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2. CARTOGRAFANDO O AUDIOVISUAL NO RIO GRANDE DO NORTE

2.5 Processos Cartográficos e Considerações Preliminares

Diante dos questionários aplicados junto a realizadores e produtores de curtas, médias, longas- metragens e webséries produzidas no Estado de 2010 a 2018, é possível perceber algumas tendências no que se refere às condições de produção e estratégias de circulação das obras audiovisuais analisadas.

A princípio, nota-se que a produção mais consistente se dá nos formatos de curta e média- metragem, havendo iniciativas incipientes no que se refere a produções de longas-metragens e webséries. A concentração na capital do Estado é significativa: mais de 80% da produção de curtas e médias ocorre na região metropolitana de Natal, embora a lógica se diferencie na produção de longas- metragens, havendo participação expressiva de realizadores audiovisuais no interior do Rio Grande do Norte: das 12 obras identificadas, 6 são de realizadores que não estão na capital.

Nota-se também a prevalência do caráter colaborativo das obras. No caso dos curtas-metragens, 81,4% das obras analisadas foi feita através do trabalho de profissionais em caráter não-oneroso, sendo a maioria autofinanciados (65,7%) e com orçamentos de até R$ 500 (47,1%). A precariedade também marca a produção de longas-metragens: 100% afirmaram ser viabilizados a partir de apoios, parcerias e equipe colaborativa, sendo 67% dos longas-metragens também autofinanciados, ou seja, contaram com investimentos próprios da equipe.

A circulação das obras, por sua vez, acontece majoritariamente dentro do próprio Estado, no formato de curta, média e longa-metragem. Quanto às estratégias de distribuição para os curtas- metragens, prevalece o envio para mostras e festivais (94,3%), seguido de disponibilização em plataformas digitais (57,1%) e realização de exibições autônomas (28,6%). Considerando os longas- metragens, a circulação acontece principalmente através de exibições autônomas em espaços alternativos, havendo ainda pouca inserção em festivais de audiovisual locais e nacionais. Dentre as obras analisadas, nenhum longa havia sido distribuído comercialmente em salas de cinema, assumindo um modo mais artesanal de produção e circulação.

Adotando uma proposta diferenciada, as webséries apresentam especificidades interessantes, a começar pela própria circulação, na medida em que são obras pensadas a priori para distribuição através da web, sendo a plataforma mais utilizada o youtube. No caso das webséries potiguares analisadas, a participação de homens e mulheres em cargos de criação é paritária, diferenciando-se da tendência de disparidade de gênero nas demais categorias. O caráter colaborativo, contudo, prevalece também nesse tipo de produção, na medida em que os profissionais entram como entusiastas dos projetos, que contaram com recursos que subsidiavam apenas parte das despesas da produção.

Partindo das tendências identificadas através de uma análise quantitativa da produção audiovisual no Estado, tendo como base obras que circularam em festivais e mostras locais e os longas- metragens e webséries catalogados, interessa-nos compreender com mais profundidade experiências individuais de realizadores, considerando também a dimensão coletiva dos sujeitos. Assim, por fazer

parte do cenário audiovisual que pesquiso, sendo também realizadora e produtora, numa vivência que permeia o mercado, a universidade e espaços de reivindicação de políticas públicas para o audiovisual, tenho a possibilidade de acesso a realizadores que adotam modos diversos de produzir e circular.

Diante dessa diversidade, optei por selecionar sete experiências que me parecem dialogar, ainda que adotando arranjos diferenciados. Considerando que os modos de produção mais recorrentes identificados na análise foram produção autônoma (48,6%), produtora com CNPJ (32,9%) e coletivos audiovisuais (14,3%), buscamos sujeitos e agrupamentos que mesclam esses modos em suas práticas de produção, assumindo estratégias diferenciadas de circulação do conteúdo. Priorizamos, ainda, por entrevistar realizadores observando sua atuação no território do Estado, sendo três entrevistados de Natal, e quatro do interior do Rio Grande do Norte.

Por fim, no capítulo seguinte, conheceremos melhor as experiências de dois coletivos audiovisuais: Coletivo Caboré Audiovisual (Natal) e o Buraco Filmes (Mossoró), que tem em comum o fato de serem formados por jovens, em sua maioria mulheres e LGBTs. Enquanto o Caboré Audiovisual tem atuado bastante na produção de curtas-metragens e da websérie SEPTO, o Buraco Filmes tem em seu portfólio já dois longas-metragens, além de alguns curtas e a websérie Estações (2019). A circulação das obras dos dois coletivos, todavia, apresenta diferenças significativas que discutiremos mais adiante.

