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Finalmente tocamos nossos pés no chão da casa, ou essa estranha estrutura que, como um bloco de perceptos e afectos, mantém-se de pé enquanto lá fora, o caos, tudo passa à velocidade da luz. Esse chão é diferente. Há muitas manchas de tinta espalhadas, pequenos blocos de madeira e pedra perfilados próximos da parede, como se fossem esculturas inconclusas, uma nevoa espessa paira alguns sentimentos do chão e não conseguimos ver muito bem no que estamos pisando. Estamos na base e nos fundamentos dessa casa e troncos e folhagens forram a superfície e se entrelaçam em nossas pernas, sobem pelas paredes e molduram a porta e a janela.

Não há nada nessa casa que não esteja em ligação com os espaços adjacentes. É nesse sentido que o capitulo que se segue funciona como uma espécie de base para aquilo que veio antes e depois. No seio do conteúdo que ora se desabrocha também se encontra o olhar de Einstein, a sensibilidade de Picasso e o desejo de Gauguin. Andemos sobre esse solo, sentindo-o e fruindo sua energia.

Os artistas acadêmicos, como Jacques Louis David ou Ingres, exprimiam- se tendo como referência o “mundo”. Não que esse mundo ontológico já existisse a priori, mas o paradigma do regime poético e representativo da arte permitia a concepção de uma realidade pré-existente, acabada e pacífica, e através de medidas normativas se chegavaa uma mimese naturalista das coisas que se buscava representar. Já os artistas modernistas, inseridos no regime estético das artes, não tinham esse porto seguro para se agarrar. A arte moderna se destaca por exigir do artista que ele traduza, na obra de arte, uma sensação visual não naturalista, isto é, que não produza uma imagem submetida a uma estrutura de espaço e forma de objetos convencionais. Aliás, é justamente o reconhecimento de que a realidade é uma construção convencional que conduz os artistas modernistas a uma postura essencialmente irônica diante da cultura

europeia de seu tempo217. Foi o impressionismo, na metade do século XIX,

inspirado pelos experimentos pictóricos de Delacroix e Gustave Coubert, que afirmou, em primeiro lugar e sem nenhuma vacilação, a sensação como um acontecimento absoluto da existência. A partir desse momento, todos os artistas em contato com a arte moderna buscaram expressar a sensação como condição de autenticidade do ser através da renúncia de toda noção habitual e convencional da realidade. O homem moderno, propagado através da arte, deveria estar aberto e pronto para a experiência direta do “real”, agora com aspas.

A postura irônica que esses artistas cultivavam era fruto de um profundo desencantamento com as ordens das coisas em que os valores individualistas eurocêntricos lhe apareciam como construções artificiais, “ideológicas” e repressivas. O senso comum foi ferido de morte e por isso era preciso subvertê- lo, torná-lo completamente estranho a si mesmo. Assim, a realidade não era mais um dado pacífico ou um ambiente natural e familiar. No lastro de um niilismo perigoso, mas libertador, o artista modernista deveria se livrar daquilo que se entendia como amarras, isto é, a própria cultura ocidental, e descobrir, como um visionário e vidente, novas possibilidade de realidade forjando sentidos de uma nova era. Essa busca está presente na experiência do flâneur urbano de Baudelaire, nos desarranjos sensuais de Rimbaud e no mergulho visual de Cézanne, quando este decompõe analiticamente o olho e seu espírito nas montanhas de Sainte Victoire ou nos espaços vazados das maçãs218. A

descrença na própria cultura e suas normas – beleza, verdade e realidade – os levou a uma análise distanciada e historicizada do mundo e a uma comparação com outras culturas. Portanto, quase todo artista modernista era ao mesmo tempo artista e etnógrafo219.

Esse contexto fez surgir no horizonte dois caminhos que foram seguidos paralelamente. O primeiro foi estabelecer qual seria a estrutura de um mundo

217CLIFFORD, James. A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro:

Editora UFRJ, 1998, p. 132-133.

218 MANGUEL, A. Lendo Imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.

45.

