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2.4 CAFÉ DA MANHÃ

2.4.5 Café da manhã e estado nutricional

Existe uma polêmica ao redor da verdadeira relação entre a realização do CM e o controle do peso corporal. No entanto, o que mais preocupa é a prática não saudável da supressão de refeições para redução de calorias ingeridas, e entre elas o CM é a mais escolhida.

Tem sido proposta a afirmação de que a supressão do CM está associada a uma diminuição da capacidade de perder peso. Esse pressuposto se baseia na idéia de que a supressão dessa refeição pode levar ao desejo de maior consumo de alimentos no final do dia (RAMPERSAUD et al., 2005; REEVES et al., 2013). Isso parece bastante coerente se se considerar que a alimentação deve ser realizada de maneira saudável, em intervalos relativamente curtos. Se a alimentação não for fornecida ao organismo nessa periodicidade, é natural que a fome e o apetite fiquem exacerbados no final do dia.

São vários os enfoques dados aos estudos que pesquisam a relação do CM com o peso corporal. Jakubowicz et al. (2013), por exemplo, realizaram uma pesquisa com o objetivo de comparar o efeito de duas dietas para perda de peso de igual teor calórico diário (1400 kcal). Foi feita uma orientação quanto aos horários de realização das refeições: CM de 6 à 9 horas, lanche de 12 às 15 horas e jantar de 18 às 21 horas. Os participantes foram avaliados por 12 semanas e receberam dois tipos de dietas, sendo uma com alta ingestão calórica (aproximadamente 700 kcal, 50%) durante o CM, médio valor calórico no lanche (~500 kcal, 36%) e jantar com baixa caloria (~200 kcal, 14%). A outra dieta foi o inverso da primeira, com CM pouco calórico e jantar hipercalórico. Os resultados mostraram que o CM com alto

teor calórico e jantar com teor calórico reduzido é benéfico para o tratamento da obesidade, ou seja, auxilia na perda de peso.

Trabalhos como esse dizem respeito à associação da densidade energética da dieta com o consumo de energia e com o peso corporal. Foi com o objetivo de examinar as diferenças da densidade energética de dietas entre consumidores e não consumidores de CM, que Kant et al. (2008) analisaram os dados de três anos consecutivos da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição dos Estados Unidos (1999-2004). Os resultados mostraram que a densidade energética de 24 h de ingestão foi menor nos consumidores de CM que entre os que omitiam a refeição. Esse achado confirma a idéia de que não realizar o CM regularmente estimula o consumo de alimentos com maior densidade energética nas demais refeições.

No estudo acima, mulheres consumidoras do CM tiveram menor IMC do que as não consumidoras da refeição. Com o aumento da ingestão energética no CM entre as não consumidoras da refeição, a densidade energética e a ingestão de gordura aumentaram, mas a ingestão de micronutrientes e a probabilidade de consumo de todos os cinco grupos de alimentos diminuíram. Esse comportamento alimentar demonstra que são necessárias intervenções que promovam melhores orientações nas escolhas alimentares para o CM (KANT et al., 2008).

Questionando a correlação inversa entre a frequência de realização do CM e a ingestão energética, Levitsky e Pacanowski (2013) investigaram se a supressão do CM induz ou não a mecanismos de compensação energética subsequente em indivíduos adultos. Para responder a esse questionamento, os autores realizaram duas pesquisas, sendo uma com o objetivo de examinar o efeito da supressão do CM na quantidade consumida no almoço. A segunda pesquisa examinou o efeito de comer o CM com maior quantidade sobre a quantidade consumida no almoço e durante o resto do dia. O protocolo para participar da pesquisa era não comer alimentos depois das 23 horas e fazer o CM entre 7:45 e 9:20 horas da manhã no Centro de Pesquisa de Metabologia Humana da Universidade de Cornell, Estados Unidos.

No primeiro estudo de Levitsky e Pacanowski (2013), os autores selecionaram randomicamente 24 participantes adultos que podiam optar por três condutas: (1) não realizar o CM, (2) alimentar-se com CM contendo alto teor de carboidrato, ou (3) alimentar-se com CM contendo alto teor de fibras. O segundo

estudo seguiu o mesmo desenho de seleção que incluiu 18 participantes adultos, que poderiam optar por consumir um CM em maior quantidade ou com normal quantidade de carboidratos. No primeiro estudo, tanto o fato de não realizar CM como realizar o CM rico em carboidratos ou fibras alimentares não tiveram efeito sobre a quantidade de alimentos consumidos no almoço, apesar de os participantes apresentarem uma redução nos índices de fome. No segundo estudo, tanto a ingestão do almoço como a fome foram significativamente maiores após realizar o CM em maior quantidade ou normal.

