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Negação do direito à universidade: indicadores de uma trajetória de insucesso educacional da classe trabalhadora e camponesa

2 CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL DA NEGAÇÃO DO DIREITO DA CLASSE TRABALHADORA E CAMPONESA À EDUCAÇÃO SUPERIOR E OS PASSOS NA

2.1 Negação do direito à universidade: indicadores de uma trajetória de insucesso educacional da classe trabalhadora e camponesa

Historicamente, ingressar no Ensino Superior é considerado sinônimo de um degrau para alcançar posição privilegiada na sociedade. Nesse sentido, a universidade constitui desejo de muitos jovens brasileiros e de suas famílias. Chegar à universidade é indicador de sucesso na vida, supostamente a garantia de um futuro promissor, uma porta para a ascensão social. Esse ideário é reforçado por duas razões construídas historicamente: 1) o caráter elitista da universidade brasileira; e, 2) o papel da política desenvolvimentista liberal.

As características que a universidade assumiu no Brasil desde seu processo de implantação remetem ao elitismo e ao privilégio. Embora tardiamente implantadas, por questões geopolíticas e ideológicas, se comparando a países da América espanhola como Peru, México, Colômbia, Cuba e Chile, as primeiras universidades instituídas no Brasil assumiram o papel de formação eminentemente profissional17, encaminhando os seus diplomados a perfazerem carreiras em postos de trabalho no Estado, na política e nas profissões liberais de alto prestígio. O ritmo e o modo de criação e expansão das universidades no Brasil tiveram forte influência de acordos entre o governo federal e as oligarquias estaduais, visando estabelecer sedes estratégicas para a instauração de elites intelectuais para o comando do país (ROMANO, 2006). A ideia de universidade aqui instaurada preocupava-se com a satisfação educacional da elite, preservando os padrões de qualificação e de alta cultura.

Da perspectiva da universidade moderna apresentada no pensamento de Kant (1993) e Humboldt (1997), o Ensino Superior no Brasil herdou o viés de se constituir como cúpula da cultura moral da nação e enquanto topo do sistema educativo de aptidões profissionais18. “O reinado dos bacharéis”, no entender dos pensadores positivistas, era um “despautério”, já que, em matéria de ensino elementar, “tudo estava por fazer” (LINS, 1967). Numa associação entre os valores conservadores e liberais, o papel da universidade brasileira, em seu princípio, reuniu a função erudita e de formação intelectual à instrução de uma elite de profissionais especializados para servir à nação. A formação acadêmica era um fator de demarcação social para uma camada da burguesia culta, orientada pelo modelo do funcionário altamente especializado.

Copiando as universidades europeias e norte-americanas, a universidade brasileira veio cumprir papel semelhante aos modelos externos para a consolidação da modernização, industrialização e urbanização: formar mão de obra especializada e ampliar a renda dos que ali se formavam (BUARQUE, 1986). As universidades serviam, pois, para estabelecer a

17 A partir da segunda década do século XX, as primeiras universidades brasileiras surgiram da

aglomeração de faculdades isoladas que ministravam cursos profissionais nas tradicionais e prestigiadas áreas de Direito, Medicina e Engenharia. Cursos humanísticos, de ciência avançada e de Letras e Educação, dedicados à elucidação e elaboração científicas sobre a realidade só passaram a ser instituídos nas universidades após a chamada Reforma Francisco Campos, ocorrida no governo provisório de Getúlio Vargas (1930-1934).

18 As prerrogativas de desenvolvimento científico pelo incentivo à pesquisa, evidenciadas na obra de

Humboldt, só foram introduzidas no Brasil a partir dos governos de Juscelino Kubistchek (1956- 1961) e de João Goulart (1961-1964). Já a tríade indissociável de ensino, pesquisa e extensão somente foi possível conceber e implementar durante a reforma universitária de 1968 (ROSAR, 2001).

divisão do trabalho, ao selecionar aqueles destinados à formação intelectual, moral e crítico- histórica e os aptos a empregos de alto nível. Sob essa perspectiva, a maioria da população jamais chegaria à universidade, que “é a escola da classe (e do pessoal) dirigente, é o mecanismo através do qual faz-se a seleção dos indivíduos de outras classes que devem ser incorporados no quadro governante, administrativo, dirigente” (GRAMSCI, 1968, p.305). Ter a posse do diploma universitário garantia, portanto, lugar privilegiado no ápice da pirâmide social.

