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Antes de iniciarmos imagine um espaço infinito. A única distinção que se pode fazer é a linha do horizonte que se estende até onde sua vista alcança. O chão é cinza e, conforme se aproxima da linha do horizonte, ele vai se tornando mais claro, próximo do branco. No ponto em que se encontra o horizonte há um branco absoluto (na realidade, uma simples linha branca que cruza horizontalmente seu campo de visão), mas acima dele, esse branco vai escurecendo até o azul mais profundo que você já viu. Estamos no puro caos, a velocidade é infinita, tudo se transforma e se move de maneira mais rápida que sua capacidade cognitiva pode perceber. Uma espécie de pintura abstrata sem começo nem fim.

Você não se sente parado, mas se movendo em uma velocidade realmente incrível quando, no horizonte, surge um pequeno ponto que vai crescendo conforme você se aproxima. Logo esse ponto se transforma numa estrutura. Ela parece uma casa, carrega em si o princípio fundamental da arquitetura, que é cravar um território no não-território. Entretanto, sua forma não é estática, mas tremular, lembra uma espécie de aparição fantasmagórica em que as paredes vibram, por alguma razão esta casa parece uma espécie de barricada contra o movimento infinito do caos e por isso uma vontade irrefreável de entrar toma seu espírito. Para sua surpresa há uma janela e uma porta, mas, por alguma razão, é a janela que te chama atenção e você se aproxima, esta janela é a obra Negerplastik que paira no ar e parece convidá-lo a folhear suas páginas.

***

Quando Carl Einstein publicou a obra Negerplastik em 1915, ele considerou, de modo análogo às vanguardas europeias, o status de arte para uma série de objetos da África negra sem distingui-los por regiões ou grupos

étnicos. A grande diferença entre Einstein e os artistas, entretanto, é que ele é o primeiro a tentar estabelecer um pensamento teórico sobre a arte africana. Para Barbosa46, tal livro reveste-se de uma importância significativa no que tange a

Arte africana, uma vez que reconhece o impacto causado pelas considerações estéticas em relação às expressões plásticas africanas, colocando-as em um patamar que lhe era, até então, negada. Negerplastik apresenta esculturas, estatuetas, taças, trompas, bancos, efígies, bustos, cabeças, relicários, postes funerários em 111 lâminas fotográficas – nem todas realmente africanas, pois algumas são oceânicas.

Carl Einstein, nas palavras de Liliane Meffre, foi o descobridor da arte africana e o primeiro teórico ocidental a levá-la realmente a sério. Einstein nasceu em 1885 em Neuwied em uma família judaica, cresceu em Karlsruhe e depois se mudou para Berlim, onde, na Universidade, estudou filosofia, filologia, história e história da arte. Durante sua formação, assistiu a aulas de professores famosos, como Heinrich Wölfflin, Georg Simmel e Aloïs Riehl. Já em 1912, criou a revista Neue Blätter com o objetivo de difundir a literatura francesa (Mallarmé, Rimbaud, Gide e Claudel). Sua primeira visita à França ocorreu alguns anos antes e lhe proporcionou contato com as vanguardas artísticas de Paris e se tornou conhecido do famoso mercador de arte Daniel-Henry Kahnweiler, que chegou a ser “retratado” por Picasso.

Na virada do século até por volta de 1920, Einstein viveu entre a Alemanha e a França, e brevemente na Bélgica durante a Primeira Grande Guerra, e em 1928 se estabeleceu definitivamente em Paris. Nesse período, teceu relações pessoais com artistas, escritores e poetas da capital francesa e também como artistas dadaístas de Berlim. Além de se dedicar à crítica e teoria de arte, Einstein lança-se ao que Meffre define como “reconquista da linguagem e à expressão de uma nova percepção da realidade tal como a descobre simultaneamente nos cubistas”47. Em 1912, publica um romance inspirado na

46 BARBOSA, M. A. Carl Einstein interdisciplinar: sobre Escultura Negra (Negerplastik).

InPandaemoniumger, São Paulo, n. 18, Dec. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-

88372011000200008&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 21 de julho de 2014.

