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Caminhos e descaminhos da formação educacional brasileira: projetos de educação e sociedade em disputa

2 CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL DA NEGAÇÃO DO DIREITO DA CLASSE TRABALHADORA E CAMPONESA À EDUCAÇÃO SUPERIOR E OS PASSOS NA

2.2 Caminhos e descaminhos da formação educacional brasileira: projetos de educação e sociedade em disputa

Até o momento, temos afirmado que o modelo de educação adotado no Brasil, permeado pela desigualdade no acesso, permanência e desempenho nos variados níveis de escolarização, segue uma lógica que foi pensada pelas classes dirigentes do país e vinculada à configuração da estrutura social subordinada ao capitalismo central. A partir da análise desenvolvida por Florestan Fernandes (2008) a respeito do processo de modernização brasileira, destacamos três pontos, que se articulam entre si, para auxiliar na explicação das conexões entre a formação socioeconômica brasileira e o projeto de educação estruturado. A saber: 1) o processo de modernização do país, que não alterou o sistema de organização e domínio social vigente desde o período colonial; 2) o caráter concentrador e particularista do domínio político e econômico das classes dirigentes, que motivou a condução do destino nacional a partir de interesses restritos de classe em detrimento dos interesses gerais da nação; e 3) o tratamento das garantias e direitos sociais definidos na ordem legal da República, em especial da educação, como privilégios das classes abastadas, que resultou no cenário atual de iniquidades sociais, econômicas, culturais e educacionais. Faz-se importante a compreensão histórica e sociológica dessa trajetória para entender como a educação foi se materializando enquanto um privilégio e não um direito.

No primeiro ponto, nos interessa destacar que o processo de modernização, urbanização e industrialização do país se deu enraizado na herança cultural e política do patriarcalismo agrário. A inserção brasileira no capitalismo comercial, após o advento da Independência, persistiu com a economia primária da grande lavoura exportadora. Desse

modo, a acumulação de capital se fortaleceu entre as elites senhoriais que assumiram o controle político e econômico da nação. Com apenas alguns retoques em comparação ao período colonial, o desenvolvimento do país, na época, caracterizava-se pela associação do latifúndio ao trabalho com remuneração ínfima, extrema concentração de renda, mercado interno limitado à comercialização restrita de produtos importados e de produtos de subsistência, além do controle exterior do fluxo das atividades econômicas.

Os passos adiante, em direção à aceleração do crescimento econômico interno e à industrialização, estimulados sob a influência dos padrões de organização econômica, social e política do capitalismo internacional, também foram encabeçados pelas elites agrárias que, possuidores dos excedentes acumulados com a exportação, paulatinamente, foram se envolvendo em outras atividades econômicas como financiadores de casas comerciais, agências bancárias, rede de transportes, exploração de energia elétrica, especulações imobiliárias, etc. Dessa forma, foram erigindo novos centros de poder econômico e ampliando o território de domínio político. Houve, portanto, uma transferência do excedente econômico do setor agrícola para promover o financiamento da esfera urbana e da industrialização, configurando que as estruturas econômicas e sociais agrárias permanecessem lado a lado com as novas estruturas criadas sob o impulso da expansão urbana e da implantação do setor capitalista correspondente. Essa reconfiguração da organização social e econômica integrou as elites agrárias ao complexo modernizador, mantendo o substrato da concentração de renda e o desenvolvimento restrito às regiões e aos círculos sociais vinculados ao domínio patriarcal dessas elites (FERNANDES, 2008).

Na essência, têm-se dois direcionamentos de efeitos. No viés econômico, a formatação da economia industrial, por meio de empreendimentos estatais, do capital estrangeiro e da iniciativa nacional, não destronou a grande lavoura exportadora que continuou sendo fonte expressiva de acumulação de capital. No viés político, estabeleceram-se várias fusões entre as classes altas rurais e as recém-surgidas classes altas urbanas36 no sentido de garantir as vantagens da posição privilegiada ocupada na pirâmide social. O arcaico e o moderno se conectaram, portanto, num mesmo sistema de organização social, que herdou as normas e valores tradicionalistas de concentração de renda, mandonismo e inibição de mudanças sociais, nomeado por Florestan Fernandes de modernização conservadora.

