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Capítulo I – Por que a EJA Florianópolis?

1.1 Caminhos que levaram à escolha do cenário de pesquisa

O interesse em estudar os problemas e as propostas para o ensino de línguas adicionais me acompanha desde a primeira vez que entrei em uma sala de aula como professora de Espanhol, o que aconteceu no ano de 2003. Na ocasião, acabava de assumir um cargo no Curso Pré- vestibular São Marcelino Champagnat do Colégio Marista São José. As instalações eram no Bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, próximas às favelas do Boréu e da Formiga, de onde muitos alunos eram moradores. Assim como na EJA Florianópolis, lá também era comum encontrar alunos que nunca tinham estudado uma língua adicional, e nos primeiros dias de aula de cada semestre era necessário fazer um trabalho de aproximação com os estudantes para que eles não se negassem a ler os textos propostos, sempre sob os mesmos argumentos: "Não sei espanhol!", "Não entendo nada do texto!", "Não tenho como realizar os exercícios sem saber espanhol!".

Éramos, meus colegas professores de Espanhol e eu, orientados pela coordenação a trabalhar a partir dos textos de provas de vestibulares anteriores das principais universidades brasileiras. A maioria delas exigia apenas habilidade de compreensão leitora dos candidatos, outras exigiam habilidade de compreensão leitora e produção escrita, mas sempre a primeira em maior proporção. O

objetivo das aulas era desenvolver a leitura instrumental da língua adicional e era a isso que eu mais me dedicava, porém, como algumas universidades exigiam dos alunos produção escrita em língua estrangeira, pairava a necessidade de dominar conteúdos linguísticos específicos para realizar a prova. Tendíamos a trabalhar com exercícios formais de repetição para solucionar essa questão, mas sempre me pareceu que seria necessário um tipo de atividade mais relevante, elaborada justamente para desenvolver as habilidades que mais interessavam aos alunos, e que estivessem em consonância com os objetivos do curso.

Já em minhas experiências na educação básica da rede privada e nos cursos particulares de línguas, a metodologia de ensino e os conteúdos curriculares eram muito bem definidos pelas empresas ou escolas. A consolidação disso era feita através dos livros didáticos adotados, que se alternavam entre abordagem comunicativa e behaviorista. Sendo que a última era a mais comum ou ocorria em maior proporção - principalmente nas escolas de educação básica do sistema regular de ensino -, pois, mesmo que se incentivasse o uso da língua adicional para a comunicação, os alunos eram exaustivamente testados através de exames que induziam à aprendizagem mecânica das formas linguísticas apresentadas nos livros.

Apesar de, na época, desejar trabalhar em sala de aula seguindo os preceitos da abordagem comunicativa, criando espaços e atividades nos quais os alunos pudessem interagir na realização de atividades, percebia-me impossibilitada de fazê-lo. Sentia-me “engessada” por ter a obrigação de cumprir o calendário escolar de provas, sendo que tais avaliações exigiam dos alunos basicamente domínio de determinadas estruturas formais, compreensão escrita e alguma compreensão oral de diálogos artificiais. Não conseguia, como fui orientada durante minha

formação acadêmica em nível de graduação, promover o

desenvolvimento das quatro habilidades em sala de aula, na educação básica.

Durante minha experiência nesse nível de ensino, era comum que minhas práticas pedagógicas promovessem a estratificação das habilidades linguísticas, ou seja, o desenvolvimento das quatro habilidades de forma desigual e desarticulada. No entanto, atualmente, estou de acordo com Cox e Assis-Peterson (2008, p. 34) quando afirmam:

No caso de LE, a noção de letramento inviabiliza o agrupamento do conteúdo em termos de quatro

habilidades: ler, escrever, ouvir e falar se misturam, se inter-relacionam nas práticas sociais e discursivas do tempo presente como em nenhum outro momento da história, combinadas a recursos das linguagens não-verbais.

Importa dizer que - com a reduzida carga horária da disciplina, com o grande número de alunos em sala de aula e com a preocupação em avaliar a aquisição de formas linguísticas e compreensão escrita, por causa dos exames - era difícil os casos de alunos da educação básica que iam além da compreensão da linguagem como um sistema com estruturas linguísticas e como uma “entidade abstrata” ao invés de “um material que é parte da vida social e cultural de cada indivíduo” (PENNYCOOK, 2010).

Como nunca me senti confortável com nenhuma das metodologias que empregava, a busca por atividades mais relevantes, que atendessem aos verdadeiros objetivos dos alunos, me acompanhou durante toda a minha trajetória profissional como professora de Espanhol. Mas foi em 2008, na EJA de Florianópolis, que enfrentei o maior de todos os desafios: repensar completamente minha prática pedagógica.

Durante aquele ano, recebi influências determinantes que transformaram minha concepção de ensino/aprendizagem de língua adicional e de Educação de Jovens e Adultos. Contudo, embora me sentisse mais próxima da prática que idealizava, segui com inquietações e questionamentos. Antigas questões que me afligiam foram então substituídas por novas durante o contato com a pedagogia praticada na EJA.

Comecei a me preocupar mais em delinear minha concepção de língua e linguagem e em esclarecer os objetivos do ensino de Espanhol do que em desenvolver procedimentos metodológicos, no sentido mais restrito, para ensinar essa ou aquela estrutura linguística. Naquele contexto, a linguagem deveria ser entendida como “instituição social” (CELANI, 2010), usada para agir no mundo, para transformar realidades; e a língua, como um sistema de significados e de formas, que serve de instrumento para se atingir tal fim.

Dessa forma, os objetivos de se ensinar/aprender uma língua estrangeira tornaram-se claros: compreender melhor o que acontece no mundo, no país, na região, na comunidade e na vida de cada um, através de estudos e debates que possibilitassem “o entendimento de como se produz conhecimento na sociedade” (OLIVEIRA, 2004, p. 05). Isso

oportunizaria aos alunos a participação em discussões reais da sala de aula e da vida cotidiana, levando-os a agir no mundo para transformar realidades. Nessa abordagem crítica de ensino-aprendizagem de línguas, as formas linguísticas ficam em segundo plano, o que não implica abandonar o planejamento e a sistematicidade das atividades em espanhol, já que são necessários para o desenvolvimento de determinados conhecimentos.

Dito isso, passo, a seguir, à descrição detalhada da proposta pedagógica da EJA Florianópolis, descrevendo assim o que provocou o início das transformações das minhas práticas pedagógicas. Posteriormente, apresento a delimitação do objeto de pesquisa deste estudo.