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Camponeses, militantes, universitários: implicações da visão política forjada no movimento social para a formação superior

2 CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL DA NEGAÇÃO DO DIREITO DA CLASSE TRABALHADORA E CAMPONESA À EDUCAÇÃO SUPERIOR E OS PASSOS NA

3 MUDANÇAS E CONTRADIÇÕES NA DINÂMICA UNIVERSITÁRIA A PARTIR DO PRONERA

3.2 Camponeses, militantes, universitários: implicações da visão política forjada no movimento social para a formação superior

Uma das hipóteses defendidas sobre as mudanças e contradições impostas no processo de aprendizagem e produção de conhecimento no Ensino Superior, a partir da especificidade do público discente do Pronera (coletivo de camponeses/movimento social), é que a visão político-ideológica de mundo desses estudantes, forjada nas experiências de luta e trabalho na terra e em defesa da reforma agrária, contra a exclusão e a pauperização da população camponesa, instrumentaliza-os para a defesa de ideias (fundamentadas e/ou ideologizadas) e para a crítica sobre a teoria a partir da realidade, além de dar um sentido coletivo/comunitário ao objetivo final da formação. Essa assertiva é evidenciada pelos professores da turma de Licenciatura em Pedagogia do Pronera/UFPB e foi percebida desde momento de trabalho de campo em pesquisa anterior (CORREIA, 2011a), quando o convívio de observação e contribuição pedagógica no Curso possibilitou apreender como características marcantes da turma a fluidez e a coerência do diálogo, e a intensidade dos debates em sala de aula e fora dela. A tônica diferencial da classe estava assentada na participação, nos questionamentos e no diálogo com os autores, com os professores e com suas perspectivas de educação, de sociedade e de mundo, construídas a partir da realidade de vida, convivência e trabalho nos assentamentos, nos movimentos sociais, nas lideranças dos trabalhadores, nas organizações da juventude. “A impressão que fica é de encantamento pelas posturas politicamente comprometidas e engajadas dos estudantes no cumprimento de suas atividades no Curso, fazendo dele uma experiência com a cara e o coração da Educação do Campo e da Educação Popular” (CORREIA, 2011a, p.22).

O olhar proposto nessa seção se dirige às ações socioculturais e políticas que os movimentos sociais realizam em sua dinâmica e que produzem um jeito de ser, uma identidade de camponês. Importa destacar que a formação desses sujeitos acontece na coletividade e no movimento da luta pelos seus direitos, tendo como tempero as condições

tempestuosas de injustiça, violência e opressão que afligem os camponeses no Brasil. Nesse sentido, o fundamento teórico aqui explícito ancora-se no que vamos denominar Pedagogia dos Movimentos103, enquanto uma reflexão sobre os processos educativos forjados na vivência dos movimentos sociais e que produzem aprendizagens peculiares à identidade dos camponeses. A Pedagogia dos Movimentos se faz no contexto político, econômico e sociocultural que retroalimenta as ações dos próprios movimentos.

As práticas vivenciadas nos movimentos sociais propiciam um fazer que valoriza novos espaços de política, para além daqueles institucionalizados, possibilita uma interação dialógica dos sujeitos, o encontro de diferentes sujeitos com diferentes identidades que constroem identidades comuns a partir das experiências vividas conjuntamente. [...] Entendemos que a educação vivenciada nos movimentos sociais caracteriza-se por um processo de produção, apropriação e partilha de experiências e conhecimentos sobre a realidade social, política, econômica, cultural e ontológica (BATISTA, 2007, p.219).

Na Pedagogia dos Movimentos, a experiência de vida, luta e trabalho na terra, engendrada no cotidiano dos movimentos sociais, é tida como princípio educativo complexo e dialético que forma os sujeitos ao mesmo tempo em que também é produto dessa ação. A identidade dos movimentos, simbolizada por resistência, utopia, luta por um ideal, vem ser construída na coletividade de sujeitos sociais organizados. A forma de ser e pensar em movimento, ou seja, os conceitos, valores e posturas diante da realidade postos na caminhada em luta, tem uma forte dimensão de projeto que irradia nas ações dos sujeitos e da coletividade. A cultura dos movimentos, resultado de sua pedagogia materializada, é expressa, nos termos de Caldart (2004b, p.40), “em formas de luta, comportamentos pessoais e coletivos, convicções e ideias que se formulam e socializam, bem como em toda uma simbologia que se produz desde as circunstâncias e a intencionalidade do movimento”.

