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Mapa 1: Cursos do Pronera por municípios de realização (1998 – 2011)

2 CAMPO COMO UM LUGAR PARA A VIDA

2.3 O CAMPO COMO LUGAR PARA A VIDA

O Campo é um lugar de vida, para a vida, que tem vida e serve para a vida. “Este é meu lugar, nasci e me criei aqui, no campo. Gosto daqui, mas quero estudar, eu preciso estudar. Então preciso ir para a cidade...”. Esta frase foi enunciada muitas vezes por mim, e muitas pessoas que vivem no campo também as pronunciaram, como demonstram pesquisas realizadas (HARTWIG, 2012) sobre o processo de migração das pessoas do campo para a cidade, principalmente, dos jovens.

Neste desafio, ancoramos nosso debate para reconhecer o “campo como um lugar para à vida”, porém, para além de compreendê-lo, é lutar para que este de fato assim seja. Um campo em que a vida seja possível plenamente, onde se possa estudar, trabalhar, se divertir, ter acesso aos serviços públicos, enfim, um campo onde a vida se produz e reproduz.

Nesse sentido, discutimos o lugar e qual o significado desta categoria geográfica. Pensamos que o mundo é um composto de muitos lugares, como referem Santos e Silveira (2008), e é na relação de uns lugares com os outros que os espaços locais e globais vão se modificando e se transformando.

Neste sentido, o lugar poderia ser compreendido como um elo da relação entre o local e o global, pois o lugar não é isolado. Assim, por meio dos diálogos com Massey (2008), a pesquisadora Andreis reflete que o “[...] lugar está implicado na produção do global e que o global está implicado na produção do lugar.” (ANDREIS, 2014, p. 222).

Em relação aos lugares no processo de globalização, Santos e Silveira (2008) referem “processos da globalização” e suas influências diretas e indiretas, positivas e negativas, nos diversos, espaços, lugares e na vida das pessoas. Os estudiosos fazem uma observação sobre a presença de grandes empresas do capital e suas instalações, que transformam lugares e relações sociais dos mesmos. Para os respectivos autores, “[...] cada lugar, como cada região, deve ser considerado um verdadeiro tecido no qual as condições locais de infraestrutura, recursos humanos, fiscalização, organização sindical, força reivindicatória afastam ou atraem atividades em dado momento.” (SANTOS; SILVEIRA, 2008, p. 297). Nesse sentido, os aspectos particulares próprios, singularidades de determinados lugares, podem atrair ou afastar a implantação de uma grande empresa/indústria, ou seja, as possibilidades de investimento do capital, confluindo com as contradições da globalização.

O lugar, em relação com o todo, com o global, e também o local, produz dinamicidades, como aponta Andreis (2014, p. 224):

Os lugares não são estáticos, não tem fronteiras como divisão demarcatória de espaços fechados e não têm identidades específicas. Isso não significa, segundo Massey, negar a singularidade do lugar, mas significa discutir o sentido global do lugar. Significa não priorizar modelos de datação e nomeação, colando-os ao espaço como se assim fosse desde sempre, negando o espaço, como social e o global existindo assim como lugar – local.

Na nossa pesquisa esse lugar é o campo, esse não como afastado ou à parte da sociedade, mas que reconhece os assentamentos e a comunidade rural31 em que

as escolas pesquisadas estão inseridas, como fruto das relações sociais em nível global.

Esses contextos de lugares dinâmicos representam movimentos divergentes e convergentes, devido aos complexos sociais que se estabelecem na relação entre os sujeitos em relações com os lugares. O lugar existe enquanto “[...] vínculos e elos com outros lugares, estando também relacionado com outros sujeitos localizados e em relações com outros sujeitos e locais.” (ANDREIS, 2014, p. 222).

31Nesta pesquisa em especial referi-nos a comunidade rural, na qual localiza-se a EEB Profº

Tertuliano Turíbio de Lemos, esclarecemos que a escola está localizada no contexto de uma agrovila próxima a uma indústria de celulose de médio porte. Porém ainda assim optamos em referenciar como comunidade para designar a população que reside no campo, tem vínculo direto com a agricultura e pecuária, apesar de obter também renda oriunda de trabalho assalariado.

Isso recai sobre o reconhecimento do campo, que se constitui enquanto um lugar da vida. Indica que a relação estabelecida pelos sujeitos que vivem e moram no campo vai se modificando, projetando e transformando lugares.