36 Utilizando a expressão cunhada por Fernandes (2008), as classes altas urbanas correspondiam aos

industriais, banqueiros, grandes comerciantes e profissionais especializados em serviços administrativos ou de elevada qualificação. Os imigrantes também faziam parte desse grupo quando atingiam o ápice das atividades socioeconômicas por meio da exploração de tarefas e técnicas pouco conhecidas ou valorizadas pelas elites tradicionais.

A economia cresce e se expande, sem contudo romper com o ponto morto que a submerge dentro de uma cadeia de ferro, expressa em formas sociais obsoletas ou apenas parcialmente modernizadas, das quais provêm a neutralização ou a inibição dos efeitos construtivos do próprio crescimento econômico (FERNANDES, 2008, p.129).

A segunda questão a ser ventilada é um desdobramento deste primeiro ponto que tratou da herança de valores tradicionalistas na conformação da sociedade brasileira. Considerando que a reorganização da ordem socioeconômica, a cultura do desenvolvimento e o processo de industrialização nasceram aderidos aos princípios liberais republicanos, subentendia-se a defesa da democracia e da isonomia na construção da civilização moderna. No entanto, o fato da formação social brasileira ter se arraigado na tradição patrimonialista e aristocrática rural desencadeou a deturpação do ideário de sociedade liberal, explícito desde as primeiras constituições democráticas brasileiras37. A proclamação da democracia e da garantia dos direitos individuais ficou comprometida diante da condução particularista da nação sob o domínio e interesse político e econômico das classes dirigentes.

A democracia e as máximas liberais38 foram disseminadas fomentando o discurso ideológico que deslanchou a economia, os investimentos e a adesão nacional ao projeto de desenvolvimento capitalista, mas não serviu para permitir a equidade na possibilidade de possuir bens (pelo trabalho) e na participação política nas estruturas de poder. A perpetuação das posições hereditárias das elites, totalmente rechaçada no ideário liberal, constituiu a prática do controle social na nova ordem, que testemunhou usuras com o poder político tendendo à manutenção de privilégios seculares, manipulando as opções e decisões governamentais de acordo com os interesses da classe dirigente. Como abordou Florestan Fernandes (2008), as elites brasileiras converteram a democracia numa ficção, numa pseudodemocracia que, revitalizando o tradicionalismo e o mandonismo juntamente com a concentração do poder e da renda, colocou as classes trabalhadoras numa armadilha, à mercê dos socialmente superiores. A consolidação do Estado Nacional foi utilizada, portanto, como

37 A Constituição Federal de 1891 assegura em seu artigo 72 a inviolabilidade dos direitos

concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, com a prerrogativa de que todos são iguais perante a lei e que a República não admite privilégios de nascimento. A Constituição Federal de 1934, no artigo 113, acrescenta a garantia do direito à subsistência e reafirma que todos os cidadãos são iguais perante a lei, não havendo “privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas”.

38 Segundo o liberalismo, os indivíduos devem atingir uma posição social de acordo com os atributos

pessoais, em confronto a privilégios conferidos em virtude de nascimento ou credo. O trabalho e o talento são, portanto, os instrumentos legítimos de ascensão social e de aquisição de riquezas e propriedades (CUNHA, 1980).

instrumento econômico de classe, que delineou, financiou e concretizou o avanço histórico, societário e econômico da modernização segundo os interesses restritos da classe burguesa.

Desta última afirmação destacam-se duas denúncias. A primeira denúncia refere-se à utilização, desde os primórdios, da máquina estatal com intenções particularistas, apesar de um discurso ideologizado de que constituem a vontade histórica nacional. A teoria do Estado ampliado, trabalhada por Antônio Gramsci (2004), compreende essa influência do grupo dominante no conjunto dos órgãos que formam o aparelho de Estado e além dele. Segundo o pensamento gramsciano, o Estado é a agregação da sociedade civil39, que se constitui da dominação ideológica, com a sociedade política40, conceituada como dominação legal ou coercitiva, tendo como intuito dirigir a coletividade sob a hegemonia cultural e política do grupo social dirigente.