47 MEFFRE, L. “Apresentação”. In: EINSTEIN, C. Negerplastik (escultura negra). (Org. Liliane Meffre).

linguagem fragmentada do cubismo chamado Bebuquin oder die Dilettanten des

Wundes (Bebuquin ou os diletantes do milagre), que seria dedicado a André Gide

e foi, posteriormente, considerado um dos primeiros romances surrealistas e referência para os dadaístas. Um crítico sem plumas, nos dizeres de Roberto Conduru, Einstein desenvolve uma relação bastante tensa com o mundo artístico, não sendo surpreendente que, em 1924, apesar de ter sido convidado para ocupar a cadeira de história da arte na Bauhaus mesmo sem ter um doutorado48, ele tenha negado o convite. Em 1926 ele publica a obra chamada

Die Kunst des 20. Jahrhunderts (A arte do século XX), que, devido a seu

sucesso, conhecerá duas novas edições em 1928 e 1932, respectivamente. Tal obra se configurou como precursora da história da arte moderna e foi considerada por Georges Didi-Huberman uma verdadeira “obra-prima de síntese histórica”. Einstein também demonstrou possuir um poder divinatório ao professar que “a velocidade futurista é precursora da energia fascista. ”49

Em 1929, em companhia de Georges Bataille, Georges Wildenstein, Georges-Henri Rivière e Michel Leiris, entre outros, funda a mítica revista

Documents, abrindo-lhe caminho para valiosas contribuições germânicas que

até então eram relativamente desconhecidas na França50. A revista se

transformou em grande divulgadora da estética das vanguardas europeias daquele período, estabelecendo uma espécie de contrapeso a André Breton, após Bataille ter rompido com este pouco tempo antes. Documents tinha uma pegada etnográfica que a atrairia a colaboração de futuros pesquisadores de campo como Griaule, Schaeffner e Michel Leiris51. Em suas contribuições à

revista Documents, Einstein revela suas preferencias estéticas, como em um artigo seu intitulado André Masson étude ethnologique, publicado na revista em 1929, em que ele empreende um estudo etnológico de um artista europeu, André Masson, fazendo ecoar uma espécie de manifesto cubista-surrealista. Nesse artigo, Einstein defende que tanto o artista quanto o crítico devem abalar o que

48 Conduru, R. Uma crítica sem plumas – A propósito de Negerplastik de Carl Einstein. In Concinnitas, ano

9, volume 1, número 12, julho 2008, p. 157.

49 Ibidem, p. 157.

50 MEFFRE, L. “Apresentação”. In: EINSTEIN, C. Negerplastik (escultura negra). (Org. Liliane Meffre).

Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2011, p. 10.

51CLIFFORD, James. A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro:

é chamado de realidade através de alucinações não adaptadas, bem como subverter as hierarquias de valor do real. Para Einstein, as forças alucinatórias abririam fissuras na ordem dos processos mecânicos. Dessa forma, era preciso introduzir blocos de “a-causalidade” na vivência das pessoas, expondo, nesse processo, as fraturas e o absurdo da vida. Era preciso rasgar a realidade, habitando não os polos confortáveis de uma dialética hegeliana, mas os abismos e os entre-lugares desses choques.52

Entre o final dos anos 20 e início dos 30, Einstein se transforma numa espécie de conselheiro de grandes colecionadores de arte e amigo pessoal de Kahnweiler, que chega a publicar alguns de seus poemas com ilustração de Gaston-Louis Roux. Em 1934, escreve, junto a Jean Renoir, o roteiro do filme

Toni (1935), e atua, nessa ocasião, como roteirista e diretor de arte. O contexto

político, entretanto, acaba levando-o a um engajamento político que o afastou definitivamente das artes. Em 1936, em coerência com suas crenças políticas, viaja para a Espanha a fim de lutar contra o fascismo dos nacionalistas espanhóis liderados por Franco. Einstein, nessa ocasião, engrossa as fileiras dos anarquistas, na Coluna Durruti. Meses mais tarde, na cidade de Barcelona em novembro de 1936, será a voz dele que pronunciará na rádio do CNT-FAI o elogio fúnebre a Durruti. Como oficial da Coluna, ele participará de inúmeras batalhas, especialmente na linha de frente de Aragão. Após a derrota das forças progressistas, Einstein retorna a Paris em 1939, local em que tentará se estabelecer novamente, mas, enquanto judeu, é detido e deportado para o campo de Bassens. Após ser liberado tenta se matar, mas fracassa, tendo sido recolhido por monges de Lestelle-Bétharram. Sendo impedido de escrever e de ter uma vida digna, fará seu “último ato de liberdade”, jogando-se no rio Gave de Pau, falecendo no dia 5 de julho de 194053.

