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3 CAMINHOS PARA OS FANDOMS

3.3 No Campo

As visitas ao campo foram iniciadas em maio de 2015, ainda no primeiro semestre do mestrado. A volta ao espaço após a construção do pré-projeto de pesquisa trouxe novas considerações e mudanças consideráveis nas pretensões e objetivos da pesquisa. A princípio, foi notado que a dinâmica no local de sociabilidade chave da pesquisa, a Boate Metrópole, havia se alterado. O espaço físico onde os homens gays integrantes dos fandoms faziam performances e disputas de dança havia deixado de existir. Também não existam mais disputas de dança durante toda noite no novo palco da boate. O local de performance e de possível competição passou a ocorrer na pista de dança. Muitas vezes, para garantir a dinâmica da performance, um círculo se abria no meio da pista de dança para que aqueles dispostos a dançar conseguissem performar as coreografias de suas divas.

Os locais de sociabilidade escolhidos inicialmente para a pesquisa não apenas se alteraram internamente, como no caso da Boate Metrópole, mas também outros locais foram retirados do roteiro etnográfico. Localizada no bairro de Setúbal, na Zona Sul do Recife, a boate San Sebastian, voltada ao público LGBT de classe média alta, encerrou as atividades em

dezembro de 201621; já a boate MKB, voltada ao público das classes populares e localizada no bairro da Boa Vista, no centro do Recife, foi retirada da pesquisa por não ter apresentado nenhuma noite temática dedicada às divas da música pop, além de não ser frequentada pelos integrantes dos fandoms, objeto do presente trabalho. Deste modo, a pesquisa de campo foi focada na Boate Metrópole e no Santo Bar, ambos localizados no bairro da Boa Vista. A região no entorno da Boate Metrópole tem aglomerado, nos últimos anos, bares e espaços de sociabilidade direcionados ao público LGBTs, sinalizando uma formação mais consolidada de um “point LGBT” frequentado pela classe média.

A ida ao campo no ano de 2015 e 2016 ocorreu geralmente em festas temáticas de divas pop promovidas pela Boate Metrópole e pelo Santo Bar. Foi através de grupos organizados no aplicativo de mensagens eletrônicas Whatsapp e na rede social Facebook que o primeiro contato entre o pesquisador e os fãs ocorreu. Apesar de ter conhecimento dos nomes e dos contatos de fãs reconhecidos como “chaves” entre os integrantes dos fandoms, para a presente pesquisa, achei oportuno tentar entrar em contato com nichos de fãs que não fizessem parte do meu ciclo de contato e amizade. Criar novos contatos demandava paciência e cuidado com as novas relações propostas, afinal de contas eu era uma pessoa “de fora”, que não era fã das divas estudadas e não participava das atividades do grupo. Já para os fãs chaves, eu era visto como um pesquisador, militante LGBT de esquerda e fã da cantora P!nk. O período da pesquisa e de inserção no campo foi oportuno para a criação de contatos, uma vez que os novos álbuns da Britney Spears e Beyoncé foram lançados nesse período. Era perceptível o restabelecimento da rede de fãs, e o fortalecimento dos contatos entre eles no momento em que ocorria o lançamento de novidades musicais e da vida privada das cantoras na mídia. A coincidência desses momentos foi muito positiva para o desempenho do campo, afinal as festas temáticas, os encontros dos fãs e os eventos de lançamentos dos CD, só ocorriam porque as redes haviam sido reativadas. Nas minhas idas ao campo, percebia que esse momento era também um meio de reencontro de amigos e colegas dos fandoms, de reconexão com a obra das suas divas e fortalecimento das práticas de adoração/veneração entre seus integrantes.

O contato com fãs das cantoras Beyoncé e Britney Spears, apesar de difíceis em alguns momentos, resultou em troca de informações e abertura para compartilhamento das dinâmicas de cada fandom. Existia uma curiosidade dos fãs em relação a minha pesquisa; em alguns

momentos senti que o fato de eles serem “sujeitos da pesquisa” demonstrava uma relevância e importância para as suas respectivas divas. Cheguei a ouvir de um fã: “Olhaí, Beyoncé é tão

foda que estão até pesquisando [sobre] ela na universidade”. Nos momentos em que mencionei

que também iria estudar fãs da Lady Gaga, ouvi piadas de que seria difícil acessar os fãs da cantora devido ao seu perfil comportamental, já que esses fãs eram fanáticos demais ao ponto de serem considerados “loucos”. “Cuidado com os o Little Monsters!” era uma frase recorrente quando eu explicava o foco da pesquisa. A partir de observações preliminares, observei que os fãs da cantora Lady Gaga eram, em geral, mais jovens, com idades entre 16 a 23 anos. Possivelmente, essa diferença geracional explique o diagnóstico de “infantilidade” e “fanatismo” elaborado pelos fãs das cantoras Britney Spears e Beyoncé.

A escolha em priorizar grupos de fandoms na internet e pessoas desconhecidas do meu ciclo de amizade ou de “conhecidos da cena gay” na cidade, também foi utilizada como estratégia para iniciar a pesquisa com os fãs da Lady Gaga. Iniciei uma busca por fãs nas redes sociais, mas sem sucesso; tentei entrar em um grupo na rede social Facebook restrito a fãs, por meses, porém sem sucesso. Pedi para amigos integrantes do grupo para solicitar que fosse permitida minha presença no espaço virtual, porém não obtive qualquer retorno. Sendo assim, tentei encontrar fãs do meu ciclo de amizade dispostos a contribuírem com a pesquisa, mas uma vez a tentativa foi frustrada. Tentei realizar algumas entrevistas, mas as mesmas não ocorreram porque os contatos iniciais nunca se mostravam disponíveis para realizá-las. Ainda que apresentasse flexibilidade de tempo para realizar as entrevistas, inclusive me dispondo a fazê- las durante a madrugada para um fã que ficava mais ativo durante a noite, as tentativas foram em vão. Decidi me empenha com os outros fandoms e esperar que em algum momento as tentativas lograssem em algum resultado. Acredito que o fato de a cantora não ter lançado nenhum trabalho musical durante as tentativas iniciais da pesquisa, também contribuíram para a não adesão dos fãs à pesquisa. Após alguns meses de tentativas, fui sugerido pelo orientador a retirar o fandom da Lady Gaga da pesquisa. Acredito que a exclusão desse fandom permitiu um maior e melhor aprofundamento da análise dos fandoms das cantoras Beyoncé e Britney Spears (Beyhives e B-Army, respectivamente). Como explicado na introdução, foi escolhido como recorte o coletivo de fãs denominado de fandom. A palavra é uma junção do termo em inglês para ‘fã‘ (fan) com a terminação ‘dom’, que advém da terminação da palavra kingdom (que significa reino em inglês). Portanto, na palavra, o king (rei) é substituído por fan (fã) afirmando o poder e o glamour da figura adorada. No Brasil, alguns fãs usam o termo “fã-base”

ou “fãs de verdades”22, costumam atribuir esse termo para consumidores fanáticos e fieis aos

artistas. É característico que os fandoms possuam nomes próprios, que estabelecem relação com sua diva e com alguma característica coletiva do agrupamento. Um exemplo já citado é o

fandom da Lady Gaga, denominados de “Little Monsters” pois a sua diva seria a “Mother Monster” em referência ao single “Born This Way” (lançado em maio de 2011) em que a cantora

declama uma história ficcional em que ela, a “Mãe Monstro”, daria luz aos “monstrinhos”, essa nova “raça de pessoas” seria mais humanista e sem preconceitos.