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Mapa 1: Cursos do Pronera por municípios de realização (1998 – 2011)

2 CAMPO COMO UM LUGAR PARA A VIDA

2.4 EDUCAÇÃO DO CAMPO: UM OLHAR SOB AS SINGULARIDADES

2.4.1 Juventude

Como mencionamos acima, os jovens, ou a juventude do campo, são singularidades que estão expressas na realidade, a qual se realiza esta pesquisa. Mas o que é ser jovem do campo? O que significa essa tão falada fase da vida, na qual o presente está relacionado com o passado, quando era criança, e o futuro está ligado ao adulto que se pretende transformar? Essas indagações são também enunciadas por Castro, ao afirmar “o jovem é associado ao futuro, a transformação social” (CASTRO, 2016, p. 439). Elencando reflexões sobre muitos estudos que tendem a “associar os jovens a problemas sociais” (CASTRO, 2016, p. 439), enfatiza-se a condição de ser jovem em meio ao desenvolvimento capitalista e, em especial, de ser jovem do campo.

Ao observarmos as políticas públicas voltadas para a juventude, em especial, o Estatuto da Juventude (Lei n. 12.852)34, esta mesma lei considera juventude a fase

da vida que corresponde a faixa etária de 15 a 29 anos. Todavia, ao fazer uma leitura prévia de ser jovem somente enquanto faixa etária, termos quantitativos, torna-se uma análise que pouco contribui. Portanto,

[...] embora a juventude possua marcas definidoras que distingam esse tempo de vida de outros, por outro lado, não pode apenas ser compreendida como um tempo em si, porque só existe na relação com o outro, que é o não jovem, diante da universalidade que envolve ambos. (JANATA, 2012, p. 114).

A pesquisador aponta a análise do jovem para além do tempo e da idade, tematiza as relações sociais que envolvem a . Para essa pesquisa, consideramos os jovens que frequenta o ensino médio, basicamente, uma faixa etária entre 14 a 19 anos. Lembrando que, ao analisarmos os PPPs das escolas de ensino médio do campo na relação com a política de Educação do Campo, estamos analisando uma proposta educacional voltada para o jovem do campo.

Ao nos reportamos à juventude, mensuramos também a fase da vida em que a desfrutamos de muita saúde, de sonhos, de utopia, e que deve se gozar desta

34 O Estatuto da Juventude é considerado um dos principais marcos legais no Brasil, que referencia

as políticas públicas para a juventude. Está promulgado no Diário Oficial da União como Lei n. 12.852, de 5 de agosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/ L12852.htm>. Acesso em: 27 abr. 2017.

idade da melhor forma possível, deve trabalhar e estudar muito, para futuramente garantir uma vida mais sossegada. Essa ideia é comumente reiterada.

Por outro lado, devemos explicitar que, com os jovens da classe trabalhadora, a fase da juventude nem sempre representa sonhos e utopia, pois: “O jovem da classe trabalhadora do início do século XXI carrega a marca da sociabilidade do capital, assolado pelo desemprego, pela falta de perspectivas, pela violência, tráfico de drogas, prostituição” (JANATA, 2012, p. 229).

Referimos, assim, o processo de exploração da juventude no sistema capitalista, que culmina com a educação escolar projetada para as crianças e jovens da classe trabalhadora que reforça e visa naturalizar esta exploração.

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma, ‘internalizada’ (isto é, pelos indivíduos devidamente ‘educados’ e aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente imposta. (MÉSZÁROS, 2005, p. 35).

O autor remete à compreensão de olhar os jovens, para além deles, estender uma leitura do contexto social em que este jovem está inserido. Assim, o contexto social do campo é o tempo presente da juventude a qual nos referenciamos, quando nos propomos a analisar as propostas pedagógica da escola de ensino médio do campo, considerando como é ser jovem do campo e viver a juventude neste lugar. Analisa-se, nesta perspectiva, a educação projetada para os jovens estudantes do ensino médio no campo.

Referimos o título deste texto, “Juventude do Campo”, àquela parcela da população jovem brasileira que mora no campo, na maioria dos casos invisibilizada pelos órgãos governamentais, e projetadas como futuros trabalhadores urbanos. De acordo com Castro “[...] no Brasil, juventude e políticas públicas como tema investigativo alcança maior visibilidade nos anos 1990, recebendo grande impulso nos anos 2000 (CASTRO, 2016, p. 2).”