Para compreender o seu pensamento e especialmente a obra

Negerplastik, é preciso, sobretudo, destrinchar os regimes de representações

sobre a África que constelam a visão de mundo de Carl Einstein; entender as representações, usos e funções das culturas ditas “primitivas” nos

52CLIFFORD, James. op.cit., p. 148.

53 MEFFRE, L. “Apresentação”. In: EINSTEIN, C. Negerplastik (escultura negra). (Org. Liliane Meffre).

agenciamentos estéticos das vanguardas, que culminaram na ideia de uma arte autêntica, anônima e atemporal. Os regimes de representação que atravessam

Negerplastik giram em torno de uma abordagem formal e estética de Einstein.

De tal modo, a metamorfose dos objetos africanos, em seu olhar, deixa-nos ver não apenas a “arte africana” que dele emerge, mas, também, os feixes, colagens e juncos de representações que ancoravam o seu olhar para esses objetos e estabelecem conexão com outros pensamento e linguagens estéticas europeias da época, como as considerações e as relações com o Outro no campo da etnografia e, no campo artístico e estético, com a linguagem cubista, dadaísta e surrealista em voga no período em que escreveu o seu texto.

Se partirmos da linguagem descritiva de Carl Einstein para a “plástica negra”, perceberemos que ela se aproxima do método formalista54, que marcou

profundamente a história da arte no século XX. Tal perspectiva permitiu que Einstein, especificamente na obra de 1915, não se importasse com as significações do objeto artístico em seu contexto de origem, isto é, o autor não se preocupou em descrever os usos e as funções da obra em seu local de criação. Um exemplo é que na primeira versão de Negerplastik não havia sequer legendas explicando as origens das obras africanas e oceânicas apresentadas no livro. Por outro lado, Einstein destacou as características formais dessas obras como as soluções tridimensionais, a simultaneidade das esculturas e máscaras que mostravam em um único objeto vários tempos vividos por uma mesma visão55.

Segundo Roberto Conduru, Negerplastik pode ser interpretado como um livro de teoria da arte em geral e não apenas da arte da África, pois conforme o trecho acima demonstra, Einstein abre diálogo com categorias comuns no pensamento sobre arte da Europa, como a categoria “escultórico” e problemas formais, como tridimensionalidade e frontalidade. Nesse ponto, Einstein conversa intimamente com os pensamentos de Adolf Hildebrand, autor de O

54 O formalismo foi um método de interpretação e de crítica da arte criada pelo suíço Heinrich Wölfflin

(1864-1945) autor de, entre outros livros, Fundamentos da História da Arte (1915). Wölfflin desenvolveu um olhar para a obra de arte a partir de suas especificidades estilísticas e concretas, isto é, suas formas e cores em detrimento de grandes generalizações ou de temas e contextualizações, estabelecendo, assim, as bases para uma análise formal e minuciosa das constantes de determinadas obras de arte e estilos artísticos.

problema da forma nas artes plásticas de 1893 e também com uma vasta

tradição de estudos da forma na arte, que tem nos estudos de Konrad Fiedler e Heinrich Wölfflin grande influência56.

Carl Einstein abre o texto dizendo que a arte africana é vista com desconfiança pelo europeu. Essa desconfiança não é exatamente sobre sua qualidade técnica, mas sobre o próprio estatuto de arte que se pode (ou não) atribuir a esses objetos. Esse estado das coisas faz com que o europeu se distancie da arte africana, que o impede de criar um juízo estético sobre as mesmas, já que para isto o europeu deveria ter certa familiaridade com essa “escola”. Por outro lado, Einstein também leva em conta o fato de que os negros eram considerados inferiores e que todas as suas criações, consequentemente, seriam insuficientes. Essas opiniões são fundamentadas em hipóteses evolucionistas, que deslocam o homem negro para outro lugar: o primitivo, final dos tempos e outras tantas coisas57. O negro nesse caso é a esperança do

homem europeu em encontrar o seu próprio passado no presente do negro, como uma espécie de fonte das origens.

