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3 CAMINHOS DO CAMPO: REFLEXÕES METODOLÓGICAS

3.2 PARTICIPANTES DA PESQUISA

3.2.1 Caminhos percorridos dentro da escola

Como acordado com as gestoras e a professora da escola, na quarta-feira após o recesso da Copa, teve início o primeiro dia de observação no campo. A partir daí a frequência à escola foi sistematicamente às quartas-feiras durante todo o segundo semestre letivo de 2014.2, permanecendo lá todo o turno vespertino.

Antes de entrar na sala de aula para começar as observações participantes, a autora passou na sala da diretora, quando conversou rapidamente. Na ocasião, foi entregue o termo de anuência do campo (APÊNDICE B), pedido que ela lesse e assinasse assim que pudesse, pois a pesquisadora passaria no final da tarde para

buscá-lo. Ao final da tarde, retornou à referida sala para pegar o termo assinado. Desde a entrada em sala de aula, tanto a professora como os alunos mostraram-se receptivos e dispostos a dividir o dia a dia. Logo no primeiro dia, embora com alguns olhares de estranheza, a turma mostrou-se curiosa, fazendo diversas perguntas: sobre o motivo da visita, o que era mestrado, o que estava sendo anotado e se a pesquisa também seria realizada nas demais salas de aula. Todas as perguntas foram respondidas, em uma tentativa de explicar a presença de forma clara e compreensível, deixando-os livres, tanto alunos quanto professora, a conversar sempre que desejassem e, também, a acessar o caderno de anotações.

Ao final do 1º encontro, foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE C) para que a professora pudesse ler e assinar. Na ocasião, foi retomada a explicação a respeito do que se tratava a pesquisa, apresentado o termo e esperou-se a leitura do documento. Ao final da leitura, foi perguntado se a professora tinha alguma dúvida a respeito; diante da resposta negativa, foi pedido, então, que ela assinasse o termo.

No período em que o campo foi realizado, foram adotados os seguintes procedimentos de pesquisa: a) observações participantes em sala de aula; b) análise documental do histórico dos alunos do 3º ano B; c) entrevista semidirigida com a professora da turma.

a) Observações em sala de aula

Antes de iniciar o campo, o planejamento era de que fossem realizadas uma média de dez observações participantes na sala de aula, recreio e outras aulas da turma (Artes, Educação Física etc.). A partir daí as observações se encerrariam e a pesquisadora escolheria um grupo de alunos para refletir sobre as questões concernentes à medicalização.

Durante os encontros com os alunos e a professora da turma, essa configuração foi sendo modificada. Os acontecimentos diários de sala de aula eram tão ricos e importantes para a compreensão da pesquisa que aquele ambiente e convívio tornaram-se espaço potente para aproximação com os processos educacionais e as histórias que eles suscitam.

Nesse sentido, no período de julho a dezembro de 2014, foram realizadas, uma vez por semana (todas as quartas-feiras), observações na sala de aula do 3º ano B,

totalizando 20 encontros. Cada observação durava o período inteiro da tarde, de quatro horas. As observações abarcavam as mais diversas situações: aulas regulares, recreio, aula de artes e educação física. Além dessas situações, também houve a oportunidade de presenciar algumas confraternizações, como lanche coletivo, apresentação de natal e confraternização de final de ano.

Sendo assim, todo o campo foi pautado pelas observações, as quais se tornaram, com o passar do tempo e a aproximação entre a pesquisadora, o grupo de alunos e a professora, cada vez mais o ponto central da pesquisa. Tal espaço propiciou não só a aproximação com a dinâmica da sala de aula e da instituição, mas também com o aprofundamento da trajetória escolar dos alunos, sobretudo dos que já levavam o estigma do fracasso escolar.

O contato pessoal que as observações participantes proporcionaram foi de extrema relevância para compreender quais relações os alunos estabelecem com o aprender e como saber e não saber influenciam a dinâmica da sala de aula, tanto do ponto de vista da elaboração de estratégias pedagógicas para lidar com o heterogêneo, quanto das relações dos alunos entre si e com a professora.

O papel de observadora era o de estar atenta aos acontecimentos, diálogos, olhares, ditos e não ditos da sala de aula observada. Tal estratégia, à luz do referencial teórico adotado, reconhece que a presença do pesquisador modifica, toca e deixa-o ser tocado com e pelo contexto pesquisado. Como afirma André (1995), a observação é chamada participante e não apenas observação porque se entende que quando se chega ao local de pesquisa não se consegue neutralidade e, portanto, interage-se; o pesquisador afeta e é afetado pelo dia a dia daqueles atores sociais.

À medida que o tempo de convivência foi avançando, tornou-se possível perceber o quanto as relações entre a pesquisadora, alunos e professora intensificaram-se. As relações um pouco mais formais, características dos encontros iniciais, foram se distanciando e dando lugar à construção dos laços de confiança que permitiam tanto alunos como professora a procurar a pesquisadora para conversar sobre questões pessoais e dividir algumas angústias e conquistas. Essas questões levam a crer que a experiência de troca afastou os possíveis receios da pesquisa enquanto um meio de culpabilizar e apontar erros e falhas, trazendo o fortalecimento dos diálogos. O carinho dos alunos, os abraços, a vontade de sentar próximo e as diversas conversas abertas que ocorreram com a professora

aumentaram a confiança de que o modo de conduzir a pesquisa refletiu o real interesse em estar ali: partilhar experiências e pontos de vista, sem julgamentos e condenações.

