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Q UADRO 4 – O RGANIZAÇÃO DO CAMPO DE PROMOÇÃO DA SAÚDE – M ODELO II.

1.3.1 I NFLUÊNCIA I NTERNACIONAL

Diversos fatores contribuíram para o desenvolvimento do Programa Saúde da Família (PSF) no Brasil. A influência internacional se fez presente, em parte, através do incentivo da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a incorporação de políticas públicas voltadas para a atenção primária como estratégia de organização do sistema de saúde.

MENDES (2002) nos chama a atenção para a implantação dos distritos sanitários na década de 80 – centrados na idéia de territorialização – implementados em diversos municípios brasileiros, impulsionados pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Em 1990, com base em um programa da OMS, a OPAS propõe para as Américas o desenvolvimento de Sistemas Locais de Saúde (SILOS), com o objetivo de estimular a reorientação dos sistemas de saúde para um modelo voltado para comunidades específicas e fortalecer a atenção primária à saúde.

O conceito de atenção primária tomou força em 1977, por ocasião da Assembléia Mundial de Saúde. Nesta assembléia, a atenção primária à saúde foi defendida como a principal estratégia para a obtenção do objetivo Saúde para Todos no Ano

2000. O documento produzido na conferência, conhecido como Declaração de

Alma-Ata, definiu atenção primária como:

“Atenção essencial à saúde baseada em tecnologia e métodos práticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornados universalmente acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis para eles e a um custo com que tanto a comunidade quanto o país possam arcar em cada estágio de seu desenvolvimento, um espírito de autoconfiança e autodeterminação. É parte integral do sistema de saúde do país, do qual é função central, sendo o enfoque principal do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com os sistemas nacionais de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de ação continuada à saúde” (WHO, 1978, p. 1).

A declaração de Alma-Ata situou a atenção primária como estratégia fundamental para a saúde pública. Ela propôs uma atenção primária no sentido amplo, incluindo

o combate à desigualdade e o estímulo ao desenvolvimento econômico, a participação popular e comunitária, a ação intersetorial, a responsabilidade dos governos e a cooperação internacional.

Pós Alma-Ata, estratégias de atenção primária se expandiram em diversos países, no entanto, apesar da ampla definição do conceito de atenção primária elaborado na conferência, sua implementação tornou-se cada vez mais estreita, dominada por estratégias seletivas verticais, tomando como base sub-populações ou doenças. As críticas à atenção primária seletiva foram muitas, incluindo: (1) desconsideração do contexto socioeconômico; (2) predisposição para desigualdade de acesso à saúde; (3) propensão para focalizar apenas alguns agravos e ciclos de vida e circunstâncias de vida; (4) lógica perversa do financiamento por doença; e (5) fragmentação do individuo (PAHO, 2007). Assim, em contraponto às estratégias adotadas nos países de focalização e seletividade da atenção primária, constituiu- se um movimento de renovação da atenção primária à saúde, visando atender aos aspectos anteriormente negligenciados.

Com base nas críticas às estratégias de implementação da atenção primária e no contexto de renovação da saúde pública, em 1996, a OMS desenvolveu na região da Europa, a Carta de Lubliana, sobre a reforma dos cuidados com a saúde. A carta foi um marco importante para a atenção primária à saúde, por propor em nível ministerial para cinqüenta e seis países, a orientação dos sistemas de saúde para a atenção primária como filosofia (WHO, 1996).

O termo atenção primária pode ter vários significados2. A categorização mais difundida sobre o tema foi desenvolvida por VUORI (1984), que se refere a quatro distintos planos de significação: atenção primária como conjunto de atividades, como nível de atenção do sistema de saúde, como estratégia e como filosofia.

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Estamos utilizando de forma análoga neste estudo os conceitos atenção primária e atenção básica. Alguns autores utilizam o termo atenção básica como forma de evitar a possível associação do termo atenção primária com uma atenção simplificada de baixo custo. Da mesma maneira, autores optam pela utilização do termo atenção primária para fugir da associação do termo atenção básica com uma “cesta básica” de atenção à saúde (PAIM, 2003). NARVAI (2005) trata os termos atenção básica e primária de forma análoga dando a eles o significado de atenção primeira, o que não atribui ao termo julgamento de complexidade.

1. Atenção primária como conjunto de atividades

Segundo VUORI, esta caracterização tem o benefício da simplicidade, porém ela acaba por qualificar o trabalho dos profissionais da atenção primária como inferior ou de menor importância, em relação às atividades mais especializadas ou de maior complexidade tecnológica.

2. Atenção primária como nível de atenção do sistema de saúde

A segunda categoria avança em relação à primeira, por enfatizar a função resolutiva da atenção primária quanto aos problemas mais comuns de saúde da população (MENDES, 2002).

3. Atenção Primária como estratégia

Nesta categorização, atenção primária deixa de ser somente a porta de entrada do sistema para tornar-se o centro organizador do sistema de saúde como um todo, facilitando sistemas de referência e contra-referência e permitindo um serviço de saúde integral. O grande avanço desta significação está na proposição de inter-relação entre os diferentes níveis de atenção, que passam a compor um sistema único, que visa responder as necessidades da população de forma integrada. Segundo VUORI (1984), esta categoria encaminha o enfoque para a saúde e não para a doença, privilegiando a promoção da saúde ao invés do tratamento, a atenção integrada ao invés da atenção por episódio, o clínico geral ao invés do especialista, o trabalho em equipe ao invés do consultório individual, além de priorizar a colaboração intersetorial e a participação comunitária.