Dessa forma, Einstein sugere que a arte africana não é considerada como tal pelo pouco conhecimento que se tem de suas criações devido ao puro e simples preconceito contra o homem negro. Na sequência, Einstein é taxativo e afirma que, do estado atual das coisas, pode-se tirar as seguintes conclusões: primeiro, uma cultura africana importante desapareceu – refere-se à cultura que fomentou essas obras -; segundo, o negro atual é uma espécie de ascendente do negro antigo, que já não existe mais.

Essa breve introdução funciona, em seu texto, como uma justificativa para a existência da obra Negerplastik. O seu objetivo parece ser o de preencher essa lacuna no conhecimento que o europeu tem dos objetos e da arte negra. No momento em que isso é feito, ele adentra na arte africana não por um caminho esperado: a própria África, mas através da arte moderna europeia, pois é assim que ele primeiramente se refere à arte negra: aquilo que era objeto de

56 CONDURU, R. “Arte e África, coleção e crítica – aberturas”. In: Carl Einstein e a arte da África. (Orgs.

Elena O’Neil; Roberto Conduru). Rio de Janeiro: EdUERJ, 2015, p. 249.

57 EINSTEIN, C. “Negerplastik”. In: Carl Einstein e a arte da África. (Orgs. Elena O’Neil; Roberto Conduru).

maravilhamento e experiências por parte da vanguarda, como o cubismo, surrealismo, futurismo e dadaísmo – a saber, a criação através de formas visuais, táteis e arquitetônicas puras e não por meio de um ilusionismo pictórico ou perspectivo -, era, para o negro antigo, uma espécie de intenção metódica. É dando um salto entre uma cultura antiga já “morta” e um “processo artístico atual” que Einstein opera uma montagem que institui uma nova história da arte. Nessa nova história a arte africana estava no centro. Pois aquilo que, nesta arte, aparecia como sendo um não sentido – referindo-se, talvez, ao estilismo fulgurante das esculturas africanas - aos olhos dos europeus, só ganhou significado à luz dos experimentos vanguardistas.

É como se o escultor de vanguarda, como Brancusi, ao colocar o problema do espaço e formulando uma maneira própria de criação artística encontrasse na arte africana o seu fundamento, pois estes já haviam se enveredado por esses caminhos muito antes da arte europeia o fazer. Essa descoberta fez com que a arte africana fosse colecionada e “cultuada” pertos artistas e colecionadores da Europa.

O fato de incluir, na descrição introdutória da arte africana, os processos de criação dos artistas de vanguarda, acontece pela razão que, para Einstein, a arte africana passou a ser objeto de atenção por parte do público europeu em função do presente imediato, isto é, graças aos experimentos plásticos vanguardistas.

Antes de continuarmos, contudo, é preciso demorar mais um pouco nessa questão para perceber que essa forma de construir o pensamento através de uma montagem entre um antes, aparentemente já superado, e um novo pulsante que ainda mal pode ser compreendido aparece de forma mais ou menos parecida em outros pensadores e movimentos vanguardistas contemporâneos a Carl Einstein. Ela está presente na concepção de Teatro Épico de Bertolt Brecht, em que tempos diferentes se entrelaçam e criam, no observador, a tomada de consciência da linguagem teatral, na pintura cubista de Braque ou Picasso, em que diferentes temporalidades se convergem em uma só forma ou na fotomontagem dadaísta, que também trabalha exaustivamente a questão da

simultaneidade na unidade da imagem extática. Aliás, a montagem é o método da arte moderna por excelência58.

Nesse sentido, Einstein, quer também fazer uma espécie de montagem entre a plástica negra, que para ele sobrevive de forma residual nas comunidades mais “primitivas” da África com a arte de vanguarda europeia. Essa montagem consiste em colocar em choque um passado e o futuro através de uma operação declaradamente anacrônica, a plástica negra e as experimentações vanguardistas do final do século XIX e início do XX, especialmente com o cubismo, conformariam uma nova imagem, algo como uma espécie de “fotomontagem” dadaísta cujo resultado é completamente novo e inesperado. A montagem nesse sentido é “uma explosão de anacronias porque procede como uma explosão da cronologia”59. Esse distanciamento temporal, na

perspectiva europeia, tomado a partir da plástica negra, pretende produzir um efeito de estranheza nas práticas artísticas europeias, que as retire de seu conforto. Tal montagem, como uma espécie de dialética entre dois campos extremos, pretende extrair não uma síntese pacificadora, mas um princípio para o estabelecimento de uma arte de vanguarda que supere as formas artísticas imediatamente anterior à estética vanguardista.

