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Concepção de educação, ciência e universidade: mudanças e contradições a partir do Pronera e seus sujeitos

2 CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL DA NEGAÇÃO DO DIREITO DA CLASSE TRABALHADORA E CAMPONESA À EDUCAÇÃO SUPERIOR E OS PASSOS NA

3 MUDANÇAS E CONTRADIÇÕES NA DINÂMICA UNIVERSITÁRIA A PARTIR DO PRONERA

3.1 Concepção de educação, ciência e universidade: mudanças e contradições a partir do Pronera e seus sujeitos

O atual contexto universitário nos permite perceber a existência de três concepções disputando a hegemonia de pensamento e atuação dessa instituição. Conforme podemos ver em vários estudos sobre as políticas de Ensino Superior (SANTOS, 2001; GENTILLI, 2001; CHAVES, 2006; SOUSA, 2006; BARBALHO & CASTRO, 2010; SANTOS & CABRAL NETO, 2010; JEZINE & BITTAR, 2013; SANTOS, 2013), é bastante disseminada a dicotomia entre os modelos: 1) da universidade moderna, ligada à produção da alta cultura, de conhecimentos científicos e humanísticos e da pesquisa pura descompromissada com as consequências sociais da ciência; e, 2) da universidade operacional (FREITAG, 1996), referendada na produção de conhecimentos instrumentais e da pesquisa aplicada, úteis ao mercado de matriz tecnológica sob a ideologia neoliberal. Isso porque as mudanças impetradas no direcionamento e na finalidade da educação superior, orquestradas em escala mundial pelos órgãos econômicos multilaterais, não se fixaram apenas a partir da multiplicação de instituições com diferentes prerrogativas ou da criação de novas modalidades de cursos de Ensino Superior, identificadas com a massificação da formação profissional em consonância com as necessidades do mercado. Esses ditames avançaram destronando a ideia de universidade85 moderna como modelo de formação pela ciência.

A esse respeito, Boaventura de Sousa Santos (2013) afirma que as lógicas que presidem a expansão e o domínio do ideário neoliberal na universidade se concentram em três crises da concepção moderna, intimamente ligadas entre si, a saber: de hegemonia, de legitimidade e institucional. A crise de hegemonia surgiu da tensão entre as funções tradicionais exercidas pela universidade (ciência e alta cultura) e as novas funções atribuídas hodiernamente (tecnologia e mão de obra qualificada), de modo que, diante da inviabilidade de desempenhar plenamente essas funções contraditórias, o Estado e o mercado retiraram a exclusividade da universidade no domínio do Ensino Superior e da produção de pesquisa, passando a fomentar novas instituições para atingir seus objetivos. A crise de legitimidade foi provocada pela contradição entre, de um lado, a elitização tradicional que hierarquizava o

85 Baseada no pensamento humboldtiano (1997), essa ideia de universidade incide na plena liberdade

acadêmica de professores e estudantes. A autonomia científica com organização estatal (financiamento e normatização legal) configura uma liberdade ilimitada da lógica interna da ciência. Nessa perspectiva, as universidades seriam instituições científicas superiores protegidas das intervenções políticas e dos imperativos sociais (HABERMAS, 1993). Em termos práticos, a universidade hodierna não mais está organizada sobre essas bases e, particularmente, na América Latina e no Brasil, essa ideia autodeterminada e autogovernada jamais tomou corpo.

acesso aos saberes especializados e, de outro lado, as exigências sociopolíticas pela democratização e igualdade de oportunidades para os filhos das classes populares. A perda da legitimidade se deu pela resolução negativa dessa crise, que, por meio de uma falsa democratização, segmentou o sistema universitário e desvalorizou a diplomação.

A crise institucional, agravada pelas duas primeiras crises, recai sobre o questionamento da autonomia universitária como especificidade organizativa, levando o Estado a impor critérios de eficácia e produtividade nos moldes empresariais. O resultado dessa crise consiste na perda de prioridade da universidade como bem público que se traduz em sua descapitalização e na transnacionalização do mercado universitário (SANTOS, 2013). Essas crises aludem, cada uma à sua forma, ao fortalecimento das pressões externas continuamente mais contraditórias e tirânicas em consonância com a vertente neoliberal, tendendo a instabilizar a universidade e desfalecer o modelo moderno, favorecendo o operacional, regido pela lógica de contratos de gestão, flexibilidade e avaliação por produtividade, e concebendo a educação como mercadoria. Partindo desse ponto de vista, a universidade, que em seu projeto mais original carrega o elitismo exclusivista e a concepção da ciência pura como monopólio do saber, vai perdendo espaço para a vertente da lógica privatista de intensa razão instrumental, mas não dispensa completa e imediatamente a tradição academicista (CASANOVA, 2001; RINESI, 2001; SANTOS, 2013).