A fonte da Pedagogia dos Movimentos, portanto, está na dimensão cultural que se encontra desde a gênese das organizações dos trabalhadores rurais. Os valores e gestos expressos nas matrizes camponesa e religiosa do contexto de origem das lutas no campo são reconhecidos pelos movimentos como símbolos de identidade e postura pessoal a serem cultivados entre os camponeses. Em seu olhar sobre o sentido educativo e sociocultural dos movimentos sociais, Caldart (2004b) evidencia a presença de elementos teóricos da educação

103 Referenciando-se em Caldart (2004b) e Pereira (2009), o plural da expressão se justifica pela

interseção de elementos educativos perceptíveis no conjunto de movimentos sociais do campo. No estudo dos dois autores, que realizaram suas pesquisas tendo como objeto de análise distintos movimentos sociais (MST e CPT, respectivamente), é possível identificar dimensões pedagógicas que ecoam em ambas as teses e são esses aspectos comuns que absorveremos na presente tese.

e da pedagogia na dinâmica social e política protagonizada pelos camponeses organizados: 1) o sentido mais universal da educação como formação humana; 2) o processo educativo para além da pedagogia das palavras, enraizado, portanto, nas relações com a vida produtiva, a cultura e a história dos grupos sociais; e, 3) o vínculo da educação formal com os processos sociais que perpassam a vida dos sujeitos do campo. Continuando sua análise das vivências socioculturais dos movimentos sociais do campo, Caldart (2004b, p.163, grifos da autora) diz que as experiências de participação social em um movimento produzem “aprendizados coletivos que, aos poucos, se conformam em cultura, naquele sentido de jeito de ser, de hábitos, de posturas, de convicções, de valores, de expressões de vida social produzida em movimento e que já extrapolam os limites desse grupo social específico”.

Pereira (2009) também identifica o princípio educativo expresso nas relações entre os camponeses, a terra, o trabalho e a luta. A Pedagogia dos Movimentos se vê manifesta na grande diversidade de narrações de situações sócio-históricas repletas de aflição, resistência e esperança. Essas experiências refletem várias formas coletivas e dinâmicas de ensinar e aprender no campo numa confrontação direta e dialética com o capitalismo e a pedagogia do capital. A Pedagogia dos Movimentos pode ser considerada como:

Formas vivas e comunitárias de ensinar-aprender, mediadas pela família ou pelo grupo, pela terra e a natureza, pelo trabalho, pela luta; o jeito camponês de formar um ser humano e de reprodução social. As diversas manifestações do cotidiano, expressas através das relações sociais, são consideradas situações de aprendizagem, portanto, situações pedagógicas tanto impessoais quanto familiares e comunitárias. Em cada relação, existe uma prática educativa, uma aprendizagem que transcende a escola (PEREIRA, 2009, p.127).

Os escritos de Pereira (2009) enumeram quatro “formas vivas e comunitárias de ensinar-aprender” em que se sucedem o processo e a prática social de comunhão educativa, a saber: 1) pedagogia da luta; 2) pedagogia da terra; 3) pedagogia do trabalho camponês; e, 4) pedagogia do camponês oprimido. A primeira pedagogia, da luta, também identificada no estudo de Caldart (2004b), deixa lições em cada acontecimento, de modo que o saber flui da práxis, pois quem ainda não sabe, aprende e entende pelos atos de quem sabe e faz. Vivenciar os episódios ocorridos na luta se configura, assim, como uma situação de aprendizagem mais eficaz que proferir falas. Como ensinamentos da pedagogia da luta têm-se a solidariedade, a coragem, a indignação e a ousadia.