Assim, ao tratar de Negerplastik é primordial estabelecer-se nesses entre- lugares: de um lado a crítica aos procedimentos estéticos da arte europeia de então, especialmente no caso desse livro as esculturas, e, do outro lado, as plásticas negras enquanto tal. Não é possível, portanto, falar dessa obra de 1915 sem falar, também, daquilo que ela queria superar: a arte europeia.

Voltando à Negerplastik, após as considerações iniciais, Einstein explica a situação atual dos conhecimentos gerais sobre a arte africana e mesmo sobre as populações do continente. Para ele os conhecimentos sobre essa forma de expressão eram parcos e imprecisos, com exceção das obras do Benin - talvez aqui ele se refira aos bronzes pilhados pelas tropas inglesas em 1897 - nada estava datado. É preciso lembrar que a data de publicação de Negerplastik foi anterior à descoberta das esculturas de terracota da cultura nok, na Nigéria, na

58 DIDI-HUBERMAN, G. Quando as imagens tomam posição. Belo Horizonte: UFMG, 2017. p. 80. 59 Ibidem, p. 123.

década de 50 que permitiu que os historiadores da arte africana pudessem estabelecer, mais solidamente, os fios da tradição escultórica africana60, que até

então, eram mais situadas como remanescentes de Atlantes do que de uma tradição viva e local.

Einstein também diz, acertadamente, que é difícil estabelecer um estilo para uma “tribo”, pois, além das inúmeras migrações, estas muitas vezes combatiam por “fetiches” e que se apropriavam dos deuses dos vencidos como troféu e também para assegurar força e proteção. Para ele, nem os conhecimentos históricos e nem os geográficos, em 1915, poderiam oferecer precisão sobre a arte africana. Portanto, naquele contexto, tudo que poderia ser dito sobre a arte africana lhe parecia inútil, pois além de tudo nem mesmo seu estatuto enquanto arte parecia-lhe ainda assegurado. Para contornar esse problema, Einstein então decidiu evitar uma descrição “puramente exterior”61 que

“nunca terá outro resultado, além de dizer que uma tanga é uma tanga e todas essas bocas carnudas.”62. E então revela um de seus fundamentos mais

importante: o questionamento do olhar do antropólogo e do etnógrafo como olhares confiáveis, já que segundo ele, a representação artística nem sempre expressa os “fatos aos quais se prende tal conhecimento científico”63.

Dado os alertas, Einstein pretendia explorar a arte negra a partir de fatos e não de questões acessórias – referindo-se à “mitologia” dos africanos. Para ele, os fatos eram nada mais nada menos que as esculturas africanas em sua materialidade mais imediata. Traduzindo em outros termos, em Negerplastik o objetivo de Einstein era olhar para a plástica negra como criações e não como objetos meramente complementares aos dados etnográficos e antropológicos do ambiente em que foram elaborados. O que isso significa objetivamente? Significa que, para Einstein, dizer que uma estatueta com um machado de duas lâminas na cabeça é a representação de Xangô pouco ajudaria na compreensão dos aspectos plásticos e artísticos da arte africana, pois somente o aspecto formal é que fundamentaria o estatuto de arte a esses objetos, assim ele defende

60 WILLET, F. Arte africana. São Paulo: Edições SESC São Paulo, 2017, p. 32.

61 EINSTEIN, C. “Negerplastik”. In: Carl Einstein e a arte da África. (Orgs. Elena O’Neil; Roberto Conduru).

Rio de Janeiro: EdUERJ, 2015, p. 31

62 Ibidem, p. 31 63 Ibidem, p. 31

que a constatação de que a estatueta em questão se trata de um orixá não diz respeito ao objeto em si, mas os ultrapassa.

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