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DESGASTE MENTAL E PROCESSO DE ADOECIMENTO DO PROFESSOR

PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE

8.2 DESGASTE MENTAL E PROCESSO DE ADOECIMENTO DO PROFESSOR

argumento de incompetência, esvaziando sua prática de sentido e, não raro, apontando o dedo para seus colegas de trabalho.

Por incorporar e fazer parte dessa concepção ideológica dominante, os professores, comumente, não percebem que as limitações de sua prática vão muito além do modo individual de saber e atuação docente e, diante de questões estruturalmente políticas, buscam soluções individuais para lidar com as condições precárias e desrespeitosas às quais estão expostos. Dessa maneira, os professores são acometidos por justificativas medicalizantes que se propõem a explicar e tratar o mal-estar e a angústia vivenciados rotineiramente por esses profissionais, entendendo-os como uma questão particular do próprio docente.

8.2 DESGASTE MENTAL E PROCESSO DE ADOECIMENTO DO PROFESSOR

O afastamento de professores por questões de saúde, tanto física quanto mental, tem sido cada vez mais frequente na realidade escolar, sobretudo das escolas públicas. As problemáticas políticas e sociais apresentadas anteriormente são condicionantes estruturais para que esse processo de adoecimento do professor ocorra. Porém, quando pesquisadores, profissionais de saúde, mídia e até mesmo os próprios professores voltam-se para a compreensão da temática, eles tendem a analisar as más condições de trabalho como fator desencadeante e não constitutivo do problema (PAPARELLI, 2009).

Quando o educador se vê diante do mal-estar provocado pelos problemas educacionais, eles, frequentemente, buscam alternativas individuais de lidar com isso e sanar tais “sintomas” (PAPARELLI, 2009). O professor chora escondido para pôr para fora as frustrações trazidas pela impossibilidade de exercer seu papel fundamental de educador; procura um fonoaudiólogo para ajudá-lo a preparar melhor a voz, aquecendo-a e desaquecendo-a, para encarar uma jornada imensa de trabalho em turmas lotadas e salas com pouca acústica; vai a um especialista para tratar do seu estresse; e silencia os verdadeiros problemas fazendo uso de psicofármacos ou medidas alternativas de saúde.

No sentido do exposto, como nos mostram algumas pesquisas feitas na Bahia e em outros estados do Brasil, é comum encontrar professores com disfonia (MACEDO; SOUZA; PONDÉ, 2008; PROVENZANO; SAMPAIO, 2010), dores

musculoesqueléticas (CARDOSO et al., 2009) e outras doenças físicas (ARAÚJO; CARVALHO, 2009; FARIAS, 2009) provocadas pelas condições de trabalho nas escolas. Mais do que adoecimento do corpo, tem sido muito comum professores da rede pública de ensino diagnosticados com depressão, síndrome do pânico, transtorno de ansiedade e outros transtornos psíquicos, terminando, muitas vezes, afastados do exercício laboral e/ou fazendo uso de medicamentos controlados para conseguir enfrentar a rotina diária de trabalho.

Um estudo feito em Alagoas no ano de 2009 com servidores públicos estaduais, por exemplo, mostrou que a categoria de profissionais que mais se afastou das atividades laborais por motivo de transtornos mentais e comportamentais foi a de professores. Das 75 categorias pesquisadas, os professores representavam 45% do total de licenças médicas concedidas de janeiro a dezembro do ano de 2009, seguida dos auxiliares de serviços gerais15, que representaram apenas 8% dos casos (SILVA et al., 2012).

Corroborando com a pesquisa feita em Alagoas, estudo realizado pela APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), no ano de 2010, indicou que 41% dos professores entrevistados da rede estadual de São Paulo sofriam com algum problema relacionado à saúde mental. Desses, 29% receberam o diagnóstico de depressão e 23% de transtorno de ansiedade (ROUSSELET, 2010). Ainda segundo o sindicato, 57% dos professores da rede diagnosticados com depressão foram afastados do cargo, seguido dos profissionais com diagnóstico de transtorno de ansiedade, esse referente a 49% dos casos de afastamento (CALIXTO, 2012). O mesmo acontece no estado do Rio de Janeiro, onde, no ano de 2014, mais de 1200 professores da rede estadual foram afastados por depressão e outros transtornos mentais. Os transtornos psíquicos são a segunda maior causa de afastamento por licença médica nesse estado, perdendo apenas para problemas ósseos e fraturas16.