Retrato disso é que o Ensino Superior foi o caminho galgado pela falida aristocracia rural brasileira, no início do século XX, para manter sua estabilidade social. Em uma reflexão sobre a educação e as elites brasileiras, Anísio Teixeira (1957, p.1) avalia que o Ensino Superior salvaguardou o elitismo da antiga classe agrária, revitalizou a estabilidade social da aristocracia rural e conduziu à estruturação de uma nova elite formada por funcionários públicos e doutores. Para garantir a sobrevivência de suas classes altas, “um sistema público, universal e gratuito de educação não conviria, pois abriria as portas a uma possível deslocação das camadas sociais”. Logo, a aristocracia rural, ainda dominante, porém empobrecida, contou com a diplomação de seus filhos para oportunizar a assunção de funções burocráticas e liberais no país e assim superar as dificuldades da desagregação da classe agrária desencadeadas pelo processo de industrialização em pleno vigor.

A segunda razão para a crença de que a educação superior se comporta como um viés para a mobilidade social e, por consequência, para a melhoria da posição social do indivíduo encontra-se no impulso dado a essa ideia a partir do advento desenvolvimentista que tomou conta do Brasil com o aprimoramento das forças produtivas industriais. A associação entre educação e desenvolvimento econômico e social esteve na base dos ideais liberais19 traduzidos no plano de abertura e organização do sistema de educação pública no país. Difundiu-se, a partir dessa época, a crença de que a educação seria um instrumento eficaz para equalizar as oportunidades de melhoria da posição na sociedade. Uma análise clássica do papel atribuído à educação para o desenvolvimento foi elaborada por Antônio Luiz Cunha, que assim descreve o papel social da educação:

19 Os ideais liberais aparecem ancorados no pensamento da burguesia francesa revolucionária do

século XVIII. Constituído pelos princípios do individualismo, da liberdade, da propriedade, da igualdade e da democracia, o liberalismo pregava a negação dos privilégios hereditários – vivenciados pela aristocracia da época – em favor da igualdade de direitos e de oportunidades na vida em sociedade (CUNHA, 1980).

É, pois, a partir dos talentos ou vocações individuais (que a educação tem capacidade de despertar e desenvolver) que o indivíduo adquirirá sua posição, isto é, que o indivíduo ocupará na sociedade a posição que seus dotes inatos e sua motivação determinarem e, assim, de acordo com suas próprias aptidões, irá encontrar seu lugar na estrutura ocupacional existente. A educação liberal não considera os alunos ligados às classes de origem, não os considera privilegiados ou não, mas trata-os igualmente, procurando habilitá-los a participar da vida social na medida e proporção de seus valores intrínsecos. Desta forma, ela pretende contribuir para que haja justiça social, levando a sociedade a ser hierarquizada com base no mérito individual. Donde se conclui que a ascensão ou descensão social do indivíduo está condicionada à sua educação, ao seu nível de instrução, e não mais ao nascimento ou à fortuna que dispõe. Isto porque o talento está no indivíduo, independente de seu status ou condição material (CUNHA, 1980, p.34-5, grifo do autor).

Essas ideias da educação liberal chegaram ao Brasil pelas vias do pensamento pedagógico da Escola Nova formulado por John Dewey (1959) e disseminado na literatura e na ação política e educacional de Anísio Teixeira. A influência dessa corrente pedagógica se materializou nos documentos legais da época no que concerne às diretrizes para moldar, institucionalmente, o sistema de educação pública. Internalizou-se no discurso oficial a relação direta entre educação e reconstrução social, na medida em que quanto mais educada a população, mais próspera a nação. Essa foi a frente ideológica que impulsionou o momento histórico desenvolvimentista vivido pelo Brasil em meados do século XX, na busca de se inserir no caminho do progresso trazido pelo advento da industrialização20.

A difusão do ideário da educação para o desenvolvimento concorreu com a intenção21 governamental de erradicar o analfabetismo que “sempre foi o pior cartão de visita do Brasil” (MARINHO, 2008, p.83). A realidade educacional precária da maioria da população era considerada um empecilho para o crescimento técnico-científico almejado no plano desenvolvimentista do país. No cerne desse contexto, foi estabelecida, portanto, uma forte confiança de que a educação seria redentora dos males sociais, corrigindo as desigualdades de ordem econômica e possibilitando ao indivíduo saltar até o topo da escala social tendo em vista seu desempenho educacional. No entanto, não foi essa a realidade dos fatos materializados na trajetória do recém-criado sistema brasileiro de educação pública.

