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Capítulo III – Perspectivas metodológicas: estar, olhar e ouvir

3.5 Os atores sociais da EJA que deram voz a esse estudo

3.5.3 Isabel

Isabel é a caçula de cinco irmãos. “Nasci em Uruguaiana, às dez

horas da noite, por parteira, na mesma rua onde eu morei minha vida inteira”. O bairro onde viveu era muito pobre, mas, segundo Isabel, “agora está lindo”. Os pais também são naturais de Uruguaiana. A mãe morreu aos 34 anos. “Eu tinha só três anos e ainda mamava”. Após a morte da mãe, foi criada pelos avós. A casa da avó, onde morou até os cinco anos foi desapropriada para a construção de uma escola pública de educação básica. Quando tinha seis anos, o pai casou-se novamente e levou os cinco irmãos para morarem com ele e a esposa. A madrasta matriculou todos em um colégio de freiras particular. Isabel estudou nesse colégio por dois anos e depois precisou sair porque “ficou caro demais”. Aos oito anos, então, passou a estudar na escola que ficava no terreno da antiga casa da avó. Lá, concluiu o primeiro segmento do ensino fundamental. Mas, para ingressar no segundo segmento, era preciso fazer uma “prova de admissão” na qual Isabel foi reprovada algumas vezes. A última tentativa nessa prova foi aos quatorze anos. “Na ocasião, uma amiga, que era „carne-e-unha‟ comigo passou e eu não. Aí desisti.”

Nessa idade, começou a trabalhar como copeira e babá na casa de uma família da cidade. Voltou a estudar aos vinte anos, incentivada pela patroa. “Minha patroa era boazinha e me ajudou a estudar. Também

pagou um curso para mim no SENAC pra eu ser copeira por profissão porque a família era rica. Eu tinha que aprender etiqueta para servi-los”. Foi nessa época que concluiu o ensino fundamental. Em seguida, ingressou em um curso de ensino médio técnico em contabilidade, mas não concluiu. Abandonou no segundo ano. Adora a área de exatas e, em sua casa, é ela quem controla as finanças. “Parece mentira, mas lá em casa sou eu que controlo o dinheiro, porque, por incrível que pareça, é o Vítor quem gosta de gastar”.

Conheceu Vítor, seu marido, aos vinte e um anos, em Uruguaiana. Casaram-se e moraram na mesma cidade até 2002. Nesse mesmo ano, mudou-se com a família para Florianópolis para acompanhar a patroa. Diz que sempre achou o marido muito inteligente e desde quando o conheceu dizia-lhe que deveria voltar a estudar. “Ele quase voltou uma época, mas coincidiu com a copa de 74 e ele quis olhar os jogos”.

Em 2011, aos 61 anos, ela e o marido se matricularam no Núcleo Laranjeiras da EJA Florianópolis. Escolheram esse núcleo porque fica no bairro ao lado do bairro onde moram. Isabel resolveu voltar a estudar porque estava se sentindo “parada no tempo”. “Eu, no meu trabalho, ficava só com a minha patroa, e não tinha problema se eu falasse errado. Mas fui percebendo que o Vítor, por causa dos contatos que ele tinha, trabalhando no mercado, foi falando melhor. Aí as pessoas, os meus filhos, ficavam me corrigindo”.

Ela e o marido estão gostando tanto de estudar na EJA que se arrependem de não terem começado antes. Isabel, que já completou o primeiro ano do ensino médio, está cursando o ensino fundamental novamente para acompanhar o marido. “A vizinha me convidou pra fazer o ensino médio, mas eu ainda não respondi. Acho que agora que ele já tá bem entrosado com todo mundo eu poderia ir”. Diz que enquanto o marido pretende estudar por muitos anos, para melhorar de emprego, ela pretende apenas concluir o ensino médio. Seu objetivo é “lembrar de como falava tudo certinho antes”. Como gosta muito de cozinhar e seus dotes culinários são bastante elogiados - a ponto de ter sido convidada para cozinhar para o prefeito da cidade -, sua pretensão com relação a futuros estudos está relacionada aos cursos específicos de culinária.

Com relação à abordagem da EJA, Isabel diz que não sabia que a proposta era de educação via pesquisa. Mas está “adorando”. Também aprova o ensino bilíngue. Como morou grande parte da vida na fronteira do Brasil com a Argentina, “o ouvido está acostumado ao espanhol”. Sempre achou uma língua linda e sempre adorou ouvir as pessoas

falando o idioma. Contudo, Isabel diz: “nunca consegui hablar”. Rimos da sua construção híbrida, do fato de a própria construção da frase negar seu conteúdo. Afirma que, embora não tenha nenhuma dificuldade para compreender pessoas falando em espanhol, considera que não sabe a língua porque não lê bem e nem escreve nada. Nunca tentou escrever em espanhol. Queria ter mais aulas com a professora Helena na EJA, acha que ela poderia estar no núcleo mais dias por semana. Crê que, se a professora fosse mais presente, ela poderia aprender a língua adicional. Gosta da ideia de aprender novas línguas. Também gostaria de aprender inglês. Em Uruguaiana, só havia oferta de inglês nas escolas nas quais estudou, do ensino fundamental ao médio. “E olha que era na fronteira, né?”.

Embora apreciasse o espanhol, o apreço não se estendia aos vizinhos argentinos. Descritos por ela como: “fechados”, “brigões”, pessoas que “não gostavam dos brasileiros”. Sempre ouviu seus conterrâneos falarem esse tipo de coisa dos argentinos. Os brasileiros, por sua vez, “revidavam e faziam a mesma coisa. Inclusive, porque se sentiam explorados ao consumirem produtos argentinos, cobravam mais deles quando eles vinham comprar no Brasil”. “Eu mesma, quando ia comprar lá, falava tudo bem em português só para eles não entenderem”. Também achava os vizinhos baderneiros, pois em dia de jogo entre as seleções brasileira e argentina - quando a Ponte Internacional inclusive era fechada devido às brigas e provocações -, iam até a metade da ponte para soltar rojões. Isabel não vê todo o povo argentino da mesma forma. Crê que, na capital, por exemplo, “os brasileiros são mais bem quistos e melhor tratados pelos argentinos”.