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3.2 Entrevista

A entrevista, segundo Poupart (2008), seria um meio de acesso às realidades sociais, entretanto a linguagem e os contextos para compreender esse acesso não são facilmente coletados. Através da entrevista seria possível uma apreensão mais profunda da realidade social e das questões vistas no campo de pesquisa, abrindo possibilidades de compreensão das lógicas internas ao objeto de estudo. É com o uso das experiências dos sujeitos entrevistados que ocorreria a elucidação dos fatos sociais observados. Ainda segundo Poupart (Ibid.), o método qualitativo é um meio de dar conta do ponto de vista dos entrevistados, de como os atores compreendem e interpretam a sua realidade. É através da entrevista que alcançamos a compreensão do sentido dado as ações dos atores.

O narrar, segundo Bauer e Jovchelovitch (2002) seria o ato de trata de algo universal, comum e está presente em muitos espaços, afinal praticamente todas as pessoas tem essa capacidade através da fala. Existe uma auto-capacidade dos indivíduos em narrar, afinal de contas a narração está presente em tudo: “a narrativa está presente em cada idade, em cada lugar, em cada sociedade, ela começa com a própria história da humanidade e nunca existiu, em nenhum lugar e em tempo nenhuma, um povo sem narrativa. ” (BAUER & JOVCHELOVITCH, 2002, apud Barthes, 1993: 251-2.). Existe em todas formas humanas a necessidade de contar a descrever, independente de fatores linguísticos de desempenho. Logo essa escolha metodológica garante o uso de capacidades comuns e simples dos entrevistados.

Para Bauer e Jovchelovicth (Ibid.) a escolha pela entrevista narrativa dar-se-ia por duas razões principais: a primeira seria a busca por superar as limitações da uma entrevista individual semi-estruturada/estruturada na qual o entrevistado responde a algo já predeterminado pelo pesquisador, anulando assim a percepção de elementos inesperados na pesquisa. O método existe por uma crítica ao modelo pergunta-resposta tendo como objetivo aumentar a validade das pesquisas. Existe uma preocupação em ouvir o informante sem influenciar e estabelecer expectativas da resposta. “Ela [narração] emprega um tipo especifico de comunicação cotidiana, o contar e escutar história, para conseguir esse objetivo” (Ibid , pág. 95.). A segunda razão estaria na necessidade de compreender uma lógica de um grupo subcultural com linguagens e lógicas distintas. A respeito disso, Bauer e Jovchelovicth afirmam:

“Comunidades, grupos sociais e subcultura contam histórias com palavras e sentidos que são específicos à sua experiência e ao seu modo de vida. O léxico do grupo social constitui sua perspectiva de mundo, e assume-se que as narrativas preservam perspectivas particulares de uma forma mais autêntica. Contar histórias é uma habilidade relativamente independente da educação e da competência linguística; embora a última seja desigualmente distribuída em cada população, a capacidade de contar história não o é, ou ao menos é em grau menor.” (Bauer e Jovchelovicth, ibid., pág. 91)

No tocante à entrevista narrativa, outra autora relevante para discutir essa técnica é a da socióloga alemã Gabriele Rosenthal no texto: História de vida vivenciada e história de vida

narrada (2014). Segundo a autora, essa técnica permite perceber como as construções sociais

surgem, se reproduzem ou mudam através de experiências concretas dos agentes e discursos sociais em diferentes momentos. É também através da narração que foi possível observar impressões subjetivas dos entrevistados, como sentimentos, percepções sensoriais, e físicas ou componentes muitas vezes não mencionados na própria narração.

Através do método de entrevista narrativa foi possível acessar a visão que os sujeitos possuem em relação ao seu produto consumido, bem como perceber lógicas de construções da identidade sexual desses fãs. A entrevista narrativa possibilitou adentrar nos processos subjetivos do desenvolvimento da identidade sexual relacionando-a com consumo de determinadas cantoras pop. Contar a história de vida é contar sobre si, sobre o que é, e como acha que se é; uma vez que os narradores olham para o passado, o simbolismo e as significâncias subjetivas emergirão nos discursos. O trabalho de construção dessas lógicas e percepções de identidades se aproximaram da pesquisadora alemã Bettina Fritzsche cujo trabalho relacionou a apropriação do feminismo entre adolescentes consumidoras do grupo de música pop britânico

Spice Girls (2004).