Notamos, assim, que a lógica de ver os jovens do campo como futuro jovens urbanos não demonstrava necessidade de pensar ou estudar sobre a juventude do campo até basicamente final do século XX. Segundo a pesquisadora Castro (2012), é a partir da década de 1990 que os jovens do campo passam a ser alvo de

pesquisas e estudos, em sua maioria relacionados ao “problema de migração” dos jovens do campo para a cidade e ao inchaço urbano.

Para tanto, concorda-se com Simões (2015) quando esse reflete em sua pesquisa com jovens faxinalenses35 e aponta pensar o jovem do campo para muito

além da diferença do jovem da cidade, mas sim tematizar estes, numa perspectiva de sujeito histórico social. Para o pesquisador:

[...] pensar para além do reconhecimento das diferenças que marcam territorialidades das juventudes nos campos e nas cidades, apontando para a compreensão de como estas diferenças se constituíram em fatores de subalternização, de ampliação das desigualdades socioeconômicas, de precarização da vida nos territórios, da exclusão e/ou fragilização das condições necessárias para a efetiva participação dos jovens como membros de uma sociedade. (SIMÕES, 2015, p. 271-273).

Notamos, a partir desta análise, que em muitos casos os jovens acabam sendo excluídos, enquanto membros participantes de uma sociedade, sendo vistos somente enquanto jovens do campo ou da cidade. Por almejarem renda e condições socioeconômicas melhores, acabam se deparando com a precarização da vida, tanto no campo quanto nas cidades.

Em relação aos jovens do campo, as diferenças que marcam a sua existência são ainda mais consideráveis, uma vez que, ao serem excluídos dos serviços públicos básicos, como saúde, educação e lazer, acabam carregando sob as “suas” a difícil “decisão” entre “sair ou ficar no campo”, como se fosse uma escolha dos jovens e não pela falta de escolhas dada as negações de alternativas de viver no e do campo. Nesta perspectiva, corroboramos com Castro (2016) sobre a imagem que se reproduz do desinteresse do jovem pelo campo, contribuindo para que estes não sejam visualizados pelo poder público.

A ausência de serviços públicos, e de políticas públicas, que atendam as demandas da juventude do campo contribui para a expulsão destes jovens do lugar onde moram, e buscam na cidade uma alternativa de vida, embora nem sempre seja esta a sua vontade (KUHN, 2013).

35 Os jovens faxinais vivem em comunidade faxinalenses, cuja cultura se caracteriza por pelo uso

socializado das terras, o de pertencimento e a memória comum da comunidade. A organização da vida é baseada no uso e gestão comunal das terras, dos recursos naturais, dos criadouros de animais, no cultivo de culturas diversificadas e nas relações e laços de solidariedade e reciprocidade. Possuem diversas práticas tradicionais ligadas à medicina natural, com o uso de plantas medicinais, rezas e benzedeiros (SIMÕES, 2015).

O acesso precário dos jovens do campo à educação, ao lazer, ao trabalho e à renda atinge de forma negativa essa juventude e arremessa uma grande parcela da mesma para os centros urbanos. Segundo Simões (2015, p. 266):

[...] não se trata apenas de um processo que atinge as territorialidades especificas dos chamados povos e comunidades tradicionais, a exemplo dos jovens faxinalenses e quilombolas, mas também de outros segmentos/representações espaciais da juventude rural.

Nesse sentido, as reflexões se dão em torno das ausências de políticas públicas, que de fato respondam pelas demandas da juventude do campo. Ao explicitarmos as ausências, não significa que elas não existam, pois obtemos conhecimentos de programas de governo36 voltados para os jovens que vivem no

campo, porém, é importante ressaltar que ainda são mínimas, e pouco significativas frente às necessidades destes jovens. Neste aspecto, enunciamos os estudos de Castro, pois para a pesquisadora, “[...] há consenso nas pesquisas quanto as dificuldades enfrentadas pelos jovens do campo, principalmente de acesso à escola e ao trabalho.” (CASTRO, 2016, p. 441).

A autora traz apontamentos extremamente relevantes e ao mesmo tempo preocupantes em relação ao acesso de jovens de assentamentos rurais a escola.