Os dados relatados acima revelam que uma redução no tamanho da porção em uma refeição não resulta em um aumento do consumo durante o resto do dia, e que pular uma refeição não resulta em compensação de energia nas refeições subsequentes. Esses dados sugerem que a supressão do CM pode ser um meio eficaz para reduzir a ingestão diária de energia em alguns adultos (LEVITSKY; PACANOWSKI, 2013).

Os estudos realizados por esses últimos autores aparentemente contradizem a afirmação feita pelos autores Rampersaud et al. (2005) e Reeves et al. (2013) de que a supressão do CM ou a ingestão de menor quantidade de alimentos nessa refeição podem levar ao desejo de maior consumo de alimentos no final do dia. Algumas pesquisas podem indicar a possibilidade de supressão do CM como estratégia para redução da ingestão diária de energia em alguns adultos, mas apresentam algumas limitações, como o número pequeno da amostra estudada e a falta de acompanhamento do tratamento. Seriam necessários estudos de desenhos longitudinais para melhor avaliação da associação entre a causa e o efeito, detectando mudanças no indivíduo com o passar do tempo (PEREIRA, 2001), além de constatar a ocorrência de outros benefícios trazidos com o hábito de realização do CM.

Dessa forma, a pesquisa realizada por Levitsky e Pacanowski (2013) precisa ser analisada com cautela, antes de qualquer generalização de resultados, pois, além de sugerir que a supressão da refeição CM pode ser benéfica ao controle de peso corporal, o que seria contrário às recomendações mundiais de alimentação saudável, também apresenta algumas características metodológicas que impedem que os resultados sejam generalizáveis de forma segura. Se o tamanho das amostras das duas pesquisas não tivesse sido declaradamente pequeno, e tivesse ocorrido a aleatorização do tipo de dieta a ser consumida, poder-se-ia garantir que

os resultados não sofreriam a influência de viéses, como a preferência alimentar por determinada opção de dieta.

Os pesquisadores Kant e Graubard (2015) realizaram um estudo com 2.132 indivíduos provenientes da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição dos Estados Unidos, no periodo de 2005-2010, cujo objetivo foi comparar as diferenças nos comportamentos alimentares e de ingestão de energia de indivíduos em um dia que incluía a realização de CM e outro dia em que esta refeição foi suprimida. Os autores encontraram que não houve diferença no consumo de energia e de nutrientes entre as duas situações de consumo e não consumo de CM.

Na verdade, autores (MARLATT et al., 2016; SCHEMBRE et al.,2013) comentam que existe uma falta de consistência na literatura referente ao entendimento sobre a associação do balanço energético e o consumo de CM. Os autores Kant e Graubard (2015) consideram que os poucos estudos existentes nesta temática não utilizam estratégias analíticas ajustadas estatisticamente quanto às características demográficas, de estilo de vida, e de saúde, permintindo a ocorrência considerável de vieses de confundimento.

Será necessária a realização de diversas pesquisas com alto rigor metodológico para que haja um consenso em relação à associação do CM com o controle do peso corporal de forma estritamente saudável.

Além da relação do CM com o controle do peso corporal, existem outras associações que também estão sendo correlacionadas com a primeira refeição do dia, como as diversas medidas de avaliação do estado nutricional. Affinita et al. (2013), por exemplo, afirmam que as pessoas que fazem CM durante a idade adulta têm menores valores de circunferência abdominal, além de apresentarem menor vazio estomacal que afeta o apetite e a saciedade da fome. Indivíduos que não realizam essa refeição com frequência apresentam maior IMC ou excesso de peso corporal e podem apresentar alteração na densidade mineral óssea (BERTA et al., 2015; KURODA et al., 2013; MORILLAS-RUIZ et al., 2014; MULLAN; SINGH, 2010).

Um estudo (CECATO, 2015) recente que objetivou esclarecer, através de uma revisão bibliográfica, o efeito do consumo do CM para a saúde na manutenção e redução de peso, concluiu que o consumo diário do CM é benéfico em vários aspectos, tanto para a manutenção e equilíbrio do organismo quanto na perda de peso. Além disso, a autora cosiderou que há alguns tipos de alimentos que, quando

consumidos no CM, auxiliam na perda e manutenção do peso devido ao poder de saciedade específico a cada tipo de alimento.

Assim sendo, o poder de saciedade dos alimentos ingeridos numa refeição influencia o peso corporal, por estimular o maior ou menor consumo de alimentos nas refeições posteriores, processo esse baseado na concepção de que há uma hierarquia em relação ao poder de saciedade dos macronutrientes. O consumo de alimentos considerados de maior saciedade está associado à diminuição da ingestão de alimentos nas refeições seguintes, bem como a redução da ingestão em curto prazo.