É especialmente sob a influência ideológica que se coroa a hegemonia e a dominação pois, por meio da criação e disseminação dos valores morais, culturais e intelectuais a se tornarem vigentes na sociedade, as classes dirigentes conferem à totalidade as concepções e estilos de vida que favoreçam, em particular, a manutenção do status quo e, por conseguinte, a inibição de mudanças sociais. Dispersar um pensamento nitidamente particularista como totalizante implica, por um lado, na imposição ideológica sobre os grupos aliados e dominados, mas também, por outro lado, na crença e na assunção, como sua, dessa ideologia pelos dominados. Aí reside a força da concentração do domínio da sociedade política e civil, tendo em vista que, de acordo com Gramsci (2004), com essa dupla dominação, os representantes das classes dirigentes orientam e controlam os outros grupos sociais, anulando as tentativas de oposição ao regime. Nesse sentido, o controle da sociedade civil e política pelas classes dirigentes faz desaparecer a ética estatal em favor do uso da estrutura do poder político em proveito próprio de classe (Estado-classe), exercendo controle coercitivo, legal, cultural e ideológico sobre as classes subalternas.

A teoria de Nicos Poulantzas (1980) sobre o Estado também reforça essa visão da utilização do aparelho estatal como instrumento de dominação de classe. Segundo o autor, a natureza social do Estado (seu núcleo de origem) é encoberta por um “poder” de Estado que

39 A sociedade civil pode ser considerada sob três aspectos: 1) como ideologia da classe dominante; 2)

como concepção de mundo, difundida em todas as classes sociais para submetê-las à classe dirigente; e 3) como direção ideológica da sociedade nos níveis da ideologia propriamente dita, das organizações que a criam e difundem e dos instrumentos de difusão desta ideologia (PORTELLI, 2002).

40 A sociedade política corresponde: 1) à dominação direta, de comando que se exprime no governo

jurídico; 2) ao aparelho coercitivo para conformar as classes populares ao padrão socioeconômico de um período determinado; e 3) ao governo político que assegura legalmente o conjunto da sociedade (PORTELLI, 2002).

se faz lugar da dominação política da burguesia, da utilização de classe do Estado. A partir da influência ou da introdução das elites na direção desse “poder” de Estado, a burguesia manipula-o à sua medida e conveniência. Dessa forma, por mais que a materialidade própria do Estado não se reduza à dominação política da classe dirigente, toda a institucionalidade estatal está constitutivamente marcada por essa relação de classe.

Quanto à segunda denúncia, há de se imaginar que o padrão de modernização gerido a partir de uma condução particularista não foi partilhado por toda a sociedade brasileira. O desenvolvimento do país, tomado ideologicamente como objetivo nacional, levando ônus a toda a coletividade, com promessa de crescimento quantitativo e de distribuição qualitativa das benesses do progresso, ficou concentrado em algumas regiões e poucas mãos. Para manter sua posição econômica e os privilégios dela decorrentes, as elites não hesitaram em barrar a institucionalização e a fruição de formas de equidade, mantendo a maior parte das esferas sociais imersas nas iniquidades. “Os padrões predominantes de concentração social, regional e racial da renda, do prestígio social e do poder eliminam qualquer possibilidade de eficácia na organização e no rendimento do regime republicano” (FERNANDES, 2008, p.117).

O sucesso ilusório do crescimento econômico com a criação de centros hegemônicos no país, priorizados no processo de industrialização, suscitou um entusiasmo alarmado e falso sobre o desenvolvimento e o arranque modernizador, invisibilizando os problemas sociais das regiões pobres e de suas populações. A integração de certo contingente de sujeitos ao modelo da sociedade civil capitalista, por meio da mercantilização da força de trabalho, não foi suficiente para reverter as distorções sociais seculares que afligiam, na época da corrida desenvolvimentista, três quartos da população. A ideia, amparada nos princípios liberais, de que as classes populares poderiam valorizar-se e melhor classificar-se na ordem econômica por meio do trabalho, dada a grande massa de oportunidades de emprego pela via da industrialização, não se materializou na realidade, esbarrando no medo das elites brasileiras de presenciar uma revolução social, a partir da mobilidade e da ascensão.

