerencial, ter um norte pra se seguir, alguns bairros tão criando esses encontros, mas ele é mais marginalizado do que oficial, porque as instâncias governamentais mesmo, as subprefeituras, não têm participado” (Gerente).

Temos, portanto, uma identificada carência de política de trabalho com DSS no PSF do município. Está carência é verbalizada por membros da coordenação central em um contexto de dificuldades que necessitam ser superadas. Como possíveis estratégias para auxiliar na construção de uma política de trabalho com DSS no programa, foram mencionadas a estratégia das subprefeituras e o desenvolvimento de uma ação programática nas unidades, que considerem a vulnerabilidade social das famílias e não somente o risco biológico. A falta de política para o trabalho com DSS se reflete na fala dos ACSs que não se sentem apoiados para o trabalho com DSS.