A ideia da possibilidade do acesso ao Ensino Superior por todo aquele que galgasse satisfatoriamente o percurso da escolarização como continuidade dos diferentes graus de

20 A vinculação direta entre educação e o fator econômico adveio da nomeada teoria do capital

humano, que se apresenta sob a perspectiva geral de que a melhor capacitação do trabalhador apareceria como fator de aumento da produtividade e sob a perspectiva particular de que cada trabalhador avaliaria o investimento e o esforço empregados na formação a serem compensados em termos de melhor remuneração pelo mercado (CATTANI, 1997).

ensino, constituídos por um número estipulado e obrigatório de séries, se transformou numa ilusão. Concretamente, não se estruturaram condições quantitativas e qualitativas para que os indivíduos tivessem iguais oportunidades de acesso, permanência e desempenho na trajetória de escolarização. Corporificou-se um atendimento desigual no sistema educacional no tocante às classes sociais e às regiões do país22. Isso se observou desde a disponibilidade de escolas, sua gratuidade e o currículo instituinte de dualismos na formação.

A insuficiência de escolas para atender à demanda de crianças e analfabetos associada aos altos custos da escolarização secundária atuou como fator restritivo para o sucesso escolar da classe trabalhadora. Quando somamos a isso o ônus causado às famílias ao sacrificar parte da renda que poderia ser adquirida com o trabalho daquele filho que está estudando, “queremos mostrar que as dificuldades de arcar com os custos da escolarização fazem com que o acesso à escola não seja possível para certos setores da população, os de mais baixa renda” (CUNHA, 1980, p.146). Além disso, os filhos da classe trabalhadora que conseguem se inserir no sistema educacional, recebem um ensino de qualidade inferior, em escolas de turmas superlotadas e reduzida carga horária de trabalho efetivo, com grande parte dos professores mal qualificados. Analisando a desigualdade da escolarização na segunda metade do século XX no Brasil, Antônio Luiz Cunha retrata a realidade de muitas escolas públicas:

Na maioria das unidades da Federação, os governos estaduais atendem a demanda de escolarização primária pela sobre-utilização das instalações: diminui-se a duração das aulas de cada turno de modo a aproveitar as instalações para introduzir um terceiro; ou, então, faz-se um revezamento entre as turmas a fim de aumentar a produtividade do uso dos prédios. As consequências pedagógicas negativas desses expedientes são grandes, para não falar nas dificuldades daí decorrentes de administração escolar e de manutenção das instalações (CUNHA, 1980, p.145-6).

Embora a responsabilidade do Estado em promover a escolarização obrigatória e gratuita no ensino primário tenha sido instituída desde a Constituição de 1934 e replicada nas posteriores Constituições de 1937, 1946 e 1969, dados estatísticos dos censos demográficos da época mostram uma taxa de analfabetismo de 50,5% da população brasileira no ano de 1950, somado a um índice de matrícula de apenas 32,8% das crianças23. Vinte anos depois, em 1970, os analfabetos reuniam 33,6% da população e o atendimento do sistema educacional

22 No item 2.2, veremos, segundo Florestan Fernandes (2008), como e porque se materializou um

projeto de educação e sociedade desigual no país.

23 Percentual resultante da relação entre o número de matrículas em 1950 e o número da população em

ainda não tinha atingido 50% das crianças brasileiras. Como resultado das contradições de interesses na relação entre sociedade, política e mundo do trabalho, a inoperância do sistema educacional instituído no Brasil construiu, assim, os obstáculos de seletividade econômica e social observados na progressão no próprio sistema, o que se agravava ainda mais no ensino secundário. Isso porque, a estratificação social da educação se dava, nesse grau de ensino, a partir da dualidade entre vocação profissional e cursos propedêuticos ao Ensino Superior.