219CLIFFORD, James. A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro:

vivido através, e exclusivamente, da sensação e do fenômeno. O outro caminho levou à necessidade de responder a uma pergunta existencial fundamental: qual é o sentido e a finalidade da existência humana vivida pela sucessão de sensações em um contexto social e histórico que o define220. Como resposta a

esse percurso, a arte moderna desconstrói parte a parte todo o princípio de autoridade que até então regia, por exemplo, a arte acadêmica, pois como a arte moderna toma consciência dos processos históricos em que ela mesma estava inserida, toda a noção de beleza e estética absoluta e a-histórica que fundamentava o classicismo de então vem abaixo. Dessa forma, a arte moderna não apenas revoga o regime representativo das artes, mas também vai além de qualquer tradição nacional da arte, deixando de se definir também como uma arte atemporal, mas como a arte de uma sociedade histórica que busca abolir as fronteiras nacionais e instituir uma arte internacional.

Portanto, a arte moderna tem uma forte consciência histórica de seu próprio tempo. E justamente por isso ela se debruça sobre problemas que não se limitam a problemas estéticos, mas também problemas intelectuais, morais, sociais, religiosos e políticos. Entretanto, por seu caráter completo e insubstituível – daquela experiência da realidade vivida como sensações – afirma resolutamente sua autonomia. É irônico, portanto, que ao mesmo tempo em que os artistas e seus teóricos afirmam a capacidade da arte de transformar e moldar a experiência cotidiana do homem moderno, o seu slogan mais conhecido seja o da Art pourl’art. Porém, ao afirmar a arte pela arte, o que artistas e seus defensores, jornalistas e teóricos acabavam mostrando é que a arte era o eixo fundador da percepção do mundo – e esse é o cerne do regime estético da arte – e, por isso mesmo, indispensável para a formação e educação estética da sociedade.

Se a arte era o elemento modelador da percepção que a sociedade tinha de si mesma e do mundo e se o artista era parte da sociedade, então suas criações eram o produto dessa relação dialética que o artista travava com a sociedade de seu tempo, portanto, qualquer apelo a uma estética universal, que fosse além dessa relação imediata e local perdia o seu valor. Como o contexto

220 Essa perspectiva é um dos produtos do regime estético das artes e não se remete apenas a Vico ou

em que a arte moderna aparece foi de aceleração contínua das relações sociais, impulsionada pela industrialização que causou transformações econômicas, políticas e culturais, era de se esperar que se formassem continuamente grupos e tendências artísticas que reivindicavam seu programa próprio e procuravam impor sua própria poética.

Dessa forma, a consciência de que a arte era sempre o produto da relação do artista com o mundo em que ele vivia é a chave para explicar a emergência de diversos ismos que brotam nesse período221. Esses grupos não tinham a

intenção de reivindicar e representar os eternos valores religiosos e morais, pois a arte se transformou em expressão e modo de vida em uma época em que esta estava em profunda e intensa transformação. A ideia da arte como modo de vida engendrou novos problemas e objetivos. E, em primeiro lugar, chegou-se à conclusão de que a sensação e a percepção não são valores eternos, mas mudam continuamente através do desenvolvimento histórico das sociedades e que embora a percepção e as sensações mudem, o equipamento mental humano, isto é, a consciência e a inconsciência, que se revela no fenômeno que percebe, revelam uma estrutura constante222.

Nessa época, em que os paradigmas estéticos da Europa passavam por profunda mudança, a importância das obras e dos artistas africanos também sofreram deslocamentos radicais. O museu imaginário do Ocidente, na era do regime estético, alargou-se de forma quase infinita em direção ao passado e ao futuro da arte223. No período em que a arte acadêmica e suas regras eram

hegemônicas não se reservava, ao que era produzido na África, mais que um território destinado ao excêntrico, curioso, esdrúxulo, rudimentar e grotesco. No começo do século XX, no entanto, a escultura africana passou a ser admirada por jovens artistas europeus, que viram nela uma inspiração e modelo para a arte que eles mesmos produziam. Artistas que posteriormente seriam consagrados pela narrativa modernista da história da arte, como Vlaminck,

221 ARGAN, G. C. “As Fontes da Arte Moderna”.In: A arte moderna na Europa: de Hogarth a Picasso. São

Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 427.

222Ibidem, pp. 428-429.

223 E isso não apenas aos outros continentes. Mesmo em relação à Europa, esse alargamento abarcou, por

exemplo, as artes dos povos “bárbaros”, como a arte gótica, cujo reconhecimento enquanto arte se deu em meados do século XIX.