Os alimentos com maior teor de proteína, fibra e água têm maiores efeitos sobre a saciedade do que os alimentos ricos em gordura e carboidratos (CHUNG et al., 2015; O’NEIL et al, 2014; RAINS et al., 2015). Assim, o aumento do consumo de gordura no início do dia tende a aumentar o consumo geral de nutrientes durante o resto do dia (ALFENAS; BRESSAN; PAIVA, 2010; CLEGG; SHAFAT, 2010; RUEDA; KHOSLA, 2013). Nicklas et al. (2001) foram ainda mais claros quando afirmam que o hábito de tomar CM pode contribuir para o controle do peso corporal, na medida em que reduz o consumo de gorduras na dieta.

Ao comparar três tipos de CM, sendo um rico em gordura, outro rico em proteínas e outro rico em carboidratos, observou-se que a dieta de alto teor de gordura resultou em maior fome no período que antecede o almoço, quando comparado com os cafés da manhã ricos em proteínas ou carboidratos (RUEDA; KHOSLA, 2013).

Dove et al. (2009) realizaram um estudo controlado com o objetivo de avaliar a saciedade pós-prandial e o consumo de energia na próxima refeição (quatro horas depois) de 34 indivíduos acima do peso. Os indivíduos selecionados comeram duas diferentes combinações de CM que deveria ser consumido entre 7 e 8:30 horas, de igual teor calórico em dois momentos diferentes, um com 600 ml de leite desnatado e outro com a mesma quantidade de suco de fruta, acompanhados de duas fatias de torrada com margarina ou geléia. Os indivíduos que se alimentaram de leite, portanto de maior quantidade de proteína, sentiram saciedade depois de 4 horas de consumo quando comparado aos que consumiram o suco de fruta, o que possibilitou menor consumo de energia no momento do almoço.

Blom et al. (2006) realizaram um estudo duplo cego com 15 indivíduos saudáveis do sexo masculino, que foram divididos em 2 grupos a receber dietas

diferentes. A primeira dieta com 58,1% da energia proveniente de proteínas, e 14,1%, de carboidratos. A segunda dieta foi constituída por 19,3% da energia de origem protéica e 47,3%, de carboidratos. Foram realizados exames periódicos de sangue, e o nível de saciedade foi testado várias vezes num período de três horas logo após a ingestão para descobrir quanto tempo levava até que o sujeito tivesse fome novamente. A conclusão foi que o CM proteico reduziu as concentrações de grelina, um hormônio que causa a fome, liberadas no decorrer do dia. Além disso, reduziu o ritmo de esvaziamento gástrico e consequentemente da sensação de fome.

Outro estudo que comprovou a influência do consumo de proteínas no CM como coadjuvante no controle de perda de peso foi o relalizado por Hoertel, Will e Leidy (2014). Os pesquisadores estudaram, por uma semana, 20 mulheres jovens que foram divididas em três grupos. O primeiro grupo não realizou o CM, o segundo grupo alimentou-se de um CM com 13% da energia proveniente de proteína, e o terceiro grupo com CM em que 35% da energia eram provenientes de proteína. A análise dos resultados mostrou que a ingestão de maior quantidade de proteína reduz a vontade de comer alimentos salgados e doces durante o dia. Além disso, aumenta o nível de ácido homovanílico, que libera a dopamina no cérebro, responsável pela sensação de saciedade.

Os dois últimos estudos citados acima mostram que as proteínas provocam a sensação de saciedade no cérebro de forma mais rápida e por tempo mais prolongado, promovendo menor fome na refeição seguinte.

Os resultados sobre a questão do poder de saciedade dos nutrientes demonstram que o conteúdo alimentar da refeição é de extrema importância no controle do peso corporal. Sendo assim, o conteúdo nutricional da refeição merece atenção redobrada durante o planejamento da dieta, pois é uma estratégia que pode contribuir para o bom estado nutricional do indivíduo.

Outros estudos realizados com crianças e adolescentes no Brasil (BRANCO et al., 2007; RECH et al., 2010) demonstraram uma associação direta entre o estado nutricional e a realização do CM. Os autores Bertin et al. (2010) realizaram um estudo para verificar a associação do estado nutricional com os hábitos alimentares de 259 escolares de Santa Catarina, Brasil. Na análise dos dados, encontraram uma associação entre obesidade e hábitos alimentares específicos, como o hábito de comer guloseimas. Verificaram uma associação entre

o hábito de consumo do CM e o consumo de guloseimas com o estado nutricional, demonstrando que crianças com hábito infrequente de tomar o CM têm duas vezes mais chances de serem obesas do que os escolares que têm esse hábito.