A pedagogia da terra, elemento que trataremos com maior ênfase no próximo item, em diálogo com as sistematizações de Caldart (2004b), revela as aprendizagens fomentadas na

vinculação material e simbólica com a terra, o que concorre para os processos educativos vivenciados na relação com a produção e o trabalho sistematizados na pedagogia do trabalho camponês. O traço marcante desta pedagogia, segundo concebe Pereira (2009), encontra-se na família. A produção em policultura e a pequena criação de animais, que caracterizam a agricultura camponesa, são realizadas pelo trabalho em família. Essa dimensão do trabalho camponês valoriza a instituição familiar, a qual não se reduz, no campo, a pais e filhos, mas abrange tios, sobrinhos, cunhados, primos, netos, compadres, afilhados, vizinhos.

Esse conceito ampliado de família camponesa permite o cultivo da solidariedade que está na base do trabalho coletivo, dos mutirões e das trocas de produtos entre as famílias. Embora a dimensão da coletividade no trabalho diminua, consideravelmente, encerrados os tempos de ocupação e estabelecidos os lotes individuais na reforma agrária, a conotação comunitária continua sendo uma marca do modo de vida e trabalho no campo. E isso se reflete na natureza fim da produção camponesa que afirma o valor de uso sobre o valor de troca, ou seja, se guia, primeiramente, pela satisfação das necessidades de subsistência e quando coloca seus produtos à venda, não o faz segundo a lógica auto expansiva do capital. Trata-se de outra lógica que não a do ímpeto pela geração de lucros, que trata a produção apenas como mercadoria, mas uma relação fundada na gratuidade da natureza, palavra-gesto escasso na filosofia do capital (PEREIRA, 2009).

A última pedagogia, do camponês oprimido, se baseia na teoria freireana (2005) que caracteriza o sujeito desumanizado e silenciado historicamente pelo opressor. Na leitura de Pereira (2009) e Caldart (2004a), os camponeses são legítimos sujeitos oprimidos, que tiveram a humanidade, a dignidade e a autonomia no pensar e agir roubados pela inculcação, ao longo dos séculos, de uma falsa consciência de que só servem para ser mandados e para se sujeitarem ao patrão em silêncio, pois são incapazes de projetar, gerir, estudar, criticar, caminhar com os próprios pés e pensar com sua própria cabeça e sentimentos. A pedagogia do camponês oprimido exige a conscientização da situação de negação de si próprio para que se caminhe em direção à liberdade na terra, não mais se submetendo às contradições vividas com o autoritarismo, o individualismo, a exploração, a depredação da natureza, o arrendamento da terra para a monocultura, o amargoso trabalho no corte da cana nas usinas, o subemprego nos centros urbanos (PEREIRA, 2009). Livres da dominação política e ideológica, poderão dizer a sua palavra, questionar e confrontar as injustiças, a exploração e a exclusão e se organizar coletivamente para viabilizar o desenvolvimento das comunidades.

Esses e outros elementos da Pedagogia dos Movimentos centrados no bojo da luta e da organização coletiva dos sujeitos do campo se fazem visíveis na interlocução dos camponeses

na universidade. Situando os processos educativos no vínculo com os movimentos sociais, podemos partir do fato de que boa parte da formação humana dos camponeses advém das relações interpessoais diárias que ocorrem na coletividade de seus territórios, com destaque aqui para o cotidiano dos acampamentos e assentamentos. Nessa perspectiva, olhamos para os estudantes do Pronera compreendendo que sua materialidade cultural e sua visão de mundo foram constituídas numa situação inquietante e desumanizadora, rodeada de pressões externas do latifúndio e da falta das políticas públicas104, e essa vida na “coletividade em movimento” projetou a identidade, os valores e as referências político-ideológicas dos sujeitos (CALDART, 2004b). Então são essas inquietações políticas, forjadas na vivência dos movimentos sociais, que são trazidas à tona como pano de fundo da oralidade e da participação dos estudantes nas aulas, oferecendo elementos de análise no diálogo com as teorias em estudo, como diz professor do Curso:

Então é impossível para eles [os estudantes] deixarem, não apenas de falar, mas de propor as conexões com aquilo que está sendo pensado em qualquer uma das disciplinas. Não é a disciplina dar uma resposta para nossas questões, mas como é que as disciplinas podem ajudar a pensar certas questões que no campo [...] já estão ocorrendo105.

