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Identificação Identitária e por gostos: Adorando a diva

4 UM ESTUDO DOS FANDOMS: DEVANEIOS E A VENERAÇÃO DAS

4.3 Identificação Identitária e por gostos: Adorando a diva

O gosto pela dança é um dos motivos apresentados para iniciar os primeiros contatos com a diva, os pontos de conexão entre as figuras midiáticas e a audiência. A raça/etnia aparenta ser um outro fator que corrobora com esse primeiro contato. Dois dos três fãs da Beyoncé entrevistados são negros e durante a entrevista citaram o fato do empoderamento e o uso do discurso político identitário do álbum “Lemonade” como motivos para venerar a cantora. André (35 anos), visto socialmente como branco, também fã da cantora Beyoncé, citou durante as pesquisas de campo a importância do álbum da cantora para os fãs negros do fandom. Durante os ensaios era perceptível a maior quantidade de fãs negros da cantora, o mesmo foi percebido durante as festas temáticas em homenagem à cantora que ocorreram na boate Metrópole e no Santo Bar. Se a admiração de André pela Beyoncé não está fortemente atrelada pela identificação de sua raça, ela aparentemente estava conectada pelo seu gosto musical. André afirmou ser fã do estilo musical R&B, ritmo musical negro derivado do blues, ser fã da Beyoncé não era apenas ser fã do estilo pop, afinal o ritmo mais interpretado pela cantora no começo da carreira era o R&B, sobretudo no antigo grupo musical que projetou Beyoncé na indústria da música o Destiny Childs.

A identificação com a cor/raça não foi vista apenas nos fãs negros da Beyoncé, um dos fãs da Britney Spears citou o fato da cantora ser loira como um atributo físico para admiração e identificação com a cantora: “aí tipo eu vi aquela mulher maravilhosa [Britney] assim, eu

sempre fui louco por loiras, ai eu disse, meu deus que mulher linda incrível”. (Entrevista com

Jonas, 09/09/2016). Durante a segunda parte da entrevista, ao responder ao meu pedido sobre os motivos de gostar da Britney, Jonas respondeu sobre sua admiração ao fenótipo caucasiano da cantora, caracterizando-o como um estereótipo de beleza padrão:

“[...] na verdade eu fiz uma análise como se fosse assim, um estereotipo que acho, assim o estereótipo de loira padrãozinho que eu sempre admirava antes, sabe? A uma época atrás, o padrão de artista que eu admirava era realmente esse, loirinha, magrinha, branquinha então era bem isso [...] é que me chamava atenção [ser loira] pra, pra... ai porra que perfil bonito!” (Entrevista com Jonas, 09/09/2016)

A característica do gosto pela música era citada pelos entrevistados geralmente em três atributos: ritmo musical, voz e letras das canções. Diego (28 anos), ao iniciar a entrevista descrevendo quem era, afirmou ser fã do estilo musical pop, só então citou as figuras da mídia como Michel Jackson, Madonna e Britney Spears. Além do estilo música interpretado por sua diva, a voz da cantora apontada identificação do gosto:

“Eu não gosto do primeiro CD dela, porque eu acho muito infantil... a voz dela é muito infantilizada... só comecei a gostar no segundo CD, foi o Ops I Did It Again que ela mudou a voz né? Está mais anasalada que é o que eu prefiro e é mais sexy por isso eu gostei, o outro é muitoo... tem gente que prefere porque é mais cantora mas eu não gosto, eu gosto da falsinha mesmo” (Entrevista com Diego, 09/09/2016).

Durante a entrevista de Jonas, a característica de voz infantil era mencionada como uma das grandes qualidades da sua diva:

“Inclusive um dos motivos de eu amar [a canção]“Baby One More Time” é a vozinha dela, aquela vozinha gostosinha de minininha de 15 anos, acho que ela tinha 14 quando ela gravou, aquela vozinha super... patinho rouco mesmo, muito fofa, muito fofa, eu amo muito Baby One More Time.”. (Entrevista com Jonas, 09/09/2016).

“Mas é um dos motivos que eu gosto, acho que é a voz dela. Que não é aquela voz de P!nk44 sabe? Por isso quando falam da voz de Britney eu digo, ‘vai tomar no cu’... porque pra mim é um dos diferenciais, é um dos motivos de eu amar ela.” (Entrevista

com Jonas, 09/09/2016).

Para Diego, outro fã da Britney, o momento seguinte da carreira da cantora com o single “Oops I Did It Again” é mais sexy. A voz anasalada para ele daria essa sensação: A ênfase dada a voz de Britney Spears pelos fãs aparenta ser uma resposta tabu de que a cantora não consegue cantar ao vivo. [...] ela [Britney] nunca se colocou como um exemplo de cantora com potência

vocal que vai destruir tudo quando fizer um live, nunca falou isso...” (Entrevista com Jonas,

09/09/2016). Durante toda carreira da cantora, a incapacidade de performar ao vivo é motivo para outros fandoms deslegitimarem e criticarem a artista, piadas que atribuem a artista como

