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3. MAPA MOVENTE, MULTIPLICIDADES EMERGENTES

3.1 Perfis Dos Realizadores

3.1.7 Caboré Audiovisual (Natal, RN)

O interesse em produzir conteúdo audiovisual autoral foi um dos motivos que uniu, em 2013, dez pessoas120 a se agregar para pensar, juntos, formas de desenvolver seus projetos e apoiar os dos demais. Eram em sua maioria jovens, graduandos ou recém-formados em Comunicação Social (Radialismo ou Cinema), que tinham vínculo afetivo ou cujos caminhos já haviam se aproximado durante a graduação, cursos livres ou trabalhos anteriores. Assim surgiu o Coletivo Caboré Audiovisual, nome inspirado por uma espécie de coruja típica do Nordeste que revela força e imponência ao proteger sua ninhada, para simbolizar a resistência e valorização do audiovisual local. O coletivo surge ainda em um momento estratégico, em um ano em que houve o lançamento do Cine Natal, primeiro edital para fomento do audiovisual em Natal. Na primeira edição do Cine Natal 2013, o grupo aprova dois projetos. Assim surge o ‘Janaína Colorida Feito o Céu” e “Três Vezes Maria”, os primeiros curtas-metragens do coletivo, com financiamento público no valor de R$ 15 mil cada.

“Três Vezes Maria” (2014) surgiu como um projeto de série que já estava em desenvolvimento desde 2012. Com o edital, a diretora Marcia Lohss viu a possibilidade de viabilizar o piloto da série, que funcionaria também como curta-metragem. Contando com uma equipe e elenco de mais de 40 pessoas, o projeto teve que buscar ainda patrocínios, apoios e parcerias para viabilizar o projeto, de modo que o orçamento foi quase que inteiramente direcionado a custear a produção, recebendo a equipe uma ajuda de custo.

120 Os integrantes eram André Santos, Babi Baracho, Débora Medeiros, Diana Coelho, Hélio Ronyvon, Johann Jean, Marcia

Lohss, Priscilla Vilela, Pipa Dantas e Victor Ciriaco. Nos anos seguintes, duas novas integrantes entram no grupo: Vitória Real, em 2015, e Tereza Duarte, em 2016. Em 2019, Diana Coelho, Johann Jean e Victor Ciriaco se desvinculam do coletivo para permanecer como colaboradores, de forma que atualmente o coletivo conta com nove integrantes, sendo em sua maioria mulheres e LGBTs.

Com direção de Babi Baracho, “Janaína Colorida Feito o Céu” foi a segunda obra do Coletivo Caboré Audiovisual. Inspirado por um conto, o curta foi o desdobramento do trabalho de conclusão de curso de Babi, que se formou em Cinema na UnP. O filme teve cerca de 20 pessoas na equipe, incluindo elenco e equipe técnica.

Com gravações no primeiro semestre de 2014, as duas experiências funcionaram como portfólio para o grupo, e começaram a circular por festivais nacionais e internacionais, conquistando premiações diversas. Logo em seguida, o coletivo desenvolveu um projeto de oficinas de audiovisual para jovens do bairro de Mãe Luiza, através de um edital do Fundo de Incentivo a Cultura 2013, lançado pela Prefeitura de Natal. Assim, além de trabalhar com produção, o grupo passava a atuar também na área de formação em audiovisual.

Desde o início, para viabilizar seus projetos, os integrantes do coletivo buscaram se capacitar para captação de recursos. Reuniam-se para discutir os editais com inscrições abertas e desenvolver os projetos que se enquadravam. Foi assim que conseguiram aprovar projetos em editais municipais, leis de incentivo e pelo Fundo Setorial do Audiovisual121. A princípio pleiteando os editais como pessoa física, no qual cada integrante inscrevia seu próprio projeto, logo perceberam a necessidade de formalização enquanto empresa produtora, pré-requisito para receber recursos federais.