Verificamos o histórico da maioria dos assentamentos rurais no Brasil. Onde antes era um latifúndio32, hoje, por meio da relação entre sujeitos sem-terra de um

lugar com outros lugares, fazem uma ocupação33, tensionando a realidade,

transformam aquele lugar em um assentamento rural.

Por meio desse, observamos o movimento (vivo) do lugar e as suas diferentes significações para determinados sujeitos. Andreis (2014) ressalta as questões relacionadas ao sentimento e ao pertencimento aos lugares. Para a pesquisadora, observam-se elementos “[...] que aproximam o lugar da noção de identificação e pertencimento afetivo-emotivo-valorativo.” (ANDREIS, 2014, p. 215).

Nessa perspectiva, voltamos ao exemplo da transformação tensionada do latifúndio em assentamento, entendendo que este lugar pode ter diferentes significações aos sujeitos que ali vivem ou viviam. Antes da ocupação, este lugar provavelmente não tinha nenhum significado para os trabalhadores sem-terra, que muitos tão pouco o conheciam, contudo, para o fazendeiro, suposto “dono” daquele lugar, esse poderia por exemplo ter um significado de descanso, de poder, ou talvez tantas outras significações.

No entanto, este lugar (o latifúndio), ao se tornar assentamento, pode ter modificado o significado para seus antigos “proprietários”. Porém, para o trabalhador sem-terra que ali foi assentado, pode ser um lugar no qual a reprodução digna da vida se torna possível, um espaço vivido, sonhado por aqueles que ali vivem agora.

Essas transformações do lugar ocorrem em relação com o mundo e do mundo com esse lugar. Assim, a pesquisadora Caldart (2008) reflete sobre os sujeitos do campo na relação com a materialidade da vida, nos diferentes lugares

32 Latifúndio é uma grande propriedade de terras, que está nas mãos de uma única família, ou até

mesmo de empresas, sendo na maioria dos casos com documentação duvidosa. Geralmente, estas áreas quase não são cultivadas, não se tem aproveitamento nem econômico e nem social, não movimenta a economia e nem proporciona empregos. Este tipo de propriedades é muito comum em países subdesenvolvidos e geram grande concentração de terras no país e aumento da pobreza no campo (STÉDILE, 2012).

33 De acordo com Stédile, a ocupação de terras é a essência do MST, reunir pessoas, aglutinar

famílias organizadas para ocupar uma área de terra é o que dá unidade ao movimento. Assim, quando um grande grupo de famílias sem-terras se organizam através do MST, para fazer a ocupação de uma fazenda, elas estão lutando por algo que historicamente lhes foi negado, que é o direito à terra, por isso a ocupação de terras. O acampamento, fruto de uma ocupação de terras, é a grande escola do MST, o sentido de comunidade, solidariedade, de aliança e de unidade na luta por um grande objetivo é a grande mística (STÉDILE, 2012, p. 115-123).

que tornam capaz a transformação dos processos educativos do campo, pois “[...] a materialidade educativa de origem da Educação do Campo está nos processos formadores dos sujeitos coletivos da produção e das lutas sociais do campo.” (CALDART, 2008, p. 81).

Entende-se, neste contexto, que o campo se constitui enquanto um lugar de produção da vida, tem relação direta com as questões sociais locais e globais e sofre influência direta da tentativa de homogeneização do sistema capitalista.

Dessa forma, o campo se apresenta como um lugar dinâmico, contraditório, lugares de resistências, compreende a utilidade e atualidade dos avanços tecnológicos e científicos, considerando-os importante. Assim, questiona-se: A serviço de quem está essa forma de avanço, de progresso? A pesquisadora Caldart (2008) infere sobre pensar o campo numa perspectiva de vida, de existir enquanto cidadão, isto implica o debate das relações de trabalho, dimensões culturais e econômicas, relações sociais, os processos produtivos no e do campo, ou seja, a visão de campo enquanto totalidade.

Nos referindo à pesquisadora Caldart (2012), o campo da Educação do Campo se constrói com base na história, se penetra na atualidade, questiona, problematiza, reflete e busca transformá-la ativamente, a educação está atrelada intrinsicamente a um projeto de sociedade de natureza ética, política, social.

Ao elencarmos o campo como “um lugar para à vida”, enunciamos a nossa problemática da pesquisa, que permeia sobre as indagações acerca da juventude do campo. Problematizam-se questionamentos em relação aos jovens, por meio das escolas de ensino médio e suas propostas pedagógicas na relação com a política de Educação do Campo, considerando as singularidades do campo.