44 Cantora pop norte-americana com voz grave. P!nk é conhecida como uma diva mais pop/rock dentro do cenário

das divas internacionais. Na entrevista com André a cantora foi citada como exemplo de um tipo de pop que não gosta de ouvir: “Sobre Katy Perry é o seguinte, eu não gostava de Katy na época que ela lançou o primeiro álbum,

uma “cantora muda” são comuns nos espaços virtuais de fãs de música pop. Apesar disso, Diego relata não se importar com os comentários negativos a respeito da sua diva:

“[...] mesmo que seja um fiapo de voz, a gente gosta, até porque ela nunca se vendeu como cantora, ela mesma fala, ela se vende como performer, ela não se vende como cantora. Eu entendo que é bizarro que ela duble e tal, mas é aquela questão, você aceita ou não. Tem porque ficar debatendo porque ela dubla ou não. Ela dubla e pronto, 20 anos dublando.” (Entrevista com Diego, 09/09/2016).

O relato de Diego responde a ideia de que os consumidores da Britney Spears seriam enganados, uma vez que até sua capacidade de cantar é questionada pela mídia internacional. Para isso, ele retira o status de cantora da sua diva, deslocando sua relevância enquanto artista para a de performer, retirando assim consequentemente a necessidade de saber cantar ao vivo. Diego também deixa explicito que a sua escolha e a do seu fandom de ter a performer Britney Spears como uma diva, é de fato uma escolha consciente, o fato de não saber cantar ao vivo não se torna basilar para retirar a admiração pela diva, tampouco para parar de venerá-la. Há a conveniência, portanto, de aceitar essa característica da artista. Esse fato pode ser lido como exemplo dos variados significados que os consumidores dão ao conteúdo que consomem, significados estes que fogem das expectativas esperadas ao se consumir uma cantora. Afinal, segundo o próprio fã, ela seria uma cantora que dubla por 20 anos. E isso não é um problema, é uma escolha.

Outro fato mencionado como catalisador da paixão pela diva, ou como justificativa para afirmar o estado de ser fã da diva, é o conteúdo das músicas. As letras, os sentidos, as composições foram usados por Lucas (18 anos) para comparar a sua diva com outras cantoras:

“ai tipo tem gente que compõe sabendo de tudo que acontece pela internet mas ela não, ela faz questão de visitar de conhecer, de saber, de escutar a história dos outros, e assim compor a música”. (Entrevista com Lucas, 23/09/2016). Para outro entrevistado, Rafael (23 anos), o

primeiro contato com a Beyoncé não desencadeou o “se tornar fã”. Apesar de já conhecer alguns singles da cantora, como o “Crazy in Love” e “Naughty Girl”, apenas com a música “Irreplaceable” ele afirma ter iniciado seu processo de se tornar um fã:

“Eu acho que a partir de 2006 com “Irreplaceable” eu comecei a ser fã mesmo pra caralho de Beyoncé, eu fiquei tipo apaixonado [...]”

“Quando eu ouvi ‘Irreplaceable’ eu achei aquela letra muito forte, ela não tava nem ai pro cara sabe? Aquilo me representou mesmo que eu não me comportasse naquela época, naquela época era como eu queria me comportar, tipo... ela fala na música que ele não sabe nada sobre e ela pode conseguir um igual a ele em um minuto tipo, isso é muito amor próprio isso é muito colocar você em primeiro lugar antes de qualquer outra pessoa” (Entrevista com Rafael, 24/09/2016)

Autores como Daniel Cavicchi (1998) e Bettina Fritzsche (2004), ao estudar os fãs do cantor Bruce Springsteen e Spice Girls, respectivamente, constaram uma correlação entre a vida pessoal dos artistas e a letra das músicas. Segundo Cavicchi, as músicas conectavam os fãs com momentos e sentimentos passados, transportavam os sentidos para ocasiões especificas das suas histórias de vida. Já Fritzsche relacionou os discursos das Spice Girls com o empoderamento de garotas adolescentes alemãs em suas percepções e vivências enquanto mulheres. Algumas fãs se reconheciam nas letras das músicas e tornaram o grupo pop como possíveis fontes de empoderamento feminino. O conteúdo da música pode ser utilizado de diversos meios pelos consumidores, durante as entrevistas, as músicas e os videoclipes cumpriam o papel de conquistar os fãs e ser um dos elementos para a transformação um simples consumidor da audiência em um fã devoto. Um dos fãs da Beyoncé ao explicar o porquê de não parar de ouvir a cantora desde o começo de sua adolescência quando teve o primeiro contato com ela afirma: “ela [Beyoncé] faz música... não só música que seja animada pra pessoa dançar [...] geralmente as pessoas que estão escutando essa música quando vê a tradução, vê que se encaixa totalmente com a vida dessa pessoa, mesmo ela tendo escrito relacionado a vida dela [Beyoncé] mas sempre está espelhando a vida de outras pessoas, como por exemplo [a música] ‘Flawless’, ela é uma música bem pra animar a pessoa, dizendo que a pessoa é perfeita, não importa o que aconteça, a pessoa acorda perfeita a pessoa precisa, ela não precisa se maquiar, ela não precisa produzir cabelo, ela é perfeita do jeito que ela é!” (Entrevista com Lucas, 23/09/2016)