E, se pensarmos na realidade específica dos estudantes do Curso, os conflitos territoriais, as lutas por políticas públicas e por escola, os enfrentamentos na organização comunitária, entre outros processos sociais camponeses emersos por meio das falas e das inquietações, todos complexificam o papel da universidade e do Curso para criar situações

104 O caso do estudante do Acampamento Jardim, localizado no município de Curral de Cima/PB, que

se tornou Projeto de Assentamento em 2008, é emblemático dessa vinculação intrínseca que emerge entre realidade social cotidiana no movimento em luta pela terra e a compreensão científica dado com o olhar da universidade. O estudante passou dez anos com seus pais e irmãos, “debaixo de uma barraca coberta por uma lona de plástico preto, sofrendo ameaças do latifundiário, seus capangas e a polícia, num processo de luta dos trabalhadores sem terra pela efetivação do direito de morar e trabalhar na terra” (SILVA, 2011c, p.12). Toda a vivência de resistência, sofrimento e desespero durante o acampamento se fez presente no processo de escolarização do estudante até o dia em que a emissão de posse da terra foi finalmente concedida, momento compartilhado com os colegas e professores do Curso. Os fundamentos da Educação do Campo se introjetavam no Curso muito mais do que como objeto de estudo, mais à flor da pele. Destaque também merece ser dado à história de vida trazida por estudante do Projeto de Assentamento Antônio Chaves, em Jacaraú/PB, o qual, convidado pela frente do então acampamento, passou a dar aulas no Curso de Alfabetização oferecido aos acampados pelo Pronera. Na época, ele morava numa comunidade às margens da rodovia, a alguns quilômetros do acampamento e logo foi chamado a fazer parte do acampamento “não só como professor, mas também como acampado” (FIGUEIREDO, 2011, p.25). Passou dois anos no acampamento até a regularização do assentamento, onde se envolveu com a organização da associação dos agricultores. Essas histórias de vida, com todas as marcas da opressão e da luta contra a exclusão, incidem na universidade imbuídas de criticidade e sensibilidade.

105 Transcrição de trecho de entrevista concedida pelo professor das disciplinas de Educação Popular e

com aporte teórico e metodológico para que esses assuntos fossem pensados. A crítica da realidade conduzida pela visão de mundo apreendida no campo e no movimento ocupa o espaço acadêmico junto com os camponeses. Daí que não se pode conjeturar silenciar dentro da sala de aula a grande necessidade de refletir essas questões políticas e deixar de preparar os estudantes para dar conta de leituras críticas e intervenções quando estiverem dentro das suas comunidades e sofrendo as pressões vindas dos vários espaços. Sendo assim, o perfil discente instiga um ambiente fértil para relacionar o aprendizado científico com os saberes advindos da luta social e da organização coletiva no campo.

É importante salientar que essas inquietações políticas e ideológicas não são algo unicamente criado no envolvimento como protagonistas nas lutas dos movimentos, mas também têm uma ressonância na história de quem simplesmente testemunhou, enquanto filhos e netos, essa luta dos pais e avós no campo. Temos relatos de estudantes do Curso de Licenciatura em Pedagogia para educadores dos movimentos sociais do campo da UFPB que eram crianças no período da luta pela terra dos seus assentamentos e outros que ainda não haviam nascido, mas tiveram sua leitura da realidade forjada no cultivo da memória de algum companheiro que tenha tombado na luta106 e na compreensão da história da ocupação que deu início ao seu lugar de vida. Há os que tiveram seus parentes, tios, avós assassinados em episódios da luta pela terra onde hoje moram, trabalham e criam seus filhos. O cultivo dessa memória sentida nas relações sociais e interpessoais desde a infância os faz se perceber como parte da história de seus territórios, que teve seu início antes deles, mas que continua por intermédio de suas ações e escolhas na atualidade.