O caminho da ordem social liberal da acumulação por poupança sistemática, por cooperação familiar e/ou por aproveitamento de espaços econômicos pouco valorizados pelas classes tradicionais foi sendo desvirtuado pelos conservadores. A correlação entre poder político e econômico na mesma classe (dirigente) subjugou as demais classes, preservando e/ou criando barreiras justificáveis e instransponíveis nas relações entre diferentes estratos sociais e adaptando a organização da sociedade às iniquidades econômicas, às tensões políticas, aos conflitos sociais e à opressão sistemática (FERNANDES, 2008). Essa forma de exercício do controle social só foi possível pela utilização de classe do aparato estatal.

Florestan Fernandes (2008, p.75) assim analisa este posicionamento particularista das classes dirigentes brasileiras:

As classes altas passam a resguardar o privilegiamento de sua posição como se ele devesse ser natural, eterno e sagrado. Omitem-se ou opõem-se sistematicamente, pela violência onde tornar conveniente, à institucionalização e à fruição de formas de equidade, que garantem à ordem social competitiva um padrão de equilíbrio dinâmico capaz de assegurar a classes sociais com interesses econômicos divergentes ajustamentos normais através de acomodação ou de conflito.

À luz dessas análises, é legítimo admitir-se que a defesa do status quo uniu ruralistas e urbano-industriais no plano político e econômico, utilizando as posições estratégicas na estrutura do poder para manter os monopólios da sociedade. As elites tradicionais e modernas se fundiram, portanto, no fim comum de concentração de renda e de abuso do mandonismo. Em consequência, as possibilidades de ascensão e mobilidade social para as classes de trabalhadores, alimentadas no discurso desenvolvimentista industrial, reduziram-se visivelmente no jogo de poder que os subordinou à obediência da “vontade histórica nacional” que representa, na verdade, as opções políticas em benefício das elites. Dessa forma, as classes dirigentes, por seu direcionamento limitado em interesse de classe, distorceram os preceitos liberais colocados na pauta da modernização encabeçada pelos seus próprios representantes.

O discurso desenvolvimentista disseminado concorreu para alavancar, em primeiro plano, a eficácia do padrão de crescimento econômico. No entanto, os caminhos e as definições políticas na distribuição dos frutos desse crescimento se mostrou inoperante para a correção das iniquidades sociais, econômicas e políticas, esperadas como resultado. A abertura permitida para ações e reformas que tocassem nos anseios das populações necessitadas somente possibilitou o arrefecimento de conflitos em momentos determinados e a corrida pela inserção afunilada na civilização moderna, a partir do abandono de economias de subsistência ou em estruturas arcaicas para assalariarem-se, com uma ínfima probabilidade para os efeitos da qualificação profissional e do assalariamento concomitante de diversos membros da família, repercutindo no nível de vida e nos destinos sociais. O que aconteceu, de fato, foi uma diferenciação entre as diversas frações que passaram a compor as classes pobres.

As representações mais persistentes parecem distinguir entre os “pobres” e o “operariado”. A noção de pobre é ambígua, pois tanto se refere ao setor dependente das populações urbanas quanto ao “Zé-ninguém” da roça. (...) Sociologicamente, talvez se possa distinguir uma classe baixa urbana

(composta por assalariados das fábricas, por empregados de lojas e escritórios com baixo rendimento etc.) e uma classe dependente urbana (constituída pelo setor indigente e flutuante das grandes cidades, com frequência vivendo em estado de pauperismo e anomia) (FERNANDES, 2008, p.67-8).

Essas populações formadoras das classes baixas, dependentes e/ou definitivamente excluídas da ordem social capitalista não participaram da partilha das benesses do progresso advindo com a modernização. Suas situações e interesses de classe foram quase completamente desconsiderados pelas classes dirigentes do país. Somente no intuito de arrefecer tensões e conflitos oriundos da insatisfação efervescente em determinados momentos e espaços históricos, foram atendidas demandas populares, concedendo direitos em áreas e na medida em que não afetassem as posições de dominação das elites. As tentativas e experiências protagonizadas pela classe trabalhadora numa perspectiva popular e emancipatória foram derrotadas, mas na contramão dessa trajetória, deixaram frutos na defesa dos direitos humanos inalienáveis e na construção de mudanças sociais, o que será discutido adiante.

