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Caldeira de recuperação de licor preto

A caldeira de recuperação representa, sozinha, até 20% dos custos da instalação de uma fábrica de papel e celulose (Brewster, 2007) e, caso sejam

considerados os gastos relacionados com a planta de geração de energia, evaporação, recaustificação e outros processos envolvidos com a operação dessa, o custo sobe para 50% do investimento da instalação de uma planta. Tais características fazem dela um equipamento que merece muita atenção por parte dos pesquisadores e engenheiros de processo. Uma caldeira de recuperação de licor preto possui duas regiões importantes:

• fornalha ou zona de combustão do licor;

• parte superior da caldeira, região dos acessórios (superaquecedores, balões e economizadores) ou região de transferência de calor convectiva.

A Figura 1.2 mostra um esquema representativo de uma caldeira de recuperação moderna ilustrando as princpais regiões, o nariz da caldeira e a localização das entradas de ar e dos injetores de licor. A estrutura denominada nariz da caldeira, delimita a fronteira entre a fornalha e a região dos acessórios. A Figura 1.3 a localização dos níveis de alimentação de ar para uma caldeira moderna.

Figura 1.2: Representação esquemática de uma caldeira de recuperação química.

Região de troca térmica por convecção

Nariz da Caldeira Zona de Combustão (fornalha) Superaquecedores Balões Economizadores

40 ,4 m 61,2 m 20 ,8 m 40 ,4 m 61,2 m 20 ,8 m

Figura 1.3: Localização dos níveis de entrada de ar e de alimentação de licor preto numa caldeira de recuperação.

A combustão do licor envolve três etapas: secagem, liberação de compostos voláteis (pirólise) e a combustão do carbonizado acima e/ou na camada externa do leito carbonizado. A interalção do ar primário com esta camada de leito é responsável pela criação do ambiente redutor que promove a recuperação dos sais de sódio. A Figura 1.4 ilustra um esquema das etapas da combustão do licor na parte inferior da caldeira, ou seja, região da fornalha.

Ar quaternário Ar terciário Injetores de licor Ar secundário Ar primário

Figura 1.4: Sequencia das etapas envolvidas na queima do licor preto dentro da fornalha de uma caldeira de recuperação.

O licor preto é injetado na forma de gotas na caldeira, com teor de sólidos entre 60 a 85%. Na região ao redor da pulverização do licor ocorre a etapa de “secagem” do combustível. O tamanho dessas gotas é de grande importância em sua queima. Gotas maiores e com teor elevado de água umedecem o leito carbonizado causando o apagamento e/ou pequenas explosões locais onde essas caem que podem prejudicar a estabilidade do escoamento dos gases de combustão na fornalha. Gotas menores passam rapidamente pelas etapas da combustão e são facilmente arrastadas para cima, não volatilizando na região inferior da fornalha, o que pode prejudicar a recuperação dos compostos inorgânicos e favorecendo a deposição de particulados nos superaquedores.

A pirólise ocorre logo após a fase de secagem e é promovida por reações irreversíveis de degradação térmica da matéria orgânica dos sólidos contidos no licor preto. Tanto a liberação de voláteis quanto a queima de carbonizado do licor ocorrem em temperaturas elevadas, superiores a 200°C, produzindo gases de combustão e material particulado poroso que pode cair no leito carbonizado ou se depositar nas paredes ou demais tubulações da caldeira. A etapa de redução ocorre na camada externa do leito carbonizado, também chamada de camada ativa, onde é obtido o fundido (smelt), contendo principalmente carbonato e sulfeto de sódio.

H2O(g) Voláteis combustão

Camada externa do leito Leito carbonizado (“char bed”) Combustão homogênea Volatilização e/ou pirólise Pulverização Secagem Na2CO3 Na2S

Existem basicamente duas regiões de combustão do licor. A primeira localizada acima da pulverização do licor onde ocorre a combustão dos gases combustíveis, produzidos na pirólise do licor preto. As reações preponderantes nesta região, são a de oxidação de monóxido de carbono e dos gases de enxofre, respectivamente. Na segunda região, localizada na camada ativa do leito, o carbonizado do licor retido no material particulado inicia sua queima (reações de conversão do carbonizado do licor em CO e CO2), fornecendo o

calor necessário para as reações de redução.

1.3.1. Alimentação de ar

A alimentação do ar de combustão é dividida em três ou quatro níveis, sendo denominados de primário, secundário, terciário e até quaternário em algumas caldeiras mais modernas. Cada nível de ar é descrito nas sessões a seguir.

Ar Primário

O ar primário é alimentado em torno de 100 a 150 portas de entrada distribuídas nas quatro paredes da parte inferior da fornalha, próximo à base do leito carbonizado. É provavelmente o nível de alimentação que possui menor variedade de arranjos, localização e elevação de suas portas de entrada de ar ao se comparar diferentes caldeiras de recuperação. Normalmente, é localizado a cerca de 1 a 2 m acima do fundo da caldeira e é o principal responsável pela oxidação do carbonizado do licor na camada externa do leito (Ferreira et al.,

2010). Os principais objetivos do ar primário são:

• assentar o leito carbonizado a uma distância segura das paredes da fornalha ao mesmo tempo que molda seu formato;

• manter a temperatura do leito adequada para as reações desejadas de combustão e redução;

• fornecer oxigênio para a combustão homogênea na camada externa do leito carbonizado, proporcionando o ambiente redutor na região interna do leito;

Ar secundário

Em caldeiras de alimentação em três níveis, o ar secundário tem se mostrado a maior influência na operação do equipamento. Dentre as principais funções do ar secundário podemos citar:

• definir a altura do leito;

• fornecer oxigênio para a combustão completa do licor preto;

• promover a oxidação do CO residual e dos gases voláteis produzidos na pirólise.