Então, são esses estudantes, carregando a experiência da vida de camponês na reforma agrária e a memória viva da luta pela terra e pela dignidade, que inserem na sala de aula, o questionamento, a crítica e as inquietações, construindo momentos de problematização e análise de cada situação e teoria em sua ação prática correspondente. É esse perfil discente formado na vida “em movimento” que não se comporta passivamente, rejeita respostas prontas e aguça o sentido crítico do Ensino Superior. Quando se imbrica a prática política na análise da teoria, a participação dos estudantes não se limita à elucidação de dúvidas, mas converge para a produção e aquisição do conhecimento apoiadas na práxis, quando o olhar

106 Dos locais de origem dos estudantes do Curso de Licenciatura em Pedagogia do Pronera/UFPB,

podemos destacar Projetos de Assentamentos que receberam o nome de companheiros assassinados durante o processo de luta pela terra. São exemplos: o Projeto de Assentamento Antônio Chaves, em Jacaraú/PB, que homenageou o agricultor atingido por um tiro durante ataque dos latifundiários a um mutirão que reunia diversos trabalhadores em acampamento vizinho; e, o Projeto de Assentamento Almir Muniz, situado no município de Itabaiana/PB, que recebeu o nome do trabalhador desaparecido e provavelmente assassinado durante processo de desapropriação da Fazenda Tanques.

mais crítico sobre a realidade permite que esta seja interpretada e recriada. A práxis é entendida aqui e baseada na obra de Vásquez (2007, p.263-4), como uma atividade ao mesmo tempo subjetiva e objetiva, teórica e prática, a qual conduz o saber resultante da ação que se faz objeto de reflexão crítica e orienta a transformação da realidade e da natureza humana, ou seja, “realização guiada por uma consciência que, ao mesmo tempo, só guia ou orienta – e isso seria a expressão mais perfeita da unidade entre teoria e prática – na medida em que ela mesma se guia ou orienta pela própria realização de seus fins”.

Ainda sobre o perfil discente do Curso de Licenciatura em Pedagogia do Pronera/UFPB, existe uma questão importante a se fazer presente, que é a existência de um número de estudantes que inicialmente não se identificavam com o movimento social ou a luta pela terra, que nunca tiveram envolvimento enquanto juventude ativa na organização do assentamento ou na reivindicação dos direitos que lhes cabem e também que não tiveram sua identidade construída a partir do movimento porque o cotidiano de luta não se fez presente em suas vidas, já que seus assentamentos eram regulamentados há muito tempo. Esses passaram, durante o Curso, por um processo de descoberta e de enraizamento na própria história de seus lugares de vida, antes desconhecida ou desvalorizada. O convívio com os colegas mais engajados politicamente e com uma visão crítica mais aguçada da realidade histórica das áreas de reforma agrária repercutiu de maneira peculiar ampliando o olhar desses estudantes e subsidiando a (re) construção de suas identidades, agora com o caráter de assentados, camponeses, integrantes de movimentos sociais. Nesse sentido, concordamos quando Caldart (2004b, p.347) nos diz que “participar de uma coletividade maior tende a agraudar nossa visão de mundo” (grifo da autora) e o depoimento da coordenação traduz essa aprendizagem política sendo multiplicada no Curso:

Havia uma dinâmica do relacionamento da turma em que havia pessoas, estudantes que tinham uma militância maior, uma consciência política mais aguçada pela experiência, e outros mais jovens, que eram filhos de assentados, que não tinham essa experiência, mas na discussão que as temáticas das disciplinas suscitavam, faziam com que essa discussão política viesse à tona e esses jovens menos politizados, digamos assim, que eu estou me referindo, se sentiam meio que acuados, incomodados porque estavam passando por uma certa cobrança. Porque, por exemplo, tinha uma menina que dizia “É, eu não digo em canto nenhum que eu faço o Curso de Pedagogia do Campo porque eu faço o Curso de Pedagogia e pronto. Ponto final. Eu não digo que sou sem terra porque eu não sou sem terra. A minha família tem terra”! Só que com a dinâmica das discussões, das experiências que eles viviam, porque eles passavam trinta, quarenta, cinquenta dias juntos, e nessa dinâmica debatiam, faziam muitas assembleias, muitas discussões e também ao longo do Curso a gente promoveu alguns debates, seminários, discussões sobre campesinato, sobre movimentos sociais. Essa

dinâmica, essa experiência foi mudando a percepção desses que eram, digamos assim, menos politizados. E essa discussão fez com que essa experiência proporcionasse uma formação política também para esses estudantes, que eu chamo “menos politizados”, e mudasse até a percepção desses alunos. Essa mesma estudante que eu me refiro, no final, na aula da