Nesse ponto, chegamos ao terceiro destaque da análise de Florestan Fernandes (2008) sobre o processo de modernização do Brasil que nos auxilia na compreensão macrossociológica do cenário educacional estabelecido historicamente. Como fruto das articulações e manipulações políticas para manter a concentração das benesses do desenvolvimento de acordo com as polarizações sociais de classe, as garantias e direitos sociais definidos na ordem legal e constitucional brasileira, em especial a educação, foram tratados como privilégios das classes abastadas. Isso resultou no panorama atual, porém de constituição histórica, de iniquidades sociais, econômicas, culturais e educacionais que retratam as desigualdades entre as populações, raças e regiões. Ressaltando o já referido, os preceitos liberais republicanos se tornaram ficção pela consolidação de uma pseudodemocracia, que, apesar do apelo discursivo à ideia do desenvolvimento, manteve as estruturas da sociedade estagnadas.

Apesar das instituições e dos valores sociais vigentes, a ordem legal criada pela República não abrange, equitativamente, todas as camadas sociais de todas as regiões do país. Tudo se passa como se os direitos e as garantias sociais, assegurados por essa ordem social, fossem privilégios inconfundíveis de minorias que possuem condições econômicas, sociais e políticas para desfrutá-los e como se fosse indiferente, que três quartos de sua população estivessem parcial ou totalmente banidos de suas estruturas de poder (FERNANDES, 2008, p.157).

Nessa linha de argumentação, a materialização da sociedade brasileira defendendo interesses de classe desmentiu a ideologia da mobilidade social a partir do desenvolvimento econômico, acirrando a concentração de renda dos grupos que já concentravam demasiada renda, prestígio social e poder e imputando às classes trabalhadoras impedimentos e frustração por manterem-se à margem das compensações materiais prometidas com o desenvolvimento. Os direitos sociais, estabelecidos nas legislações, foram historicamente tomados como um “mal necessário” e avaliados de acordo com o limite de perda e cessão que as elites podiam permitir, para que um direito adquirido não levasse a outro ou que a melhoria das condições numa perspectiva de equidade não repercutisse na inversão do quadro de relações de força no poder (FERNANDES, 2008). Foi desse modo que a educação, instituída ideologicamente como um dos meios de apoio econômico para as vias de ascensão e mobilidade social, foi sendo negada, período após período, governo após governo, como que justificando o desprezo e o medo das elites em conceder às demais classes a possibilidade de equivalerem-se socialmente e imputarem novos padrões de organização social, sob interesses distintos. Exemplo categórico desta afirmação foi a implantação da ditadura militar no país, encerrando um período de crítica e criatividade no questionamento e na proposição de um processo de desconstrução e reformulação da ordem social vigente.

O ponto central desse olhar sobre a trajetória de formação da ordem social brasileira se assenta na compreensão de que, por ser considerada peça chave da estratégia pela hegemonia política, econômica e intelectual, a educação foi sendo caracterizada e empregada sob as rédeas dos setores dominantes. Assim como os demais direitos e benefícios econômicos do desenvolvimento, a educação foi sendo gerida e ofertada em conta-gotas para a maioria, e como privilégio em quantidade e qualidade para as famílias abastadas. Nesse sentido, os processos educativos e a construção do conhecimento se deram, em quantidade e qualidade, organicamente cindidos em classes antagônicas vinculadas às relações sociais. A assunção contínua, por parte do Estado, de uma política educacional que oferece condições desiguais de escolarização, destinando às classes populares uma estrutura irregular, precária e insuficiente, revela que o receio de que o conhecimento fosse utilizado como política e estratégia de transformação das condições estruturais e subjetivas de formação social foi maior que o objetivo de constituir um país efetivamente desenvolvido41.

41 Levando em consideração o conceito de desenvolvimento de Florestan Fernandes (1960, p.32),

entendido como “a forma histórica pela qual os homens lutam, socialmente, pelo destino do mundo em que vivem, com os ideais correspondentes de organização da vida humana e de domínio ativo