4. Atenção primária como filosofia

Esta caracterização, segundo Vuori, é de difícil operacionalização, porém é a mais importante, por enfatizar os princípios de eqüidade, resolutibilidade, solidariedade e aceitação dos determinantes sociais de saúde na atenção primária.

Em sintonia com a Carta de Lubliana e também com base no conceito de atenção primária como filosofia, toma força, em 2003, o movimento de renovação da atenção primária na região das Américas. Na ocasião, é ratificada a Resolução CD44. R6, que traz recomendações para os países membros e para a coordenação da OPAS, no sentido da reorientação dos sistemas de saúde para a perspectiva da

atenção primária. Este movimento regional é impulsionado por um movimento internacional sinérgico, que compôs um montante crescente de evidências dos benefícios da orientação dos sistemas de saúde para a atenção primária.

Internacionalmente existe um reconhecimento cada vez maior de que a atenção primária à saúde representa uma abordagem poderosa para fortalecer a capacidade da sociedade de reduzir iniqüidades na área de saúde e combater as causas de saúde precária e de iniqüidades sociais (PAHO, 2007). Partindo de uma definição de saúde como direito humano e produto sociocultural, econômico e político, a direção da OMS nas Américas define que os esforços para a saúde devem lidar com todos os seus determinantes, inclusive aqueles que transcendem o âmbito sanitário. Segundo a diretora da OPAS, o entendimento da ampla determinação da saúde e a necessidade de trabalharmos com todos os seus determinantes, lançam a atenção primária como estratégia ideal para prover e proteger a saúde dos indivíduos e comunidades, uma vez que ela já contempla olhares sobre o indivíduo, a família e seu ambiente (PERIAGO, 2007). A atenção primária é vista, portanto, como estratégia fundamental para se atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), abordando as causas essenciais da saúde, como definidas pela Comissão sobre Determinantes Sociais de Saúde da OMS (PAHO, 2007).

Os benefícios da orientação dos sistemas de saúde para a atenção primária foram documentados por diversos autores. Uma revisão bibliográfica desenvolvida pela OPAS destacou os seguintes benefícios (PAHO, 2007):

1. Sendo todos os outros fatores iguais, os países com sistemas de saúde baseados em uma forte orientação à atenção primária à saúde têm resultados de saúde melhores e mais eqüitativos, são mais eficientes, têm custos menores de atenção em saúde e alcançam melhor satisfação do usuário do que aqueles cujos sistemas de saúde não enfatizam a atenção primária à saúde.

2. Os sistemas de saúde com base na atenção primária à saúde são capazes de melhorar a eqüidade, porque a abordagem da APS é menos dispendiosa para indivíduos e tem melhor efetividade de custos para a sociedade, em comparação com a atenção orientada a especialidades.

3. Uma forte abordagem da atenção primária à saúde garante maior eficiência de serviços na forma de tempo economizado na consulta, uso reduzido de testes laboratoriais e gastos reduzidos em atenção em saúde.

4. Os sistemas de saúde baseados na atenção primária à saúde também podem melhorar a eficiência e a eficácia. A reforma abrangente da atenção primária à saúde pode melhorar os resultados da saúde e favorecer a eqüidade em saúde.

A influência internacional da OMS continua após implementação do PSF. Entre os desenvolvimentos mais relevantes, em 2005 a OPAS lança uma versão provisória do documento Renovação da Atenção Primária à Saúde nas Américas, cuja versão final foi publicada em 2007. Este documento divulga a base teórica do movimento de renovação da atenção primária enquanto filosofia, apresentando os valores, princípios e elementos de um sistema de saúde baseado na atenção primária à saúde (Figura 3).

São destacados os valores de eqüidade, solidariedade e direito à saúde. Nesta perspectiva, se valoriza o trabalho conjunto para atingir objetivos comuns, se enfatiza os direitos e responsabilidades dos governos e cidadãos, e se busca, ao mesmo tempo, o acesso à saúde, aos serviços de saúde, a ambientes saudáveis e a serviços sociais.

Em concordância com os valores, os princípios apresentados apontam para um sistema de saúde centrado nas necessidades das pessoas, na responsabilização dos governos pelos seus atos, na qualidade do serviço, na distribuição eqüitativa dos esforços, na intersetorialidade e na participação dos indivíduos nos aspectos relacionados à sua saúde, incluindo a definição do próprio sistema de saúde. Os elementos apresentados como centrais a esta perspectiva foram: primeiro contato, integralidade, orientação para a família e comunidade, ênfase na promoção e prevenção, cuidado apropriado, relevância, mecanismos de participação ativa, políticas e estruturas institucionais e legais sólidas, políticas e programas orientados para a eqüidade, otimização da organização e gerenciamento, recursos humanos apropriados, recursos financeiros apropriados e sustentáveis, ações intersetoriais e cobertura e acesso universal.