Eu acho que o que explica a criação da produtora é o fato de a gente ter necessidade de acessar os recursos federais, [...] a gente precisava de um CNPJ. E a gente passou algum tempo buscando produtoras parceiras para inscrever nossos trabalhos, sendo que naquele momento elas, na verdade, cuidavam de papelada. E a gente precisava de [...] uma produção executiva muito mais ativa e que a gente poderia fazer, e também pela questão dos [...] direitos patrimoniais e de uso da obra. [...] Então a gente pensou: cara, vamos se esforçar e vamos criar a nossa produtora [...] A produtora é essencial pra representar o coletivo. Se o coletivo não tivesse a representação da produtora, a gente estaria até hoje botando nossos projetos nas mãos de outras produtoras, que muitas vezes não sabem nem o que a gente tá fazendo. [BARACHO, 2019]

121 Até dezembro de 2019, dentre os projetos viabilizados através de editais públicos, cinco foram através do edital Cine

Natal, em diferentes edições: além dos já citados “Três Vezes Maria” (2014), Marcia Lohss e “Janaina Colorida Feito o Céu” (2014), de Babi Baracho, viabilizadas pelo Cine Natal 2013 no valor de R$ 15 mil cada, foram produzidos “No Fim de Tudo” (2016), de Victor Ciriaco, através do edital Cine Natal 2014, e ainda “Em Reforma” (2019), de Diana Coelho e “Natureza do Homem” (2019), André Santos, através do Cine Natal 2016, estes últimos no valor de R$ 50 mil cada. Além desses projetos, houve ainda aporte federal do Fundo Setorial do Audiovisual para o desenvolvimento dos longas- metragens “Todas as Cores do Branco” (Prodav 05/2014) e “Meu Sofá” (Prodav 05/2015). A primeira experiência com financiamento via renúncia fiscal se deu na mais recente produção, o curta-metragem “Dias Felizes”, de André Santos, ainda em pós-produção, através da Lei Câmara Cascudo com patrocínio da Cosern, com orçamento de R$ 25 mil. Além do financiamento público, o grupo investiu também em pleitear oportunidades de editais lançados por empresas privadas ou de capital misto. É o caso do curta-metragem “Som do Morro” (2016), de Diana Coelho e Helio Ronyvon, viabilizado através de duas fontes: R$ 10 mil por um edital do Sebrae/RN voltado ao apoio da economia criativa, e R$ 6 mil por um edital do Canal Futura voltado a estudantes. Em 2018, o Caboré consegue aprovar o projeto de duas últimas temporadas da websérie SEPTO através do Rumos Itaú Cultural, no valor de R$ 206 mil.

Assim, nos primeiros anos, o coletivo acabou firmando parcerias com duas empresas produtoras dedicadas, até então, à publicidade, tendo aprovado três projetos em regime de coprodução: o primeiro junto à SetBox para desenvolvimento do roteiro de longa-metragem “Todas as Cores do Branco” (Prodav 05/2014), e em seguida o curta-metragem “No Fim de Tudo” (Cine Natal 2014) e “Meu Sofá”, projeto de desenvolvimento de longa-metragem (Prodav 05/2015). No primeiro semestre de 2016, é criada a Caboré Produtores Associados, produtora que atualmente representa os projetos do Coletivo Caboré, agregando também trabalhos de parceiros.

Mesmo com a produtora, não é sempre que o grupo consegue aprovar seus projetos. Considerando os desafios e descontinuidade das políticas de fomento ao audiovisual, o Coletivo Caboré tem encontrado outras formas de viabilizar suas produções, seja através de apoios, parcerias e investindo recursos próprios122, ou financiamento colaborativo123.

O fomento não aumenta, [ou] a gente é obrigado a parar, estagnar, ou faz sem recurso. [...] dentro do Caboré a gente sabe que pode se apoiar. E a gente sabe que se a gente precisar de recursos humanos pra realizar um projeto, a gente sabe com quem pode contar. E isso é uma coisa muito forte dentro do coletivo. [BARACHO, 2019]

Assim, mesclando estratégias diversas, o Coletivo Caboré Audiovisual tem, de 2013 para cá, um currículo com mais de 15 curtas e médias-metragens, uma websérie e dois projetos de longa- metragem, além de cursos de formação em audiovisual. Dentre as obras de maior circulação em festivais nacionais e internacionais, além de “Janaína Colorida Feito o Céu” e “Três Vezes Maria”, destacam-se os curtas-metragens “Sailor” (2014), de Victor Ciriaco, “Som do Morro” (2016), de Diana Coelho e Hélio Ronyvon, e “No Fim de Tudo” (2016), de Victor Ciriaco, contando com orçamentos que variam de R$ 500 a R$ 50 mil.