Matisse, Picasso, Derain, Braque, Lipchitz, Brancusi e Modigliani viram na arte africana o que Donatello, Alberti, Bruneslechi viram na arte da Grécia Antiga e graças a isso mudaram a direção da arte de seu próprio tempo, estabelecendo novas territorialidades sobre aquilo que antes não era nem sequer chamado de arte.

Gauguin é um caso paradigmático da nova relação com a chamada art

nègre que se estabeleceu com os artistas ocidentais. Gauguin buscava a

sensação, mas ao contrário de Monet e sua pintura puramente visual, ele construía suas imagens simplificando as formas ao máximo com a intenção de investigar quais experiências “selvagens” elas suscitavam nos observadores. Em seu entendimento, o quadro deveria ser dotado de uma existência e de um poder que se assemelhasse aos “fetiches” dos povos primitivos. Nesse sentido, na concepção estética de Gauguin, o homem primitivo era aquele que, por excelência, viveria apenas de sensações e por isso ele rapidamente se transformou em um modelo a ser perseguido.

Mais ou menos na mesma época que Gauguin se encantava como os “primitivos” taitianos e jovens artistas trocavam suas cópias empoeiradas de Apolo de Belvedere por estatuetas e máscaras africanas224 em seus ateliês, o

antropólogo alemão Leo Frobenius partiu para a África para conhecer seus povos e suas culturas. Mas ele não era um antropólogo qualquer. Munido de uma bagagem cultural formada no caldo filosófico do romantismo alemão, seus olhos construíram uma subjetividade única e bastante distante da antropologia em voga naquela época, que buscava o estabelecimento de união da humanidade através de uma teoria que desejava apreender a universalidade da espécie humana. Frobenius estava inserido em uma corrente denominada difusionista, que vai se contrapor ao pensamento hegemônico dos antropologistas do século XIX, que estavam completamente convencidos que a antropologia tinha uma missão global e que as características similares da

cultura dos diferentes continentes deveriam ser examinadas em uma comparação direta225.

Consequentemente ao reconhecimento de que haviam técnicas artesãs similares em distantes lugares do mundo, a questão de como tais semelhanças se constituíram e quais mecanismos estavam por debaixo dessa produção cultural congruente tornou-se objeto de intenso debate. A forma hegemônica de explicar tais semelhanças ocorria via o princípio da evolução e, consequentemente, a partir da ideia de que existiam sociedades que eram mais ou menos evoluídas do que outras. E, embora esta teoria tenha encontrado seu apogeu no século XIX, ela ainda é utilizada para explicar as similitudes entre diferentes sociedades. O uso inconsciente de alguns conceitos utilizados para designar sociedades não ocidentais como primitivas, não desenvolvidas, tecnologicamente atrasadas ou deficientes ecoam essa perspectiva evolucionista de encarar o Outro que estava na moda entre os anos 1850 e 1900 e mesmo um pouco adiante226.

Esse momento também marcou a emergência dos museus antropológicos, que eram organizados a partir de séries evolucionistas. Deste modo, as exibições dos museus se transformaram em explanações das conexões entre culturas. Elas demonstravam a unidade da humanidade em que alguns grupos viviam no atraso e na pré-história. Em um artigo bastante revelador, o historiador Wolgang Döpcke analisou as exposições públicas do acervo etnológico do Landesmuseum Hannover, o principal museu da cidade de Hanôver, Alemanha, entre os anos de 1854 a 1943. Nesse estudo, Döpcke escreve que, até o começo do século XX, acreditava-se que a única razão para expor objetos etnológicos no museu de Hanôver era para comparar com os objetos da pré-história alemã227. Assim, na metade final do século XIX até as

duas primeiras décadas do século XX, em um contexto de emergência do nazi-

225 HAHN, H. Peter. “Leo Frobenius in West Africa: Some Remarkson the History of Anthropology”. In: R.

KUBA; M. HAMBOLU (Org.). Nigeria 100 Years Ago. Through the Eyes of Leo Frobenius and hisExpeditionTeam. Frankfurt: Frobenius Institut, 2010, p. 27.

226Ibidem, p. 28-29.