Um vídeo divulgado recentemente pela TV Carta, da revista Carta Capital, entrevistou os professores da rede estadual de São Paulo, os quais estavam em greve. Nas entrevistas concedidas pelos docentes, diversas delas denunciavam as condições precárias nas quais elas trabalham, falando sobre falta de material,

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Auxiliar de serviços gerais também é uma das categorias profissionais que fazem parte da escola. Portanto, mesmo esses profissionais podem estar relacionados com a educação.

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Conferir notícia em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/depressao-tira-1210- professores-de-sala-da-rede-estadual-do-rio-15469366>. Acesso em: 09 maio 2015.

estrutura física inadequada e falta de investimento por parte do Estado. Diante desse cenário, os professores do vídeo fazem um alerta a respeito do processo de adoecimento do professor: “É deprimente. A gente acaba ficando doente”; “Eu desconheço o professor que trabalha careta, sem estar tomando remédio”; “Dentro da categoria alguns professores acabam sofrendo disso [estresse e desgaste mental], ou eles tomam algum tipo de remédio ou eles acabam mesmo tendo outros problemas mentais que afastam”; “Sabe o remédio do professor? Chama fluoxetina! Isso é Rivotril. Para você ficar bem”; “É isso que a gente vive, é essa a realidade” 17

. Além do exposto, o vídeo também faz um alerta para o fato de alguns professores estarem mais suscetíveis ao alcoolismo para dar conta de todas as questões citadas. Nesse momento, vale chamar atenção para a expressão facial endurecida de algumas professoras entrevistadas no vídeo, sobretudo de uma profissional bem jovem, que devido às condições de trabalho em que atua, perde a leveza e a tranquilidade, demonstrando em suas sobrancelhas franzidas o quanto está duro lidar com a escola.

É importante salientar que quando Estados e Municípios voltam-se para a problemática do processo de adoecimento físico e mental do professor, eles reforçam o argumento da promoção de saúde como um trabalho individualizado. Os estados da Bahia e de São Paulo, por exemplo, têm implantado algumas ações de medidas preventivas de saúde voltada para professores. O Programa de Atenção à Saúde e Valorização do Professor (BA) e o Programa São Paulo Educação com Saúde (SP)18 se baseiam em levar equipes multiprofissionais, com enfermeiros, psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionistas e outros profissionais de saúde, para fazer visitas às unidades escolares e encaminhar professores que apresentam problemas de saúde para acompanhamento médico. Dessa forma, políticas públicas vão mascarando os reais problemas educacionais e focando no professor individualmente, seguindo na lógica inversa do ditado popular que diz que é melhor prevenir do que remediar.

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Link do vídeo: <https://www.facebook.com/CartaCapital/videos/922044971150251/>. Acesso em: 11 maio 2015.

18

Para maiores informações sobre os programas citados, acesse os seguintes links: <http://educadores.educacao.ba.gov.br/saudedoprofessor>;

<http://revistaescolapublica.uol.com.br/textos/35/mal-estar-docente-300042-1.asp>;

<http://www.apeoesp.org.br/noticias/noticias/pesquisa-aponta-que-depressao-e-maior-causa-de- afastamento-de-professores/>. Acesso em: 09 maio 2015.

Compreender as problemáticas vividas diariamente pelos professores como doença e propor soluções no campo da saúde para lidar com elas, como, por exemplo, ter a presença do profissional fonoaudiólogo na escola para lidar com o desgaste da voz, do fisioterapeuta para amenizar os problemas de coluna, do psicólogo para lidar com as angústias etc., retira de cena questões fundamentalmente políticas, históricas e sociais que constituem a educação pública brasileira. Esse processo de transformar problemas político-sociais, portanto coletivos, em individuais é, como sabemos, chamado de medicalização. Nesse sentido, estamos vivendo um processo de medicalização de professores, o qual tem servido para ocultar as violências a que essas pessoas estão submetidas, convocando-as a procurar tratamentos individuais que tornem possível retomar o bem-estar físico e psíquico em condições desumanas de trabalho.

8.3 MEDICALIZAÇÃO DE PROFESSORES: REFLEXÕES A PARTIR DOS