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4. TRABALHO ESCRAVO E O CAMPO DA PESQUISA

4.6 Caminho metodológico proposto

A principal estratégia metodológica desta pesquisa está centrada na assistência de um conjunto de reportagens apresentadas anteriormente ao grupo estudado. A partir daí, deflagramos o diálogo com os sujeitos investigados sobre as representações acerca do trabalho escravo contemporâneo a partir da mídia (mais precisamente no texto jornalístico televisivo), levando em consideração os contextos de suas falas.

Reafirmamos que a identidade pela qual olhamos esses sujeitos é a de trabalhadores rurais maranhenses. Partimos do pressuposto de que o trabalho seja um elemento determinante na vida desses sujeitos, ao ponto de não separarem o trabalho da vida. Neste contexto, entendemos o trabalho como “fato social total” (MASS, 1981), capaz de caracterizar esse grupo e dinamizar as sociabilidades dos sujeitos em outras instâncias da vida, como a família ou mesmo nas relações mais próximas de amizade, vizinhança e compadrio.

É pelo viés do trabalho que nos interessa conversar com eles. Um dos principais pressupostos que nos leva a esse entendimento está relacionado ao lugar, bem como ao tempo do trabalho na vida dessas pessoas. A divisão entre o tempo do trabalho e o tempo de lazer, por exemplo, não é definida como, em geral, se percebe em centros urbanos. No mundo rural, as possibilidades do trabalho e do lazer estarem relacionadas aumentam, por exemplo, nas roças de subsistência, em que os integrantes da família se reúnem para trabalhar, e que, ao mesmo tempo, a presença de crianças (filhos) torna as atividades mais lúdicas, confundindo-se, muitas vezes, com o lazer. Trabalhar na terra, parar para descansar e aproveitar para colher e comer uma fruta debaixo da árvore e ainda se refrescar no riacho próximo fazem parte da cotidianidade dessas pessoas. No caso das atividades relacionadas ao trabalho escravo, essas relações tendem a se apresentar de formas mais definidas, principalmente se há um gerente ou um fiscal controlando as atividades dos trabalhadores.

De todo modo, acreditamos que as relações com o trabalho descritas anteriormente, bem como o significado dele para esses sujeitos ainda tende a prevalecer,

mesmo para os trabalhadores rurais que foram submetidos a regimes de escravidão contemporânea. Não identificamos esses sujeitos como trabalhadores escravos, mas sim como trabalhadores rurais maranhenses que foram submetidos a regimes de trabalho escravo. Acreditamos que essa identidade define melhor o grupo estudado.

A conversa com os trabalhadores, dessa forma, é dividida em dois momentos: um antes da assistência das reportagens, e outro depois. No primeiro momento, nossas perguntas giram em torno das trajetórias de vida e do significado do trabalho para a vida dessas pessoas; e no segundo momento, pautamos a questão das representações do trabalho escravo a partir de materiais midiáticos.

Neste sentido, o texto jornalístico televisivo deflagra um diálogo sobre as representações do trabalho escravo para esses trabalhadores, que já foram submetidos a essa condição. Escolhemos um caminho metodológico para acessar essas representações a partir da busca do entendimento dos processos de identificação e apropriação desses sujeitos com relação à mídia.

Assim, a construção do roteiro de entrevistas a ser aplicado durante trabalho de campo é pautada por esta orientação. O primeiro bloco de questões versa sobre as trajetórias de vida dos trabalhadores e com o envolvimento deles com o trabalho. Queremos saber as principais concepções deles sobre o trabalho (O que é trabalho? Existem diferentes tipos de trabalho? Quais?). Ainda nesta etapa, abordamos o trabalho rural e pedimos para eles falarem sobre o seu significado.

Já na segunda etapa do roteiro de entrevistas, introduzimos a mídia (com a exibição das reportagens escolhidas) e uma conversa posterior que busca compreender em que medida esses sujeitos se apropriam de materiais midiáticos para constituir suas representações sobre o trabalho escravo.

O caminho escolhido para tentarmos acessar essas representações passa pelos processos de identificação dos materiais jornalísticos televisivos assistidos e comentados pelos entrevistados a partir de uma série de perguntas que seguem a linha de investigação sobre os níveis de aproximação ou distanciamento das representações midiáticas na constituição das representações dos sujeitos sobre o trabalho escravo.

Além dos processos de identificação que levam à constituição das representações dos sujeitos, o roteiro de entrevistas ainda relaciona questões ligadas aos processos de apropriação dos materiais midiáticos pelos entrevistados, ou seja, traz questões do tipo: se você pudesse escolher uma reportagem que melhor representasse o assunto ou a sua história, qual escolheria? Por quê? E também, se você pudesse produzir

uma reportagem que melhor representasse o assunto ou a sua história, como ela seria? Por quê?

Acreditamos que ao questionarmos os sujeitos sobre como eles construiriam uma reportagem sobre o assunto, caso fossem os produtores da notícia, deslocamos o seu lugar de fala e, assim, oportunizamos aos entrevistados falarem sobre como se apropriam desses textos midiáticos televisivos na constituição de suas representações sobre a temática.

O roteiro de entrevistas foi construído para nortear tanto o grupo de discussão quanto as entrevistas individuais. Trata-se de um instrumento de pesquisa que sugere um caminho a ser percorrido, mas que pode ser modificado de acordo com as respostas dos sujeitos no ato das entrevistas.

Também partimos deste roteiro para a sistematização dos dados recolhidos no campo empírico. Dessa forma, dividimos os resultados em três blocos principais de análise. O primeiro, que traz as discussões sobre trajetórias de vida e concepções sobre o trabalho; o segundo, que traz as noções dos sujeitos sobre o trabalho escravo e o terceiro, que relaciona essas representações sobre o trabalho escravo a partir da mídia, identificando os principais pontos de aproximação e afastamento dessas representações com relação ao texto jornalístico televisivo.

Buscamos, dessa forma, responder à principal questão da pesquisa: em que medidas um grupo de trabalhadores rurais maranhenses egressos do trabalho escravo contemporâneo se apropria da mídia para construir suas representações sobre o trabalho escravo? No próximo Capítulo, trazemos a análise dos materiais recolhidos no campo à luz do nosso percurso teórico-metodológico apresentado no decorrer do trabalho.

5. ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES DO TRABALHO ESCRAVO A PARTIR