227DÖPCKE, W. Ordem, exotismo e raça representações 'do outro' num museu da província prussiana (1854 1943). Museologia e Patrimônio, v. 4, p. 3-25, 2011, p. 7. É interessante como Döpcke mostra, acerca do museu etnográfico de Hanôver, como, apesar de serem expostos os mesmos objetos ao longo de cem anos, o que se constitui como um fator verdadeiramente dinâmico é que os significados dos objetos, nos enunciados dos curadores e do museu, variam enormemente.

fascismo na Europa, as peças etnológicas eram apresentadas ao lado de peças oriundas de culturas germânicas antigas. Os objetos etnológicos eram usados como a representação de um estágio pré-histórico da própria Germânia. Nesse sentido, objetos etnológicos africanos serviam como ilustração do “pré-estágio” das culturas europeias, mesmo que esses objetos africanos fossem contemporâneos ao próprio museu, seus curadores e visitantes.

Essa concepção territorializava a “arte africana” dentro de um escopo evolucionista que concebia um artefato como selvagem e pré-histórico. Tal concepção desvela dois aspectos: a opressão política, pois acabava legitimando a colonização e a missão civilizatória dos Estados imperiais no continente africano e asiático, e também a opressão cultural, pois, ao estabelecer o distanciamento temporal evolucionário, negava-se o Agora do “primitivo”, alocando-o no passado do Adulto ocidental. Isto é, aquilo que já estava desaparecido na Europa, por consequência, também deveria desaparecer, através do desenvolvimento, evolução e progresso, na África.

Não é coincidência, portanto, que a partir da década de 80 do século XIX a Europa foi inundada por peças etnográficas que chegavam através da penetração europeia no continente africano228. Museus de toda a Europa

receberam inúmeros objetos concebidos como troféus da conquista colonial e consequentemente se transformaram em orgulho nacional. Esse movimento se conjuga, por exemplo, com a Expedição Punitiva ao Benin em 1897, quando tropas expedicionárias britânicas invadiram a cidade de Benin, destruindo-a e “confiscando”, ou melhor, pilhando, mais de 2400 peças de bronze daquele povo e enviando-as a diversos museus europeus, especialmente os britânicos. Nessa mesma época, a Alemanha havia se transformado no país com o maior número de museus dedicados à etnologia. O museu de Hamburgo, por exemplo, passou de 1.834 peças em 1879 para 104.533 no ano de 1915. Só o Museu de Berlim

228 No entanto, a primeira experiência da Europa com objetos plásticos africanos se deu muitos séculos

antes, mais especificamente no século XVI, quando portugueses encomendavam aos sapes de Serra Leoa diversos objetos entalhados para ser comercializados na Europa. Dessa forma a sensibilidade africana se dedicou a agradar os gostos da Europa. Os principais objetos esculpidos diretamente no marfim eram trompas de caça, cibórios, saleiros, compoteiras, colheres e garfos que eram esculpidos com uma maestria excepcional e que surpreendem as pessoas ainda hoje. Ver WILLETT, F. Arte Africana. São Paulo: Edições SESC São Paulo, 2017, p. 16.

aumentou o número de objetos oriundos da África de 7.000 em 1884, ano da Conferência de Berlim, para 55.000 em 1914229.

Döpcke também divide a história da exposição dos objetos etnológicos do museu de Hanôver em cinco regimes de representação que territorializaram esses objetos em planos de imanência diferentes. Estes regimes são divididos da seguinte maneira: primeiro (1856 até 1901), os objetos eram expostos enquanto curiosidades; segundo (1902- 1920), os objetos eram expostos como objetos domados, presos e classificados; terceiro (anos 1920), objetos expostos na chave do exotismo; quarto (meados dos anos 1930), já no período nazista, objetos expostos na chave do dominável, subjugado e colonizável, e quinto (depois de 1939), objetos expostos para demonstrar as raças inferiores e subjugadas.