Em estudo sobre a educação em assentamentos (Brasil, 2005), essas dificuldades se confirmam como nacionais. De 2,5 milhões de entrevistados, 26% têm entre 16 e 30 anos, se somarmos este número a população com menos de 15 anos, ampliamos o percentual para um universo de 64%. Desses, 38,8% frequentam escolas (987.890), sendo: 48,4% estudantes do primeiro segmento do ensino fundamental (representando 95,7% da população com idade para estar matriculada nestas séries); 28,5% do segundo segmento do ensino fundamental; e apenas 8% do ensino médio e profissionalizante. [...] Segundo o Ministério da Educação (Brasil, 2005), uma das principais razões para o abandono da escolarização é a dificuldade de acesso às escolas a partir desse ano e, em especial o ensino médio. (CASTRO, 2016, p. 441).

Notamos, a partir dos dados acima, que há um percentual bastante considerável de jovens do campo em idade escolar fora da escola. Observamos que, na maioria dos casos, os jovens frequentam os primeiros anos do ensino fundamental, o número então vai decaindo quando chega aos anos finais do ensino

36 Principais programas ligados às políticas públicas para os jovens do campo a partir dos anos

2000: Nossa Primeira Terra (NPT); Pronaf Jovem; Pro Jovem Campo; Programa Cultura Viva; Proeja; Saberes da Terra. Disponível em: <http://juventude.gov.br/articles/0009/2708/Miolo_ Juventude_rural_web.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2018.

fundamental. Porém, quando aponta os dados da frequência desses jovens no ensino médio, as preocupações são gritantes, pois, de acordo com a pesquisa, de 64% dos jovens pesquisados e idade escolar, apenas 8% frequentam o ensino médio. Castro (2016) explicita também que, dos jovens que conseguem concluir o ensino médio, sendo a minoria, poucos destes frequentaram escolas que oferecem esta etapa de ensino no campo, a maioria vai para a cidade via transporte escolar.

Estudos de pesquisadores, como Strapazollas (2005), Simões (2015), Pavani (2011, 2015), Janata (2012) e Vieira (2013), problematizam as dificuldades de acesso da grande maioria das populações do campo, ao direito subjetivo constitucional, que é a educação pública e de qualidade, entendida como um dever do Estado. O direito à educação pública e de qualidade está explicitado no texto da Constituição Federal de 1988, alterado e revisado pelas emendas Constitucionais de 1 a 6/94, 1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo n. 186/2008, estabelecendo assim no Art. 208:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (EC no 14/96, EC no 53/2006 e EC no 59/2009) Da Ordem Social 123 I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;

II – progressiva universalização do ensino médio gratuito;

III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;

V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; (BRASIL, 2012a, p. 121-122).

Apesar de estarem postos em um documento oficial do Estado brasileiro, estudos realizados sobre a juventude do campo (já referenciados nos textos desta pesquisa) demonstram que ainda se tem muito a avançar, inclusive, sobre a política pública de Educação do Campo. Essa não conseguiu até momento atingir a grande maioria das populações do campo, e está mais presente nos lugares onde a atuação dos movimentos sociais, em especial, o MST.

Castro (2016) refere que em vários lugares os jovens estão se organizando socialmente e politicamente, através de movimentos sociais principalmente os ligados a Via Campesina37.

37 Via Campesina é uma organização de camponeses em nível internacional, visa articular as

Estes jovens confrontam a ideia de que os jovens não têm interesse pelo campo. Segundo a pesquisadora Janata (2012), os jovens lutam pelos seus direitos de morar, de estudar, de obter lazer e renda do e no campo, são pessoas que reafirmam conscientemente a sua existência enquanto jovem do campo e constituem uma identidade social. Estas organizações da juventude e seus processos de lutas e enfrentamentos são expressões claras das contradições causadas pelo sistema capitalista no campo.

Nesta perspectiva de diálogos sobre a juventude do campo, atribuímos às nossas reflexões o pensamento de Castro (2016, p. 442):

Assim, ‘ficar ou sair’ do campo é mais complexo do que a leitura da atração pela cidade e nos remete à análise de juventude como uma categoria social-chave pressionada pelas mudanças e crises da realidade no campo, e para a qual a educação do campo tornou-se uma questão estratégica.

Essas palavras da pesquisadora rementem a pensar e dialogar sobre a importância estratégica da Educação do Campo, analisando esta enquanto projeto de educação, e também como política pública.

Inferimos, dessa maneira, no texto em segue, sobre a perspectiva da formação, na Educação do Campo, estando imbuída aos projetos educacionais, a formação humana, que seja significativa e que envolve os sujeitos do campo, na relação com a sociedade, com o mundo.