Há de se deixar claro que nenhum desses dois modelos de universidade preconiza a formação de cidadãos críticos ou propõe a produção acadêmica em favor da resolução dos problemas e questões que importam no combate às desigualdades sociais e às fragilidades das populações subalternas. Nessa perspectiva, Rinesi (2001, p.91) escreve uma crítica não à incapacidade da universidade, mas à sua alta capacidade de formar cidadãos que não gostaríamos que formasse: “uns cidadãos dóceis, acríticos e funcionais, incapazes não só de impugnar, mas até mesmo de pensar a dinâmica de um sistema social cujas leis nos acostumamos a não questionar”. E o faz, continua o autor (2001, p.93), ao mesmo tempo em que tem contribuído efetivamente “para aplacar, restringir e limitar tudo o que o conhecimento tem de emancipador e de libertador” por meio de dois mecanismos: 1) o “espírito utilitarista”, que leva a universidade a servir e não criticar, ajudar e não entorpecer, produzir e não estimular a reflexão; e, 2) o “vício academicista”, que privilegia as dimensões tradicionais dos saberes e dos escritos, avaliando as produções teóricas a partir do estrito atendimento ao “academicamente pertinente”. A partir dessa assertiva, podemos inferir que, mesmo em conflito político-ideológico com a universidade operacional, a concepção moderna, enquanto tradição de suposta neutralidade e superioridade do conhecimento

científico, pode atuar de forma complementar e convergente àquela e, portanto, permanece legitimada na dinâmica universitária sempre que se mostrar interessante aos objetivos neoliberais.

O conceito e as análises a cerca do capitalismo acadêmico também sugerem o imbricamento entre a universidade operacional e a universidade moderna. Nesse entendimento se destaca a transformação das atividades acadêmicas em um conjunto que tende à capitalização sobre a base da pesquisa e do conhecimento científico especializado na busca de soluções para problemas públicos ou comerciais, à maneira do mercado ou como parte dele (SLAUGHTER & LESLIE, 2004). No entanto, essa definição não deixa de reconhecer e respeitar a existência de nichos universitários destinados à inteligência especulativa, estética e moral, que, em longo prazo, podem ter utilidades imprevistas, mesmo que aparentemente formulem apenas soluções elegantes que parecem não servir para nada (CASANOVA, 2001). E, mais uma vez, nessa união, configura-se uma modernização conservadora da universidade (LEHER, 2001), que traz como principais prejudicados a pesquisa engajada socialmente, assim como a formação e a difusão do pensamento crítico.

No movimento da reforma universitária pela ordem neoliberal, alinhavada no Brasil desde o período ditatorial e mais fortemente a partir dos anos de 1990, projeta-se a tendência de hegemonia da universidade via convivência contraditória (disputa e complementaridade) das concepções moderna e operacional. No entanto, esse não é o único traço que caracteriza a universidade hodiernamente. Há uma terceira concepção de universidade, que diante dessa investida mercadológica e privatista, vem sendo silenciada (LEHER, 2010; MOLINA; BATISTA; HAGE, 2013). É preciso aguçar os ouvidos para perceber “as vozes da revolta, da paixão pela liberdade e do espírito crítico que parecem ter sempre encontrado na universidade um campo especialmente fértil para se desenrolar [...] frente às garras das instituições e aos impulsos ordenadores dos seus administradores” (RINESI, 2001, p.94).

Convencionaremos denominar essa terceira concepção de universidade popular, tendo em vista sua vinculação com as forças sociais populares e progressistas, contrapondo-se à mercantilização da ciência e buscando soluções para os problemas sociais. A universidade popular preconiza o caráter público da educação em favor da distribuição equitativa dos bens educacionais e da garantia do direito de acesso da classe trabalhadora ao Ensino Superior. Nesse sentido, se é apresentado de maneira contraditória o convívio entre as concepções de universidade moderna e operacional, acirram-se ainda mais os conflitos no interior da universidade ao se discutir e experienciar um terceiro viés, que se inscreve na vinculação e

influência da universidade no projeto de país pela sua missão social. Como universidade popular, tem uma tarefa a observar:

Não de formar os cidadãos que esta sociedade (que as empresas e os grupos econômicos desta sociedade) precisa, mas, pelo contrário, de formar os cidadãos que esta sociedade não precisa. Os que sejam capazes de impugná- la, os que estejam em condições de pensá-la criticamente, os que possam, em vez de aceitar docilmente as chamadas de „forças da história‟ (eufemismo com o qual se acostumam a ser designados, e ao mesmo tempo dissimulados, os projetos políticos e econômicos dos grupos dominantes, que dessa maneira naturalizam e legitimam a sua dominação), pô-las a elas no banco dos réus e tentar imaginar, contra as suas dimensões mais irritantes e mais desumanas, outros destinos possíveis para as nossas sociedades (RINESI, 2001, p.97, grifos do autor).

A par disso, compreendemos o atrelamento do modelo de universidade popular com a construção de um projeto nacional, não mais elitista, como fez a universidade quase que exclusivamente até o século passado, mas articulado a forças heterogêneas manifestadas na luta ideológica, política e cultural contra hegemônica por reformas estruturais, pela consolidação dos direitos sociais, pela priorização do mercado interno e pela redistribuição de renda (FRIGOTTO, 2006). A capacidade epistemológica e a orientação quanto às funções sociais da universidade na perspectiva popular dão consistência a esse projeto de país, criando o conhecimento e os sujeitos misteres à sua concretização. No livro “Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade”, de autoria de Boaventura de Sousa Santos (2013), também se mostra a integração entre o papel da universidade e o enfrentamento social do projeto neoliberal. No que tange à universidade enquanto bem público estatal, contrapor uma alternativa contra hegemônica significa que:

As reformas nacionais da universidade pública devem refletir um projeto de país centrado em escolhas políticas que qualifiquem a inserção do país em contextos de produção e de distribuição de conhecimentos cada vez mais transnacionalizados e cada vez mais polarizados entre processos contraditórios de transnacionalização, a globalização neoliberal e a globalização contra hegemônica (SANTOS, 2013, p.458).

No entanto, Boaventura de Sousa Santos (2013) aponta contradições na definição das ideias-mestras necessárias a dianteira da reforma universitária em nome da globalização contra hegemônica. Ao mesmo tempo em que a universidade caminha em passos lentos para libertar-se do encastelamento moderno irreformável, o Estado tem se transformado num inimigo (por mais proclamações contrárias que faça) ao adotar ou ceder às pressões neoliberais. Sem a opção do Estado como aliado na perspectiva de enfrentar a hegemonia da

concepção operacional da universidade, contrapor uma alternativa contra hegemônica, de viés democrático, emancipatório, popular e progressista fica a cargo dos universitários que recusam a ideia do conformismo diante das imposições neoliberais e dão uma resposta ativa à cooptação, aliados aos grupos, movimentos e organizações sociais interessados em articular- se cooperativamente com a universidade. A centralidade dessa aliança é o aprofundamento do compromisso social da universidade que se fixa em responder às demandas pela democratização radical da instituição, pondo fim à exclusão histórica desses grupos sociais, seus saberes e interesses coletivos (SANTOS, 2013).

Podemos encontrar respaldo para a defesa de princípios da universidade popular no movimento docente86 em contraposição ao processo de privatização ensejado pelas agências econômicas internacionais e pelo Estado em cumprimento às reformulações implicadas no financiamento recebido. Documento sobre a reforma universitária, produzido pelo Andes (SINDICATO..., 2003), informa que é essencial para a qualidade da educação superior: 1) ensino público, gratuito, democrático, laico e de qualidade para todos; 2) autonomia didático- científica, administrativa e financeira; 3) democratização interna e liberdade organizativa; e, 4) indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e carreira unificada para as instituições de Ensino Superior. Nessa mesma perspectiva, Casanova (2001, p.228-9) indica que é necessário impedir a ruína da universidade. Somente as forças democráticas, progressistas e radicais que perfazem a universidade popular podem assumir a tarefa de sobrevivência da instituição nos moldes de caráter público e gratuito, com gestão democrática e valores acadêmicos vivos.