Em concordância com esta visão de mundo, as sociedades europeias eram percebidas como o ápice da escala evolucionária. Assim, as coleções de objetos etnográficos eram utilizadas como evidência evolutiva, servindo como exemplos de evolução da tecnologia, das estruturas religiosas e sociais. Essas hierarquizações serviam também para ilustrar o desenvolvimento das ferramentas agrícolas, vestuário e trabalhos com metal. As semelhanças de objetos etnográficos de diferentes continentes eram utilizadas para mostrar que, muitas vezes, diferentes culturas em diferentes partes do globo estavam em um mesmo nível de evolução. Assim, o evolucionismo propunha uma teoria de uma não sincronia, isto é, que segmentos da humanidade estavam condenados ao “atraso” evolucionário.

Um exemplo do desdobramento dessa visão na representação da arte africana é que alguns comentadores diziam que a escultura africana tinha o aspecto “rústico” e era “mal acabada” pela precariedade das ferramentas disponíveis na época. Isso fica evidente, por exemplo, quando se lê o seguinte comentário da famosa antropóloga Denise Paulme, escrito no começo do século XX:

229DÖPCKE, W. Ordem, exotismo e raça representações 'do outro' num museu da província prussiana (1854 1943). Museologia e Patrimônio, v. 4, p. 3-25, 2011, p. 14.

A arte do entalhe em madeira é governada em parte pela baixa qualidade dos instrumentos, cujas lâminas e gumes são ineficazes quando diante de um material duro e inflexível230.

No entanto, além de ignorar que as formas plásticas da escultura não eram mal acabadas, pois suas formas aparentemente “mal feitas” eram parte consciente da intencionalidade artística, e o ferro forjado de modo tradicional, apesar de macio, tinha um gume bastante afiado e acredita-se que ele era muito mais eficiente que as ferramentas de corte modernas produzidas localmente com aço temperado e importado para outros propósitos (como molas de automóvel)

231.

De uma perspectiva da antropologia contemporânea, essa concepção evolucionista parece não científica e não oferece nenhuma relevância para compreender as culturas ao redor do mundo. No entanto, não podemos esquecer que o imaginário do século XIX estava profundamente enraizado na ideia de “desenvolvimento”232.Mas, como já mencionado, o evolucionismo não era a

única força concorrente nas linhas de interpretação antropológica. Seus críticos na época, os difusionistas, defendiam a singularidade das formas culturais como evidência de similaridade, mesmo que a localização de um respectivo fenômeno cultural não fosse autoevidente por si mesmo.

Contrapondo-se então ao evolucionismo, esta outra concepção antropológica emergiu e ganhou espaço na segunda metade do século XIX. Trata-se de uma perspectiva que angariou apoio especialmente nos países de língua germânica. Ela foi elaborada a partir do assim denominado

kulturhistorischeMethode (método cultural-histórico), e um dos méritos dessa

concepção é que ela dedica especial atenção à relação espaço-cultura. A distância espacial entre culturas que aparentavam aspectos semelhantes deixou de ser explicada como uma geração espontânea e passou a ser compreendida

230 PAULME, D. African Sculpture. Londres: Elek Books, 1962, p. 21.

231 WILLETT, F. Arte Africana. São Paulo: Edições SESC São Paulo, 2017, p. 170.

232 HAHN, H. Peter. “Leo Frobenius in West Africa: Some Remarkson the History of Anthropology”. In: R.

KUBA; M. HAMBOLU (Org.). Nigeria 100 Years Ago. Through the Eyes of Leo Frobenius and hisExpeditionTeam. Frankfurt: Frobenius Institut, 2010, p. 28-29.

através da evidência de conexões históricas ancestrais e compartilhada em um complexo cultural mais amplo233.

Essa corrente da antropologia histórico-cultural e difusionista tem no antropólogo alemão Leo Frobenius uma figura pioneira e um de seus principais representantes. Frobenius, embebido pelo coquetel romântico-iluminista do seu tempo, acreditava profundamente na unidade da humanidade e só conseguia enxergar um propósito para a antropologia, que era explanar esta unidade observando suas diferenças e semelhanças234. Além de ser um dos primeiros

antropólogos a fazer da África o seu campo de estudos espacial, hoje em dia Leo Frobenius é conhecido como um intelectual e aventureiro que promoveu a etnologia na Alemanha. Ele também foi um antropólogo controverso em seu tempo. Nascido em 29 de junho de 1873 na cidade de Berlin, filho de um oficial prussiano, Frobenius passou sua juventude em diferentes quartéis militares da

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