Segundo Bauer e Jovchelovicth (2002), a entrevista narrativa deve seguir algumas fases, de forma a garantir sua maior potencialidade. São elas:

Fase 1 Preparação: a(o) pesquisador(a) deve conhecer o campo de pesquisa e formular perguntas exmanentes20, ou seja, adentrar nas lógicas de consumo dos fãs a serem entrevistados, conhecendo a fundo o que fora produzido por cada diva.

20 O termo se refere as lógicas, sentidos e contextos externos ao momento da entrevista. Tudo aquilo que não será

explicado nas entrevistas. Um exemplo disso são as citações das siglas e nomes de premiações internacionais da música, como VMA, AMA, Grammy e etc. que eram necessários para compreender os sentidos dos relatos nas entrevistas, sem que o entrevistado precisasse aprofundar sobre o tema. Afinal, eles pressupunham que eu sabia todas as siglas mencionadas.

Fase 2 Iniciação: a(o) entrevistador(a) elabora um tópico para garantir interesse do informante, ao ponto que a(o) entrevistado(a) se interesse com a entrevista afim de narrar informações válidas. Esse tópico necessita incentivar a(o) entrevistado(a) a contar sua história de vida.

Fase 3 Narração Central: a(o) entrevistador(a) deve deixar a(o) entrevistado(a) narrar uma história sem realizar comentários ou perguntas, sem porquês, apenas demonstrar incentivo a continuidade da fala do narrador. Esperar o momento de encerrar que será dado pelo narrador, indagar se de fato não gostaria de falar mais nada.

Fase 4 Questionamentos: a(o) pesquisador(a) deve fazer com que as perguntas exmanentes se tornem imanentes, ou seja, aproximar o contexto pessoal da(o) narrador(a) com questões da pesquisa usando a linguagem do informante. Não usar “por quê?”. Não mostrar ou apontar contradições.

Fase 5 Conclusiva: a(o) pesquisador(a) deve encerrar a gravação e atentar para as falas finais da(o) entrevistado(a), apenas nesse momento é possível realizar os “porquês”.

A narração é o recontar de uma história permeado por simbolismos e significados, construído pelo narrado de maneira argumentativa. Para tanto, Bauer e Jovchelovicth (2002) sugerem uma separação entre uma ordem cronológica narrada e uma sequência episódica. Tal proposta se aproxima da sugestão de método. Como já indicado no título do seu artigo, as técnicas de tratamento dos dados coletados deveriam também seguir uma separação binária: uma narrada e uma vivenciada.

Dessa maneira, os caminhos para uma análise consistente precisam ser categorizados a partir de duas perspectivas: 1 - História narrada: o pesquisador deve realizar uma apresentação de significados tidos quando o narrador olha para o passado; é importante lembrar que esse passado é construído no presente e que a significância simbólica e as comparações são construídas, de modo contínuo, na consciência do entrevistado; 2-Historia vivenciada: o pesquisador deve elaborar uma ordem cronológica, com sequência objetivas e relatando contextos históricos relevantes para a pesquisa de acordo com a vida do entrevistado e de fatos

históricos externos. No caso da presente pesquisa, elenquei fases das carreiras artísticas das cantoras.

Partindo das reflexões de George Mead (1969) sobre a relação do passado versus presente, Rosenthal (ibid.) propõe algo além do pensamento do passado pelo presente: “As perguntas dirigidas ao passado não se desenvolvem só no contexto atual do ato de perguntar, mas por sua vez, também surgiram a partir do passado” (Rosenthal, 2014, p. 229). O passado contraposto com o presente, no ato da pergunta, é um passado novo, se torna um passado diferente. Perceber o passado durante o presente permite que o narrador avalie e resignifique suas experiências do passado. Trata-se de um processo de recordação em que o fato ocorrido está sujeito “[...] de acordo com as condições e exigências do presente da situação recordada e do futuro antecipado, a uma modificação constante” (ibid.; p.229). Sendo assim, cada entrevistado recordará de momentos vividos que podem relacionar com sua identidade do que seria ser homossexual. O revistar do passado conseguiria criar laços de experiências passadas com a subjetividade percebida no presente.