Aqueles que ultrapassavam todas as barreiras imputadas pelo filtro econômico se viam, agora, diante de seleções de candidatos para a fase antecedente e preparatória para o Ensino Superior. Como não transpunham com facilidade a barreira dos exames de admissão, tendo em vista a desigualdade do ensino concluído, formavam o contingente da demanda dos cursos profissionais, de modo que esses indivíduos permaneceriam nos setores da classe trabalhadora e nos níveis sociais a que sempre pertenceram, embora com uma maior qualificação, produtividade e desempenho. A qualidade do ensino, mais uma vez se dicotomizava a partir da classe social a que pertenciam os indivíduos. Os dispositivos educacionais, defendendo a igualdade de oportunidades tão contrastada na realidade educacional, funcionavam, portanto, dissimulando a reprodução das desigualdades e expulsando progressivamente os estudantes de mais baixo nível de renda do sistema educacional a cada elevação do nível de ensino.

Direcionando o olhar para a classe trabalhadora rural, vemos com mais nitidez a desigualdade educacional negando as possibilidades de sucesso na trajetória de escolarização e subsequente acesso ao Ensino Superior. O quadro é expressamente pior porque o território rural da agricultura familiar está na contramão do conceito de desenvolvimento (industrial e urbano)24. Dessa forma, no período do entusiasmo pela educação como instrumento de crescimento econômico, não houve investimento considerável na educação destinada à população do campo; esta nunca foi prioridade para o Estado brasileiro. Ao contrário, a implantação e diversificação do sistema educacional público brasileiro, sob a égide da concepção liberal de educação

... se corporificou e se expressou na construção do “novo”, do industrial e do urbano, do Estado republicano, do laico, do entendimento da educação como

24 A concepção linear e irremediável do desenvolvimento sob a diretriz da evolução capitalista irradia

a visibilidade para uma revolução urbana natural e benéfica que levaria ao atrofiamento crônico da economia agrária, que desapareceria e, portanto, resultaria na direção do fluxo de pessoas e de atividades econômicas para as cidades. Segundo essa lógica, o campo se tornaria, gradualmente, despossuído de sujeitos, culminando no fim do campesinato (MARX, 2011), o que justificaria a ausência de investimentos e políticas nesse território (PEREIRA, 2009).

arma principal na luta pelo desenvolvimento econômico e social, contrapondo-se ao colonial e rural, ao Estado oligárquico, ao confessional, ao escravismo, ao bacharelismo e à ignorância (NEPOMUCENO, 1996, p.11).

Dessa forma, o entusiasmo da crença do papel decisivo da educação para o desenvolvimento não adentrou pelas estradas de terra ao encontro do território camponês. O vigor e o sonho da corrida pelo crescimento econômico e social fez morada nas cidades, nos centros urbanos “civilizados”, nas concentrações populacionais, industriais e comerciais. As necessidades educacionais impetradas pelo processo de industrialização, seguindo os ditames da internacionalização da economia, proporcionaram a expansão da educação no espaço urbano. No campo, as poucas escolas existentes destinaram-se “a oferecer conhecimentos elementares de leitura, escrita e operações matemáticas simples, (...) e este estudo nada tem a ver com o trabalho que o camponês desenvolve com a terra” (RIBEIRO, 2012b, p.293-4).

Corporificando-se como um apêndice da educação oferecida nas cidades, o processo educativo no campo não demandou esforço algum de adequação às características do espaço e da população destinatária, reproduzindo o currículo da escola oferecida nas áreas urbanas. Assim, a escola rural não incorporou questões relacionadas ao trabalho produtivo agrícola, excluído de suas preocupações, já que suas finalidades, programas, conteúdos e métodos seguiam demandas de formação geral para o setor industrial. O distanciamento entre a cultura familiar camponesa e o padrão cultural cultivado na escola tornou-se responsável, portanto, pelo estranhamento à experiência escolar e, em consequência, pode ser visto como um dos elementos explicativos para a lentidão no aprendizado e o abandono da escola pelos filhos da população rural. A função urbanizadora atendida pela escolarização desintegrou as nuances da socialização popular, informal e doméstica que os jovens adquiriam desde os primeiros anos de vida, como forma de participação ativa no corpo social ligado à unidade familiar.