Nessa perspectiva, o modelo de universidade popular politiza as lutas por uma instituição pública, plural, de qualidade e engajada socialmente. Na esteira do interesse público, a universidade demanda ampla transformação de sua dinâmica, o que envolve democratização e avaliação de sua produção e de seu papel na sociedade. Dessa forma, a reforma universitária far-se-á satisfatória considerando a educação superior como prioridade nacional, estruturando o respeito as mais diversas correntes de pensamento científico e humanístico e contrapondo-se ao projeto neoconservador da universidade operacional limitada à preparação funcional, empresarial e tecnocrática de “analistas simbólicos” e de “especialistas eletrônicos”. Como argumenta Trindade (2001, p.39), é preciso sair de uma

86 Andes apoiado pelos movimentos universitários: Federação de Sindicatos de Trabalhadores

Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e UNE.

política puramente defensiva, crítica e imobilista para defender a universidade, construindo as forças alternativas pela base:

Em nome do salutar corporativismo universitário, que garante a liberdade acadêmica das injunções do poder religioso, político ou econômico, nacional ou internacional, indissociável da ideia de autonomia, não se pode mais retardar a reforma universitária. Tornou-se inadiável que todos os segmentos da comunidade universitária saiam do imobilismo propondo alternativas. Não basta a mera resistência e a postura defensiva, porque elas podem conduzir a um dos objetivos dos governos latino-americanos: tornar obsoletas as estruturas atuais, legitimar a privatização interna, manter a comunidade acadêmica sob pressão permanente em virtude da precarização do espaço público e expandindo o setor privado, o que significaria a hegemonia plena das “políticas salvadoras” neoliberais.

É nesse sentido que retomamos Boaventura de Sousa Santos (2013) e sua consideração do papel crucial da universidade em construir, representar e defender uma alternativa contra hegemônica de educação, racionalidade e sociedade. Nessa alternativa, enxergamos os princípios orientadores do que temos denominado como universidade popular. Dentre as áreas de ação identificadas pelo autor no âmbito de sua propositura teórica, destacamos como pontos principais a democratização do bem público universitário e a Ecologia dos Saberes. Essa escolha justifica-se pelo total imbricamento entre esses dois princípios que congregam as exigências primordiais à consolidação da vertente universitária popular, uma vez que implicam o diálogo horizontal entre a universidade e a classe trabalhadora tanto pela via do acesso à formação superior quanto das iniciativas de produção de conhecimento engajado socialmente.

A equidade do acesso à universidade vem responder ao elitismo e à distância histórica entre a universidade e os setores constituídos como excluídos da sociedade. Para sua efetivação, Boaventura de Sousa Santos, no livro “Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade” (2013) distingue alguns segmentos a serem pautados na política e prática universitárias: 1) promoção de parcerias ativas com as escolas públicas no âmbito pedagógico e científico, buscando retrair os processos de interrupção e insucesso que bloqueiam a trajetória escolar básica; 2) manutenção da gratuidade da universidade e desenvolvimento de programas de permanência com concessão de bolsas mediante contrapartidas de trabalho nas atividades universitárias, fortalecendo assim a formação integrada no tripé de ensino, pesquisa e extensão; e, 3) programas de ação afirmativa por meio de cotas étnicas ou socioeconômicas

e outras medidas de combate ao tradicional elitismo social da universidade87. Finalizando sua argumentação, Boaventura de Sousa Santos afirma que essas tarefas de equidade do acesso questionam a dinâmica universitária no seu todo e, por isso, exigem uma avaliação crítica do papel da universidade que não foi responsável pela exclusão social apenas no ingresso, mas também pela inferiorização dos conhecimentos produzidos pelos grupos excluídos, desqualificados em nome da priorização epistemológica científica. Assim, a democratização implica alterar não apenas o público que frequenta a universidade, mas os conhecimentos produzidos e disseminados entre os que a frequentam.

É a partir dessa assertiva, que confirmamos a interlocução entre o acesso e a produção de conhecimento configurando os elementos essenciais da alternativa contra hegemônica da universidade popular. A diretriz da produção de conhecimento nessa perspectiva consiste na pesquisa-ação, segundo a qual os interesses científicos convergem para as soluções dos problemas de comunidades e grupos sociais que não dispõem do conhecimento técnico e especializado da universidade pela via mercantil. Essa concepção delega densa responsabilidade social à instituição universitária, que seguindo essa via, aceita ser permeada pelas demandas sociais, sobretudo aquelas “oriundas dos grupos sociais que não têm poder para as impor” (SANTOS, 2013, p.481). Vale destacar que o empenho e a criatividade dos pesquisadores, docentes e estudantes diante dos desafios da assunção da função social da universidade só podem ser garantidos pela premência da autonomia e da liberdade acadêmicas.