Embora não funcionem como coletivos, destacamos duas experiências que acontecem em pequenas cidades do interior do Estado que apresentam caráter bastante colaborativo: as iniciativas encabeçadas por J. Gomes (Alexandria) e J. Júnior (Florânia), que iniciaram na produção audiovisual de modo mais artesanal buscando contar histórias populares que mobilizam a comunidade em torno da realização dos filmes. Criador da quadrilogia em longa-metragem “Inácio Garapa – O Matuto Sonhador”, J. Gomes tem como estratégias de divulgação do trabalho a venda de DVDs e disponibilização dos filmes pelo youtube, que caíram no gosto popular, enquanto J. Júnior também promove eventos na cidade para venda de DVDs, e acaba atuando como produtor e incentivador de outros filmes realizados na região. Ambos, muitas vezes, acabam assumindo as funções de direção, roteiro, fotografia e edição, mesmo quando a proposta do filme se assemelha a grandes produções.

Optamos por entrevistar também dois realizadores que costumam trabalhar de forma mais autônoma e com uma estrutura menor de produção, utilizando os recursos materiais e pessoais que tem a disposição: Carito Cavalcanti (Natal) e Dynho Silva (Lagoa Nova). Com uma trajetória profissional mais duradoura, percorrendo a literatura, música, performance e audiovisual, Carito tem se dedicado nos últimos anos a produção de curtas-metragens e vídeos institucionais, na criação de filmes de caráter ensaístico, híbridos e documentais. Enquanto isso, Dynho Silva, 23 anos, também utilizando da música e da poesia, inicia produzindo conteúdo audiovisual para seu canal no youtube, com curtas experimentais e ensaísticos, e mais adiante, passa a focar também na circulação em festivais e mostras

de audiovisual, embora mantenha a plataforma digital como estratégia primária de visibilidade. Por fim, conversamos também com a realizadora e produtora Catarina Doolan, que inicia em 2015 o núcleo de projetos audiovisuais, vinculado a produtora Prisma Filmes. Com uma perspectiva de mercado, além de buscar financiamento para seus próprios curtas-metragens, Catarina começa a captar recursos federais para viabilizar projetos de produção de obras seriadas para TV, utilizando-se da estrutura de uma empresa com mais de 20 anos de atuação, até então focada em conteúdo publicitário.

Nome Município Modo Produção Circulação Financiamento

Caboré Audiovisual

Natal Coletivo Curtas,

Médias, Webséries Festivais e Mostras Licenciamento para TVs Recursos Próprios Apoios e Parcerias Financiamento Público e Privado Produtora Buraco Filmes

Mossoró Coletivo Curtas,

Médias, Longas e Webséries Exibições Autônomas Internet Recursos Próprios Apoios e Parcerias Patrocínios

J. Gomes Alexandria Realizador Grandes Produções Longas- Metragens DVDs Internet Recursos Próprios Apoios e Parcerias Patrocínios J. Júnior Florânia Realizador

Grandes Produções Curtas e Médias- Metragens DVDs Internet Recursos Próprios Apoios e Parcerias Patrocínios Dynho Silva Lagoa

Nova Realizador Curtas- Metragens Internet Festivais Recursos Próprios Apoios e Parcerias Carito Cavalcanti

Natal Realizador Curtas e Médias- Metragens Internet Festivais Recursos Próprios Apoios e Parcerias Catarina Doolan Fernandes

Natal Realizadora Curtas e Médias- Metragens Séries para TV Festivais Licenciamento para TVs Financiamento Público e Privado Apoios e Parcerias Produtora Fonte: COELHO (2019)

As entrevistas foram realizadas durante o período de 4 de fevereiro a 12 de março de 2019. O primeiro entrevistado foi Carito Cavalcanti, em Natal, numa longa e afetuosa conversa num restaurante

que versou sobre aspectos de produção, mas também bastante focado nos processos criativos. No dia 8 de fevereiro, entrevistei Catarina Doolan na casa de seus pais, na região metropolitana de Natal, durante o período em que esteve na cidade para lançamento do documentário “A Parteira”, da qual ela é diretora.

Aproveitando o carnaval, no período de 5 a 7 de março enveredei pelas estradas do Rio Grande do Norte para conhecer um pouco melhor os realizadores que atuam no interior do Estado. A primeira parada foi em Alexandria, na divisa com o Ceará, onde conheci J. Gomes, que me apresentou seu local de trabalho, um estúdio caseiro montado em sua casa, além de sua casa de campo, uma das locações utilizadas no seu filme “Inácio Garapa – O Matuto Sonhador”. No dia seguinte, segui rumo a Florânia, onde conversei com J. Júnior no intervalo de seu trabalho como locutor em uma rádio local, finalizando a empreitada com uma inspiradora entrevista com Dynho Silva, sentados em uma praça da cidade de Lagoa Nova.

No capítulo seguinte, proponho um breve perfil dos entrevistados seguido de reflexões acerca das experiências compartilhadas, abordando as práticas que se relacionam a produção do conteúdo audiovisual e questões relacionadas a sua circulação, espaços de exibição, estratégias de distribuição, dentre outros.