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Uma teoria da prática: produto do habitus produzido pela

1.1 O CAMINHO TEÓRICO

1.1.3 Uma teoria da prática: produto do habitus produzido pela

No contexto de uma teoria da prática, Bourdieu (In: ORTIZ, 2003), postula o conhecimento praxiológico, que é a mediação entre o objetivismo e o subjetivismo; tal mediação se dá pelo conceito de habitus. As primeiras estruturas do habitus são formadas a partir das condições materiais de existência, vivenciadas e materializadas pelos agentes na primeira agência de socialização que, comumente, é a família. Nas palavras deBourdieu, o conhecimento praxiológico:

[...] tem como objeto não somente o sistema das relações objetivas que o modo de conhecimento objetivista constrói, mas também as relações dialéticas entre essas estruturas e as disposições estruturadas nas quais elas se atualizam e tendem a reproduzi-las, isto é, o processo de interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade. (BOURDIEU, In: ORTIZ, 2003. p. 40).

Os agentes sociais, portanto, ao interiorizarem o conhecimento do exterior, (re)produzem conhecimentos que por eles são exteriorizados. A noção de estrutura, embora tomada do conhecimento objetivista, é considerada a partir do pensamento relacional; para Bourdieu, a estrutura está fundamentalmente relacionada à produção do habitus:

As estruturas constitutivas de um tipo particular de meio (as condições materiais de existência características de uma condição de classe), que podem ser apreendidas empiricamente sob a forma de regularidades associadas a um meio socialmente estruturado, produzem habitus, sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das práticas e das

representações que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares” sem ser o produto de obediência a regras objetivamente

adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um regente. (BOURDIEU, In: ORTIZ, 2003, p. 53-54).

O habitus produzido a partir da estrutura, por sua vez, está ligado às práticas dos agentes sociais, conforme se pode concluir a partir das palavras do próprio Bourdieu:

A prática é o produto da relação dialética entre uma situação e um

habitus [...] e torna possível a realização de tarefas infinitamente

diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas, que permitem resolver os problemas da mesma forma e às correções incessantes dos resultados obtidos, dialeticamente produzidas por esses resultados. [...] O habitus produz práticas que [...] não se deixam deduzir diretamente nem das condições objetivas [...] nem das condições que produziram o princípio durável de sua produção. Só podemos, portanto, explicitar essas práticas se as relacionarmos com a estrutura objetiva que define as condições de produção do

habitus, com as condições do exercício desse habitus... (BOURDIEU,

In: ORTIZ, 2003, p. 57-58)

Assim, a estrutura produz habitus, o habitus produz práticas; as práticas, por seu turno, tendem a reproduzir as estruturas pelas quais foram produzidas, dado que “é a posição presente e passada na estrutura social que os indivíduos, entendidos como pessoas físicas, transportam com eles em todo tempo e lugar, sob a forma de habitus”. (BOURDIEU, In: ORTIZ, 2003, p. 67).

1.1.3.1 Refletindo sobre o conceito de habitus

As condições materiais de existência e sua materialização na família (através de conselhos, advertências, repreensões, atitudes, comportamentos, vivências, interditos, etc.) criam a primeira formação do habitus: o habitus primário. A família (criadora do habitus primário) e a escola (transformadora do habitus primário) são aliadas na constituição/reprodução/reestruturação do habitus:

[...] o habitus adquirido na família está no princípio da estruturação das experiências escolares (em particular da recepção e assimilação da mensagem propriamente pedagógica), o habitus transformado pela ação escolar, que é diversificada, por sua vez, está no princípio da estruturação de todas as experiências ulteriores (como a recepção e assimilação das mensagens produzidas e difundidas pela indústria cultural, ou experiências profissionais) e assim por diante, de reestruturação em reestruturação (BOURDIEU, In: ORTIZ, 2003, p. 72).

Considerando-se a indissociável tríade estrutura-habitus-prática, o conceito de habitus - que é produto da estrutura e que estrutura as práticas dos agentes nas

diferentes situações sociais – é determinante para a compreensão dos processos de reprodução. Como diz Bourdieu:

Ser que se reduz a um ter, a um ter sido e a um ter feito ser, o

habitus é o produto do trabalho de inculcação e de apropriação

necessário para que os produtos da história coletiva, que são as estruturas objetivas (da língua, da economia), consigam reproduzir- se, sob a forma de disposições duráveis, em todos os organismos (os indivíduos) duravelmente submetidos aos mesmos condicionamentos, portanto, colocados nas mesmas condições materiais de existência. (BOURDIEU, In: ORTIZ, 2003, p. 70).

A constituição do habitus exige tempo. Os agentes (indivíduos), na medida em que são submetidos às estruturas objetivas condicionantes, as reproduzem, através de práticas analógicas. Em outras palavras, quanto maior for o tempo de convivência de um indivíduo em determinado grupo social, mais consistente se torna o seu habitus em relação ao habitus coletivo.

O habitus, portanto, é individual – dada a existência de diferentes estilos pessoais e da intencionalidade dos sujeitos - mas é também coletivo e social, pois as condições materiais de existência dos indivíduos são diferentes em cada grupo, classe ou fração de classe. Assim, pode-se dizer que o habitus de um grupo ou classe se caracteriza pela diversidade na homogeneidade; os membros de uma mesma classe, embora compartilhem da mesma visão de mundo, do mesmo habitus, possuem habitus singulares em decorrência das condições sociais de produção desses habitus (BOURDIEU, In: ORTIZ, 2003, p. 71-72).

Importa, aqui, considerar a noção de classe, especialmente enquanto frações de classe: camadas privilegiadas, camadas médias e camadas populares. Referindo-se a esta noção, Dubar (2005, p.82) assim a explicita:

Cada classe ou fração de classe é definida simultaneamente por um estilo de vida (bens consumidos, práticas culturais, etc.) e por uma

relação específica com o futuro que inclui “seus recursos em capital

econômico e cultural” (volume e estrutura de patrimônio). Uma classe

social se torna, assim, “a classe dos indivíduos dotados do mesmo

habitus”, ou seja, munidos das mesmas disposições para com o

futuro por partilharem das mesmas trajetórias típicas.

Todas as frações de classe (camadas) são, em maior ou menor grau, dotadas, sim, de capital econômico e cultural. O que marca, de fato, uma fração de

classe são as regularidades do habitus. Assim, para se dizer que um indivíduo pertence a esta ou aquela fração de classe, é necessário analisar as regularidades objetivadas em seu habitus; por outro lado, não se pode esquecer que o indivíduo pode fugir às regularidades do habitus, em decorrência da sua intencionalidade subjetiva, dado que o habitus funciona “como um princípio flexível, que permitiria ao indivíduo se adaptar ou mesmo improvisar dentro de certos limites, diante de cada nova situação” (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2004, p. 104).

O que define se um determinado grupo pertence ou não a uma das frações de classe é o volume do patrimônio, que é formado pelo capital econômico, pelo capital cultural e pelo capital social; e também pelo valor relativo do capital cultural possuído. Cada agente se mantém (ou não) em sua posição na estrutura de classes por meio do capital hegemônico possuído.