Aprofundando essa ideia de utilidade social da universidade, entra em cena o que Boaventura de Sousa Santos (2008; 2013) define como Ecologia dos Saberes. Caracterizada como uma revolução epistemológica da universidade, a Ecologia dos Saberes consiste no

87 Na UFPB, as políticas de ação afirmativa merecem uma referência a partir da adoção da Modalidade

de Ingresso por Reserva de Vagas (Mirv) que se iniciou em 2011, com a reserva de 25% das vagas de todos os cursos para estudantes que frequentaram o Ensino Médio e pelo menos três séries do Ensino Fundamental em escolas públicas. Essa era uma meta prevista no Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) da UFPB e tinha uma pretensão de implantação gradual, com reserva de 30% das vagas em 2012, 35% em 2013 e a partir de 2014 a manutenção da reserva de 40% das vagas para a Mirv. Porém, em 29 de agosto de 2012, foi aprovada a Lei nº. 12.711, que dispõe sobre o ingresso nas instituições federais de ensino que decretou a reserva de no mínimo 50% das vagas dos cursos de graduação para estudantes que frequentaram integralmente o Ensino Médio em estabelecimentos públicos. Dessa forma, o processo seletivo passou a ser adequado a essa legislação. Vale salientar que essas vagas de ensino público são distribuídas de forma a refletir a composição étnica do Estado de acordo com os dados do IBGE, compondo uma inclusão integrada pelos critérios socioeconômico e racial. Após a adoção dessa política de reserva de vagas, a UFPB tem registrado a ocupação dos cursos de maneira mais equânime entre oriundos das escolas públicas e particulares, mudança mais visível nos cursos ditos nobres, a exemplo das Engenharias, Direito, Ciências da Computação e Medicina (BRANCO & NAKAMURA, 2013).

diálogo horizontal entre, por um lado, o conhecimento científico e humanístico produzido na universidade e, por outro lado, os saberes populares e tradicionais advindos de culturas múltiplas e determinadas, ao longo da história da modernidade, como não existentes na sociedade88. A Ecologia dos Saberes pode traduzir-se, assim, numa espécie de “extensão ao contrário”, trazendo saberes e culturas de fora da universidade para dentro do seu universo. Seguindo essa lógica, a Ecologia dos Saberes viabiliza a transformação de conhecimento disciplinar em transdisciplinar; de circuitos fechados de produção em abertos; de homogeneidade de lugares e atores em heterogeneidade; de descontextualização social em contextualização; e, de aplicação comercial do conhecimento em aplicação solidária e edificante.

A Ecologia dos Saberes são conjuntos de práticas que promovem uma nova convivência ativa de saberes no pressuposto que todos eles, incluindo o saber científico, se podem enriquecer nesse diálogo. Implica uma vasta gama de ações de valorização, tanto do conhecimento científico, como de outros conhecimentos práticos, considerados úteis, cuja partilha por pesquisadores, estudantes e grupos de cidadãos serve de base à criação de comunidades epistêmicas mais amplas que convertem a universidade num espaço público de interconhecimento onde os cidadãos e os grupos sociais podem intervir sem ser exclusivamente na posição de aprendizes (SANTOS, 2013, p.472-3). A possibilidade de diálogo e debate epistemológico entre diferentes formas de conhecimento é condicionada pelo princípio de incompletude de todos os saberes. Pela Ecologia dos Saberes pretende-se superar a monocultura do saber científico89 (SANTOS, 2008). Sendo assim, para além de sua compreensão como contextualização do conhecimento científico, a Ecologia dos Saberes atua redesenhando os processos e as prioridades do ensino e da pesquisa, transformando os sujeitos sociais “pesquisados” em coprodutores de conhecimento. Essa lógica intensifica-se ainda mais quando esses sujeitos passam a ocupar as salas de aula da universidade.

A Ecologia dos Saberes guarda uma das maiores riquezas possíveis na universidade: o diálogo entre as diferenças de sujeitos, de práticas, de saberes. O diálogo entre os saberes científicos e os saberes populares possibilitam a edificação de um novo saber, emancipatório,

88 Boaventura de Sousa Santos (2008) em sua crítica à razão metonímica, que se intitula única

racionalidade válida, denuncia que a monocultura do saber científico produz a não existência de todo saber que não se encaixa nos seus critérios de verdade, (des) qualificando-os sob a forma de