Para o registro das observações, foram adotados dois modos: diário de campo e relato ampliado. Viégas (2007), à luz das pesquisadoras mexicanas, reitera que o pesquisador deve utilizar essas duas formas de registro para ter um aprofundamento das suas observações. No diário de campo, o qual era produzido no momento exato da observação, eram anotados todos os aspectos possíveis observados no dia (EZPELETA; ROCKWELL, 1989). Aqui vale ressaltar que esse diário foi de acesso irrestrito ao seu conteúdo: tanto os alunos quanto a professora poderiam ler, embora apenas os alunos tenham feito esse pedido. A abertura do diário de campo para os participantes da pesquisa auxilia na minimização dos possíveis receios da presença do pesquisador em sala de aula (VIÉGAS, 2007).

Ao final das observações do dia, as anotações do diário de campo e as lembranças dos acontecimentos e sentimentos, transformavam-se em um relato ampliado (APÊNDICE D). Tais relatos tinham como característica tanto os aspectos descritivos das situações quanto as impressões deixadas por aquela vivência, tentando abarcar o maior número de detalhes sobre os acontecimentos (VIÉGAS, 2007).

b) Análise documental dos históricos dos alunos

Com o intuito de conhecer a história documentada dos alunos dentro da escola, foi visitada a secretaria da instituição e pesquisada a pasta do 3º ano B. Durante essa pesquisa, foi levantado o histórico escolar de cada aluno da turma a fim de possibilitar uma aproximação com o percurso escolar individual deles até o referido ano. Como afirma André (1995), os documentos são relevantes no sentido de contextualizar o fenômeno pesquisado, explicitar suas vinculações mais profundas e completar as informações que estão sendo observadas e reunidas através de outras fontes.

As fichas dos alunos, porém, não traziam muitas informações, sobretudo as que ajudassem a compreender a trajetória escolar deles, com exceção de algumas, pontuais, que continham trechos das análises de competências e habilidades desenvolvidas ao longo do ano anterior, relatório de queixa por indisciplina assinado

pelos responsáveis, documentos de transferência e laudos médicos ou psicológicos. Em geral, o que havia eram documentos pessoais, como RG, comprovante de residência, carteira de vacinação etc.

Como a pasta da turma tinha certa precariedade de informações, a consulta foi feita em apenas uma tarde, sendo necessários diversos diálogos com a professora da turma, a fim de esclarecer algumas dúvidas e lacunas deixadas nos documentos da escola a respeito da história escolar vivenciada pelos alunos.

c) Entrevista com a professora

A realização de entrevistas estava prevista para acontecer desde a elaboração do projeto desta pesquisa, uma vez que ela é um instrumento interessante na pesquisa de cunho etnográfico, pois possibilita compreender a opinião do participante da pesquisa a respeito do tema, bem como nos auxilia a complementar algumas informações que não tenham sido possíveis de alcançar durante as observações.

No sentido do exposto, foi realizada uma entrevista semidirigida com a professora da turma do 3º ano B. Embora diversos temas tenham sido abordados por ela durante conversas informais, o momento de uma entrevista formal e gravada era de extrema importância para retomar algumas questões trazidas nessas conversas, aprofundar tais relatos e trazer temas ainda não debatidos.

Durante a realização da entrevista, tentou-se ao máximo deixar a professora falar livremente sobre os assuntos, tornando aquele momento muito mais próximo a um diálogo do que a uma mecânica busca de informações. Segundo Alves (1991), é importante que as entrevistas qualitativas sejam pouco estruturadas, assemelhando- se mais a uma conversa do que a uma entrevista formal. Nesse sentido, embora existisse um roteiro pré-elaborado (APÊNDICE E), foi evitada a imposição de perguntas estanques e a professora foi convidada a falar sobre alguns temas, pedindo para ela aprofundar alguns assuntos que diziam respeito às informações que a própria fala gerava, permitindo uma contínua transformação do esquema trazido.

Optou-se por fazer a entrevista no início do mês de dezembro, em data próxima ao término do ano letivo, pois nesse momento já havia uma gama de informações suscitadas pelas observações no campo e a professora já tinha

vivenciado um ano inteiro com seus alunos, permitindo ter uma ideia mais profunda do perfil de cada um deles, sobretudo no que tange aos processos de aprendizagem. No momento da entrevista, a professora já sabia quais alunos seriam conservados no 3º ano e quais avançariam para o 4º, informação importante para o desenvolvimento da análise da pesquisa. Além do exposto, realizar a entrevista ao final do processo do campo permitiu que a professora tivesse tempo de conhecer, conviver com a presença da pesquisadora em sala e criar um vínculo, o que facilitou muito a abertura de um diálogo.

Como a professora ficava na escola para dar aula à turma da noite, a referida entrevista foi realizada ao final do turno da tarde quando todos os alunos do vespertino já tinham ido embora. Conseguir fazer a entrevista nesse horário facilitou bastante sua fluidez, pois sem a correria rotineira de alunos, aulas e acontecimentos inesperados que compõem o turno escolar, a professora pôde se concentrar na nossa conversa quase sem nenhuma interrupção. Nesse sentido, a entrevista, que durou mais de uma hora e meia, enriqueceu as informações construídas durante as observações, complementou os diálogos informais corriqueiros entre a pesquisadora e a professora e abarcou alguns temas e pontos de vistas que ainda não haviam sido referidos.

Finalmente, é importante ressaltar que a transcrição da entrevista foi feita pela pesquisadora, pois a possibilidade de escutar novamente e com atenção o material gravado já é o início da análise da entrevista. Foi o processo de transcrever que tornou possível reviver aquelas palavras, observar ditos e não ditos, tons, risos, sussurros e modos de falar que ocasionalmente escapam no momento e que, tantas vezes, nos comunicam questões cruciais para a compreensão do próprio conteúdo da entrevista.