A disciplina, o significado das palavras, o vocabulário, as maneiras consideradas decentes, a estrutura das frases, a maneira de expressar o pensamento, etc., são percebidos como uma arbitrariedade imposta, contrariando toda a sua primeira socialização (CUNHA, 1980, p.121-2). A violência cultural causada pelo distanciamento entre a escola e a realidade camponesa, associada ao número insuficiente de escolas para atender o espaço rural e dar condições de continuidade dos estudos na localidade, ainda se somou à deficiência de recursos da instituição escolar corroborando para o fracasso da trajetória escolar da classe trabalhadora camponesa. Nesse território, assim como nas periferias urbanas, encontram-se reunidos recursos humanos (professores, supervisores etc.) em menor número e menor

qualificação e recursos didáticos reduzidos a quadro, giz, caderno, lápis e livro. Também vale salientar que sempre foi realidade do território rural a existência, em grande número, de escolas unidocentes/multisseriadas, constituídas exclusivamente por uma sala de aula em que o único professor atende, simultaneamente, o ensino das várias séries. Esses elementos revelam um cenário diminutivo da qualidade do ensino e do desempenho das populações rurais na trajetória educacional, que produziram, historicamente, crescentes dificuldades para os estudantes progredirem no sistema escolar e alcançarem o Ensino Superior.

No contexto histórico desenvolvimentista, a educação no espaço rural somente foi enfatizada pelo Estado brasileiro em duas situações específicas. A primeira, conhecida como ruralismo pedagógico, esteve associada à necessidade de contenção do fluxo migratório dos trabalhadores e suas famílias em direção aos centros urbanos. Segundo Calazans (1993, p.25), as ideias do ruralismo pedagógico foram “uma tentativa de resposta à „questão social‟, provocada pela inchação das cidades e incapacidade de absorção de toda a mão de obra disponível pelo mercado de trabalho urbano”. A educação preconizada sob esse ideário tinha, portanto, um caráter preventivo à desordem social atribuída ao êxodo rural.

Na perspectiva do ruralismo pedagógico, defendia-se a existência de uma escola que preparasse os filhos dos agricultores para se manterem na terra; uma escola associada ao trabalho agrícola e adaptada às demandas rurais. Para tanto, haveria o imperativo de adaptar programas e currículos ao ambiente e à cultura do campo, “apertando cada vez mais os vínculos que devem prender a escola e a família, a escola e as populações dos campos, estabelecendo o „ajustamento no ambiente regional‟ em que se desenvolvia o educando” (CALAZANS, 1993, p.27). Construir-se-ia uma nova escola adaptada às exigências de produção para desenvolver o meio rural. No entanto, esse ideário só permaneceu no discurso.

A segunda situação alude às campanhas de erradicação do analfabetismo, impulsionadas no meio rural, tendo em vista os graves índices revelados nos censos demográficos. Em 1950, por exemplo, 72,4% da população rural não sabiam ler e escrever (MARINHO, 2008). Nesse sentido, a atenção à educação no território rural se deu prioritariamente pelo fator determinante da concentração de pessoal analfabeto no campo e pelo desejo de erradicar esse mal. Uma sequência de campanhas e projetos pontuais se materializaram no território camponês25.

25 Iniciativas de combate ao analfabetismo, organizadas por movimentos populares, também se

sucederam nesta época, no entanto, a maioria não contava com o apoio governamental e representavam motivo de preocupação dos setores conservadores, tendo em vista suas ações que ultrapassavam o objetivo da alfabetização, abarcando a politização, a conscientização, a mobilização social. Vide item 2.2.

A primeira Campanha Nacional de Alfabetização de Jovens e Adultos aconteceu a partir de 1947. A proposta tinha por objetivo reduzir o número de analfabetos e preparar as pessoas para a qualificação profissional. A Campanha foi planejada para o espaço urbano, sendo extensiva para os territórios rurais por meio de missões e também para trabalhos junto aos imigrantes do sul do país. O entusiasmo e o apoio político e financeiro do governo para a Campanha cessaram assim que se constatou a inoperância, em números, da erradicação do analfabetismo (MARINHO, 2008).

No ano de 1952, foi encetada a Campanha Nacional de Educação Rural (Cner), avaliada como a campanha mais significativa e de maior extensão ocorrida no Brasil. Tinha por intuito expandir a educação de base no meio rural brasileiro. Seus princípios eram pautados na dignidade do ser humano; na consideração dos problemas típicos do meio rural; na consciência dos direitos e deveres de cidadania; e, na importância da participação populacional no progresso econômico e social das comunidades rurais. Planejada sem sondar o público destinatário nem efetuar adaptabilidades ao contexto, a Cner foi mais uma iniciativa