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De acordo com a abordagem teórica adotada para a execução deste trabalho e diante do objeto que me dispus analisar, existia uma questão bastante séria: que metodologia adotar? Que instrumentos eu poderia utilizar? Como eu poderia analisar a escrita de professores de língua portuguesa em formação, mais especificamente a escrita de estagiários em situação de regência de aulas?

Abordar tal questão sob o ponto de vista sociológico não é algo comum na educação. Parece haver certo receio de se tocar neste assunto, já que normalmente se ouve dizer que os alunos são sempre os culpados por não saberem escrever; por outro lado, os professores são sempre os culpados por não saberem ensinar. Então, no senso comum, os professores não sabem é ensinar, o que envolve uma questão de didática e isto não é o meu centro de interesse no momento. Eu estou discutindo é o fato de que se os professores não sabem ensinar a escrever, é porque os professores não sabem escrever. E afirmar isto é algo muito delicado, especialmente quando se faz parte do campo de formação de professores de língua portuguesa.

Para a execução desta pesquisa, portanto, foi bastante difícil construir um método. Em primeiro lugar, eu não iria trabalhar com informantes ou colaboradores, ou com um corpus específico, ou com um caso específico. Além disso, eu estou diretamente envolvida com a formação de professores de língua portuguesa na Universidade em questão, o que me dificultaria o distanciamento geralmente tido como necessário para a análise do objeto. Eu me encontrava, portanto, diante de um problema que faz parte da minha própria história enquanto pesquisadora e professora.

Neste caso, Bourdieu (1990, p. 46-47) muito contribuiu para com que eu me sentisse segura; o autor afirma que “quando pretendo objetivar a universidade, universo de que faço parte e onde se afirmam todas as pretensões à universalidade, exponho-me, mais do que nunca, à questão do fundamento, da legitimidade dessa tentativa de objetivação”. Por outro lado, as pesquisas que envolvem fatos históricos a que estamos ligados podem nos ajudar a superar os limites de nossa própria visão e da nossa pretensão pelo saber absoluto, visto que, “em determinado momento, a lógica do campo constitui-se de tal modo que determinados agentes têm interesse no universal” (BOURDIEU, 1990, p. 47). Enfim, a análise de um caso particular pode, portanto, contribuir para com a reflexão crítica e relativizável – portanto marejada pelo pensamento relacional, contribuindo para com o desenvolvimento de um trabalho racional.

Por se tratar do estudo localizado em um único curso – o de Letras/Português – em uma única Universidade da região norte brasileira, considero que a metodologia adotada se constitui no que se conhece como análise (ou estudo) de caso, mesclada à análise situacional. Utilizei, para tanto, todas as ferramentas que me pareceram úteis para a pesquisa, num verdadeiro trabalho de bricolage:

pesquisa de campo com observações em salas de aulas do Ensino Fundamental e Médio, aplicação de questionários, tomadas de depoimentos e anotações em diários de campo; pesquisa documental, através da análise de documentos, correspondências e relatórios; pesquisa bibliográfica e webgráfica. Os dados foram analisados sob as abordagens quantitativa e qualitativa.

O ecletismo de ferramentas e abordagens utilizadas, entretanto, foi rigorosamente fundamentado pelo viés teórico adotado, visto que estes procedimentos me permitiram estabelecer relações entre a história local, a história da Universidade e do curso de Letras, o perfil dos estudantes e a constituição de seu habitus linguístico, bem como as estratégias de reprodução desse habitus.

Nas minhas investidas para o conhecimento de Bourdieu, encontrei uma possibilidade teórico-metodológica que me ajudaria no desvelamento do problema de minha pesquisa. Então, refletindo sobre o problema, de forma relacional, trilhei o seguinte percurso:

a) Primeiramente, porque os agentes estão sempre situados em um espaço social, e este espaço tem uma história, foi necessário historicizar - no tempo e no espaço - o campo em que me situava; então, concentrei o meu trabalho de investigação no período entre as últimas três décadas, para tentar descrever a história da Universidade Federal de Rondônia, com enfoque especial na história do curso de Letras: currículo, professores e estágios; para tanto, vali- me da pesquisa documental (projetos do curso; correspondências oficiais) e depoimentos de ex-alunos, além de minhas próprias memórias;

b) Em segundo lugar, e ainda dentro do mesmo campo acadêmico, era necessário conhecer o aluno do curso de Letras-Português, visto que ele é o agente a quem a academia oferece a formação inicial. Aqui utilizei a pesquisa documental (pastas individuais dos alunos) para tratar dos alunos “pretéritos” (período 1983 a 2003); para os alunos “em curso” (período 2005 a 2008) foi utilizado um questionário sócio-econômico-cultural (ao modo daqueles utilizados nos exames vestibulares), que me permitiu identificar o capital econômico e sociocultural dos alunos; e, ainda, textos escritos produzido por 17 estagiários que responderam aos questionários. Com base nesses instrumentos, tentei construir um perfil dos alunos pretéritos e dos alunos em curso.

c) Em terceiro lugar, para analisar o capital lingüístico dos alunos estagiários em situação de aula, utilizei registros de observações de aulas, com foco no domínio dos conteúdos escolares e do uso da língua culta escrita (a língua legítima) escrita pelos estagiários.

Todos estes instrumentos, relacionados entre si, me permitiram estudar tão somente um caso institucional. Entretanto, é possível relacioná-lo com o caso dos estagiários e professores de Letras (entenda-se Letras-Português) no Brasil, através de sua comparação com outras pesquisas.

Nesta parte do trabalho, portanto, dispus os fundamentos teóricos e metodológicos que nortearam minha pesquisa. Na parte 2, a seguir, situarei meu objeto de trabalho no tempo e no espaço.