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2.2 ALIMENTOS REGIONAIS, TRADICIONAIS OU TÍPICOS?

2.2.1 Migração dos alimentos regionais

qualidade de vida no que concerne à educação, moradia, lazer e principalmente a saúde.

2.2.1 Migração dos alimentos regionais

A difusão mundial de certos alimentos é muito mais antiga do que a chamada globalização. Há quinhentos anos, tem-se notícia de revoluções nos hábitos alimentares que acometiam todos os continentes: o milho, o tomate e o pimentão, no Mediterrâneo; a introdução do cultivo da batata na Europa; o rápido sucesso da pimenta-do-reino na África e na Índia; e a popularização do café, chá, açúcar e chocolate na Europa. Assim, a comida foi um capítulo vital na história do capitalismo (MINTZ, 2001).

Em virtude dos processos de colonização ocorridos no mundo, os alimentos viajaram por diversas regiões e países, produzindo transformações significativas em sistemas alimentares já estabelecidos e com tradições próprias. Ao se deslocarem, as populações levavam com elas todo o conjunto de práticas culturais alimentares (MACIEL, 2004), caracterizando assim o processo migratório dos alimentos que acontece de forma contínua e diferenciada, dependendo do contexto em que o alimento está envolvido.

Carvalho (2008) confirma esse fenômeno quando comenta que há variações na composição dos grupos de alimentos adquiridos nas regiões brasileiras. As peculiaridades revelam os gostos locais na escala regional, o que, entretanto, pode esconder padrões introduzidos mais recentemente como resultado de migrações de pessoas (e de hábitos alimentares) de outras regiões.

Graças às trocas culinárias provenientes da miscigenação cultural ocorrida na colonização do Brasil (ELOY; REIS, 2012) e ao fenômeno da globalização, a população brasileira atualmente tem acesso a uma enorme quantidade de produtos alimentares regionais, principalmente de frutas e de seus inúmeros derivados. A globalização, por meio do desenvolvimento tecnológico referente à mecanização, às técnicas de conservação, ao armazenamento e ao

transporte, proporcionou a disseminação dos alimentos entre regiões e países diferentes, tambem promoveu o intercâmbio entre culturas e o acesso a grande diversidade de alimentos (FABRI, 2013; GARCIA, 2003; HERNANDEZ, 2005; MALUF, 2007; POULAIN, 2004).

A ampliação das possibilidades de comunicação, com a melhoria dos sistemas de transportes, resultou em diminuição das distâncias entres os diversos mercados das diversas regiões, que, aliados à possibilidade de industrialização, propiciaram aos consumidores a oportunidade de conhecerem alimentos provenientes de regiões distantes, ampliando as opções de escolha, de consumo e até mesmo a adoção de culturas alimentares de outras partes do Brasil e do mundo (CARVALHO, 2007; CHEMIM, 2007; POPKIN, 2006; POULAIN, 2004).

Se por um lado tal processo de globalização amplia a diversidade alimentar, por outro também a reduz, uma vez que circulam as mesmas opções alimentares próprias da globalização (GARCIA, 2003). Por outro lado, pode acarretar na desvalorização do conhecimento agrícola e culinário tradicional; no distanciamento do homem com a origem e territorialidade dos produtos; na padronização dos hábitos alimentares e no comprometimento do consumo de alimentos regionais frente à praticidade proporcionada pelos alimentos industrializados; na uniformização dos modos de vida rural e urbana e de produtos; e na perda da identidade cultural (FABRI, 2013).

É inegável a influência do processo de urbanização e da modernização da agricultura nas mudanças alimentares do brasileiro, que se iniciaram aproximadamente no ano de 1966. Desde aquela época, o comportamento dos complexos agroindustriais desempenha um papel importante nessas mudanças, não somente pela visualização dos dados estatísticos que podem desvendar um processo bastante complexo, mas também pela mudança de valores e significados atribuídos ao que se põe na mesa, além da disseminação de informações sobre alimentos e saúde (CARVALHO, 2008).

Assim, a produção de alimentos também influencia a cultura alimentar local, mas esses dois aspectos são flexíveis e sofrem alterações ao longo do tempo e influenciam-se entre si. Esse processo faz com que, na atualidade, as pessoas de classe média nas grandes cidades usufruam da gastronomia de quase todas as regiões do mundo (BRASIL, 2006b).

A migração das cozinhas regionais é vista por alguns como uma ameaça às cozinhas tradicionais, no entanto, essas mudanças não apenas não as extinguiram como também contribuíram para a recuperação de conhecimentos e práticas alimentares tradicionais em muitos lugares, como uma forma de afirmação identitária. Esse processo diminuiu o desconhecimento de alguns pratos regionais em que os ingredientes necessários eram exclusivos do lugar de origem, permitindo a experimentação de novos sabores pela população de outras regiões (MACIEL, 2005).

Acredita-se que a tradição e a modernidade alimentar não se ameaçam, pois os hábitos alimentares constituem um domínio em que a tradição e a inovação têm a mesma importância, em que o presente e o passado se entrelaçam para satisfazer a necessidade do momento. Sendo assim, compreende-se que as práticas alimentares dos comensais contemporâneos são permeadas por hábitos e costumes da tradição (SOUZA; ALMEIDA, 2011; COSTA, 2009).

Para a autora Pons (2005), as migrações são uma das linhas de transformações alimentares produzidas também pela influência da publicidade de alimentos sobre o consumo, provocando mudanças reais e complexas e processos de readaptação segundo as trajetórias de inserção e de êxito do projeto migratório, com consequências diferenciadas de impacto nutricional.

Carvalho (2007) comenta que hoje o regionalismo é menos intenso, pois a nossa experiência é de acesso a uma enorme diversidade e multiplicidade de alimentos, muitas vezes a preços razoáveis. É possível comprar produtos agrícolas que não são produzidos na região advindos de regiões distantes, dentro de uma estrutura econômica e comercial globalizada. Para Dória (2009), é possível ser nordestino em São Paulo ou gaúcho em Rondônia, devido às viagens que os alimentos realizam por meio das migrações internas.

Com base nesse último autor, é possível concluir que o ritmo de migração constante e progressiva dos alimentos regionais tende a facilitar cada vez mais o consumo de tais alimentos. Tal processo propiciará maior consumo de alimentos in natura e pouco processados, e consequentemente mais saudáveis, desde que sejam observados os requisitos mínimos de segurança alimentar e nutricional.