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3. MAPA MOVENTE, MULTIPLICIDADES EMERGENTES

3.1 Perfis Dos Realizadores

3.1.1 Carito Cavalcanti (Natal, RN)

“Especialistas no mundo não bastam, por isso tornei-me livre atirador em assuntos vários”. A frase do poeta marginal Chacal, evocada por Carito durante nossa conversa, é de fato bastante ilustrativa para falar de sua versatilidade enquanto artista. Nascido em Natal/RN nos anos 1964, Carlos Estevam Dantas Cavalcanti, pseudônimo artístico Carito Cavalcanti, buscou desde criança diferentes modos de expressar sua criatividade: escreveu quadrinhos, fez colagens, foi ator e performer, trabalhou como arquiteto, teve suas poesias publicadas, foi cantor e compositor de bandas de rock, e desde 2014 vem se dedicando mais efetivamente ao trabalho com audiovisual.

Quando eu comecei a mergulhar mais fundo no audiovisual, eu quis misturar as coisas, né. O cinema é uma das possibilidades que tem mais

possibilidades, porque naturalmente faz parte da natureza da linguagem do cinema trabalhar com várias linguagens, então assim eu me realizo muito. [...]

Eu comecei a sentir necessidade de focar mais, sem abandonar o meu interesse plural por várias linguagens, mas por uma questão de sobrevivência. Tanto que, assim, minha banda, “Os Poetas Elétricos” praticamente acabei deixando de lado. A poesia não deixei porque tive o apoio da “Jovens Escribas”, que Fialho [Carlos Fialho, escritor e idealizador da editora] queria muito que eu participasse. [CAVALCANTI, 2019]

Atualmente, Carito é um dos realizadores potiguares que conta com uma filmografia mais extensa, reflexo de sua insaciável vontade de criar. A imagem de um navio encalhado, a música composta por um amigo, um poema que o inspira, a encomenda de um cliente: tudo isso já serviu como disparador de seus processos criativos, onde vai alinhavando materiais diversos, havendo sempre o que ele chama de uma “margem de acaso”, ou seja, um espaço para que aquilo que não é planejado possa emergir. “Eu acredito muito que a obra de arte ela é viva, ela tem o direito de se manifestar e nós temos o dever de escutá-la, no processo e principalmente depois, quando você já não domina nada”, acrescenta.

Seus trabalhos são lançados e disponibilizados através da Praieira Filmes, selo que criou e que descreve como uma “mini produtora”. Em sua plataforma do vimeo114, criada em 2014, há mais de 90 obras audiovisuais, tanto trabalhos autorais como encomendados - publicitários, institucionais e vídeos de casamento, nos quais sempre se dedica a imprimir um toque poético. Dentre seus curtas e médias- metragens que considera mais relevantes, destacam-se “Operação Plástica Flávio Freitas” (2011), “Noturnos” (2012), “Roadmovie num Quarto Fechado” (2012), “Fronteira” (2015), “Vida Vaza” (2016), “O Morador do 1101” (2019), “Observando O Mundo Acontecendo” (2019), dentre outros.

Trabalhando muitas vezes sozinho ou com equipe mínima – tanto por questões de limitação orçamentária quanto por método -, Carito compara seu trabalho a de um filmmaker, que sabe um pouco de tudo. De fato, não é raro vê-lo assinando não apenas o roteiro e direção, mas também a direção de fotografia, som direto e montagem de seus trabalhos autorais. Quando conta com uma equipe, em geral tratam-se de profissionais que atuam na pós-produção ou parcerias de longa data. Isso porque desenvolveu um método de trabalho pautado no que chama de um profundo ´estado de alerta´:

Eu posso passar um dia inteiro lá em Caicó, lá nesse documentário que eu tô fazendo, e de repente, o dia todo não acontecer nada, mas no final do dia, só por que eu tava ali, acontecer uma cena que é do caralho e que valeu o dia, só porque eu tô ali em standby, ou como diz Aninha [Ana Carolina Vieira], bailarina, no estado de alerta. E aí, você querer que as pessoas estejam na mesma vibe sua é muito complicado, não é…[CAVALCANTI, 2019]

Assim, além da falta de recursos financeiros ser um limitador, fazendo com que em geral tenha que assumir diversas funções no filme, ao longo dos anos seu modo autônomo no processo de produção se tornou também uma estratégia. Há, todavia, algumas exceções, desenvolvendo parcerias criativas com pessoas com quem, em geral, também possui laços afetivos. É o caso do multiartista Joca Costa, do músico e roteirista Fernando Suassuna, do ator e dramaturgo César Ferrario, do realizador e engenheiro de som Eli Santos, e do montador Levi Herrera115.

No que se refere a distribuição de seus filmes, Carito assume que se trata de uma fragilidade. “Eu tenho um problema, eu gosto de criar, gosto de fazer filme, não gosto muito dessa parte de ter que inscrever o filme. É uma deficiência que eu tenho, que assumo”, explicando que no momento está muito mais interessado em desenvolver seu próximo filme do que dedicado a distribuição das últimas produções.

Ao mesmo tempo que compreende que seus filmes teriam potencial de circular mais caso houvesse uma estratégia de distribuição, também reconhece que disponibilizar os filmes na internet acaba sendo uma vitrine para atrair potenciais interessados em seu trabalho: “Tem um lado que acaba gerando um portfólio bom pra mim. Tem um material que eu fiz pra Unimed, pro Midway, tenho filme autoral, tem um documentário que eu fiz para um casal...”, conta.

Atualmente trabalhando exclusivamente como freelancer, Carito conta que um dos principais desafios é o planejamento financeiro, o que faz com que muitas vezes tenha que assumir diversos trabalhos simultaneamente. Apesar disso, aprecia a flexibilidade desse modo de trabalho. É assim, em paralelo aos seus trabalhos comerciais, que Carito segue criando seus curtas e médias-metragens autorais, numa trajetória audiovisual que, em 2020, completa uma década.