As entradas de ar secundário se encontram entre o nível de ar primário o nível de alimentação de licor, posicionadas de forma a promover melhor mistura de suas respectivas correntes de fluxo. Com o número bem menor de suas portas de alimentação, o arranjo e o posicionamento destas influenciam no arraste de particulados da região central da fornalha à zona de troca térmica por convecção. O arranjo mais comum, ilustrado na Figura 1.5, é de um número reduzido de portas distribuídas, sob um ou dois níveis, em duas paredes opostas da fornalha colocadas de forma que fiquem entrelaçadas. Tal arranjo evita a formação de uma corrente de fluxo preferencial que proporciona arraste de material particulado para a região dos acessórios de troca térmica. Outro arranjo muito comum, consiste na distribuição das portas de entrada de forma a promover o escoamento tangencial de ar (Adams et al., 1997).

Figura 1.5: Arranjo do ar secundário alimentado em duas paredes opostas.

P

ar

ed

e

F

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Injetores de Licor

O nível dos injetores de licor preto é situado entre os ares secundário e terciário. Os injetores são projetados e posicionados de forma que a inserção de licor espalhe as gotas, suas respectivas trajetórias sejam suficientemente longas para que todas as etapas da combustão ocorram e que não haja fluxo ascendente de partículas parcialmente queimadas acima do ar terciário.

Por se tratar de um fluido não newtoniano tixotrópico com alto teor de sólidos, o licor preto é de difícil transporte e possui a tendência de permanecer similar a uma pasta, o que torna difícil o uso de queimadores como os da queima de finos de carvão ou óleos combustíveis. Sendo assim, os injetores de licor são consideravelmente simples com as seguintes funções:

• Inserir o licor na profundidade ideal no interior da fornalha;

• Formar gotas de licor do tamanho ideal para o processo de combustão; • Espalhar homogeneamente as gotas formadas na fornalha e sobre o

leito carbonizado.

O tipo mais comum de injetor de licor é a placa de espalhamento. Consiste basicamente numa tubulação inclinada estreita o suficiente para que a corrente de injeção tenha quantidade de movimento elevada, porém larga o bastante para que o transporte do licor seja possível. Ao final dessa tubulação, já no interior da fornalha, há uma placa plana também inclinada, em relação à tubulação de licor preto, na qual a corrente de licor deve colidir de forma violenta o suficiente para que ocorra seu espalhamento na forma de gotas, mesmo que não esféricas, no interior da fornalha. A Figura 1.6 ilustra, de forma simplificada, o tipo mais comum de placa de espalhamento usada para a injeção do licor na fornalha. Obs. Ilustração desenhada no software Solid Works baseada em Mikkulainen et al. (2007) e Mikkulainen et al. (2010).

Figura 1.6: Placa de espalhamento usada na injeção de licor preto.

Ar terciário

O ar terciário tem como principais funções o fornecimento de oxigênio para completar a combustão dos gases e promover a mistura homogênea dos mesmos. Dentre os arranjos de ar terciário, destacam-se três principais:

• portas de entrada em paredes opostas com posicionamento entrelaçado, similar ao arranjo apresentado para o ar secundário;

• arranjo tangencial; • arranjo concêntrico.

O arranjo de ar terciário mais comumente encontrado apresenta portas de entrada em paredes opostas posicionadas de forma entrelaçada.

Ar quaternário

De acordo com Adams et al. (1997), o uso de alimentação de ar quaternário é mais comum em caldeiras com maior capacidade de queima, tanto na maior vazão de alimentação de licor quanto no maior teor de sólidos (superior a 75% de sólidos secos). Maior inserção de sólidos implica em maior consumo de voláteis e de carbonizado do licor, levando a mais formação de cinzas, o que exige uma fornalha maior e, consequentemente, uma caldeira maior. Ainda de

acordo com Adams et al. (1997), o uso de ar quaternário é aconselhável para caldeiras cuja altura seja acima de 60 m devido ao grande espaço “vazio” formado entre o nível de ar terciário e o nariz da caldeira.

As principais funções do ar quaternário são:

• impedir a passagem de material particulado para a região superior da caldeira;

• fornecer oxigênio para uma queima complementar e; • reduzir a emissão de poluentes atmosféricos.

Normalmente situado logo abaixo do nariz da caldeira e localizada em duas paredes opostas da fornalha, essa alimentação ajuda a garantir que a fornalha fique com as temperaturas mais elevadas e que a parte superior da caldeira apresente temperaturas menores. Dessa forma, além de proteger os superaquecedores e as demais tubulações de temperaturas muito elevadas, também previne emissões de SO2, HCl, CO e NOX (Walsh et al. 1998).

A Figura 1.7, ilustra a disposição dos quatro níveis de alimentação de ar e de injeção do licor em uma caldeira de recuperação química desenhada no software Solid Works baseada em Ferreira et al. (2010).

Figura 1.7: Localização da injeção de licor e dos ares primário, secundário, terciário e quaternário em uma caldeira de recuperação.