Uma experiência que contribuiu bastante para a visibilidade do coletivo, todavia, foi a coprodução da primeira temporada da websérie SEPTO (2016), que atualmente tem uma média de 85 mil visualizações por episódio. Viabilizado através de uma campanha de financiamento coletivo no

122 É o caso dos curtas-metragens “Sailor” (2014), de Victor Ciriaco, que contou com um apoio da produtora Mangue

Filmes; “Ainda que eu Ande pelo Vale da Sombra da Morte” (2018), de Hélio Ronyvon e “Enquanto o Sol se Põe” (2018), de Marcia Lohss, que contaram com equipe colaborativa e pequenos apoios revertidos em alimentação e transporte. Nesse modelo, enquadram-se também seis curtas-metragens produzidos com duração de um minuto: “Rastro da Flor” (2014), de André Santos, “Chama na Trilha” (2014) de Débora Medeiros, “Sob a Sombra da Estrela” (2014), de Priscilla Vilela, “Pregobol” (2015), de Helio Ronyvon, “Do Mar” (2015), de André Santos e “Sobre Duas Rodas” (2015), de Priscilla Vilela, todos realizados para participar do FINC – Festival Internacional de Cinema de Baía Formosa.

123 Uma modalidade ainda pouco explorada é a de financiamento coletivo. Nesse sentido, a primeira experiência do

Coletivo se deu para levantar recursos para a websérie SEPTO (2016), na época coprodutora do projeto, idealizado pela atriz e escritora Alice Carvalho. Assim, a primeira temporada da websérie foi viabilizada graças a campanha de financiamento coletivo através do Catarse, totalizando cerca de R$ 15 mil. Em 2018, a estratégia é novamente utilizada, desta vez para viabilizar o curta-metragem “Sem Retrato Sem Bilhete” (2018), de Babi Baracho. A campanha durou 45 dias na modalidade “Tudo ou Nada” e arrecadou cerca de R$ 10 mil para produção.

Catarse no valor de R$ 15 mil, o projeto conseguiu dar continuidade e realizar suas duas últimas temporadas através da seleção no edital do Rumos Itaú Cultural 2018, com previsão de veiculação em 2020.

No que se refere a fluxo de trabalho, atualmente a maioria dos integrantes divide seu tempo entre os projetos autorais e comerciais. A mudança na vida dos próprios integrantes influencia na dinâmica do coletivo, como explicam Babi Baracho e Vitória Real:

B - A gente começou de uma forma em que todo mundo tava com muito sangue no olho, muito gás, pra estudar e pra criar. E eu acho que foi um momento crucial para que a gente se consolidasse. (...) Só que com o passar do tempo acho que a gente saiu um pouco desse âmbito da coletividade enquanto criação junto, porque eu acho que o sistema e o mercado foram obrigando a gente a irem (sic) atrás de outras coisas que remunerassem a gente de fato. (...) Isso fez com que a metodologia dentro do coletivo mudasse. Porque a medida que as pessoas foram buscando outras coisas pra fazer, outros grupos de trabalho, outros freelas, o coletivo passou por uma fase de mudança que a gente começou a determinar quem ocupava melhor cada cargo. (...) Quem é de escrever passou a escrever, quem é de produzir passou a produzir. Não que isso seja especificamente boa ou ruim, tem seus ônus e os bônus. Eu sinto que a gente perdeu em ter a criação em coletivo, mas que eu entendo que é por falta de tempo, porque a gente precisa sobreviver, trabalhar, mas também é uma coisa boa, porque hoje cada um se enxerga dentro de um segmento mais específico, e consegue executar melhor aquele trabalho que se propõe a fazer.

V - E tem o fato também do nosso período de vida, né. No começo a gente era universitário, tava em outro momento de vida, agora, sai de casa, tenho contas pra pagar, e isso modifica muito minha dinâmica de trabalho, porque agora eu realmente preciso de coisas que me remunerem, então eu entro num outro processo de vida, que muita gente do coletivo também entrou. [BARACHO e REAL, 2019]

Se, por um lado, os integrantes percebem que a dinâmica do coletivo mudou ao longo dos anos, a vontade de continuar crescendo juntos ainda permanece. E, para Babi, a construção de um mercado de produção audiovisual no Estado é um dos desafios que se colocam. “Pensando na minha vida profissional, eu preciso passar desse patamar. E eu preciso que isso seja avançado com o coletivo, eu acredito muito que a gente precisa alcançar isso junto”, acrescenta. Para isso, o desejo e investimento é que, a partir de agora, o Caboré Audiovisual consiga captar recursos para desenvolvimento de projetos mais estruturados, mais especificamente de séries e de longas-metragens, que possibilitem maior retorno financeiro.