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1 ANTROPOLOGIA, ESTÉTICA E MEMÓRIA

1.2 O campo da estética

Tomaremos a liberdade de iniciar nossas considerações colocando antes algumas questões de esclarecimentos, em torno do tema. Ou seja, antecipar na discussão sobre o campo da estética, a etimologia do termo. Dos tempos da Grécia de Platão até o século XIX a noção em torno da estética sofre variações e interpretações do seu conceito.

Tendo seu aparecimento na Grécia antiga, estética, ou "aisthesis" queria dizer sentir, mais envolvida pelo amálgama de sentidos desse verbo que instiga o sensível, a sensibilidade, o compreender pelos sentidos. Referindo-se assim a visão, audição, tato, olfato e paladar. Mas foi o século XVIII que fez a ideia de estética assumir novos contornos. Inicialmente pelas mãos de Alexander Baumgarten (1714-1762), ciência das faculdades sensitivas humanas,

investigadas em sua função cognitiva particular, cuja perfeição consiste na captação da beleza e das formas artísticas. Pensar sobre estética é considerar o esforço de levar em conta dois tempos históricos. Por um lado, como os antigos gregos as concebiam. Quanto a isso, encontramos um bom comentário:

Enquanto a filosofia não foi negada, nunca houve dificuldade em definir a Estética: tradicionalmente e sobretudo nas épocas “clássicas”, a Estética era definida como a “Filosofia do Belo”, e o Belo era uma propriedade do objeto, propriedade que, no objeto e como modo de ser, era captado e estudado. No belo, por sua vez, cogitava- se tanto do belo da Arte quanto do belo da natureza. Profundamente marcado pelo pensamento platônico [...] (SUASSUNA, 2009, p. 29).

Do outro lado, saber como a renascença a dispôs no contexto da modernidade. Quem nos oferece a porta aberta para entrarmos e contatar próximo com as primeiras ideias de estética para nosso interesse é a e escritora Santaella: “[...] Platão foi o primeiro a desenvolver uma teoria das artes inserida no contexto mais amplo de uma filosofia do belo que reinou soberana por séculos [...]” (SANTAELLA, 1994, p. 25).

Tendo concebido uma teoria das artes, Platão a considerava como uma “imitação da imitação”. Essa ideia vinculava-se ao nível ideológico de sua época. Se for verdade que cada época condiciona ideologicamente os homens a pensarem e conceberem o mundo das relações sociais, o mundo do trabalho à época de Platão tem sua parcela de determinação nesse modelo. A estética não ficou de fora do contágio desse jogo. O trabalho físico é a aparente causa e a fadiga física dos músculos a segunda. O trabalho não é considerado causa motora que determina o movimento. Não tendo por isso, valor intrínseco. Assim pensava o cidadão grego. Mas, onde há o ponto de contato dessa noção com a estética de Platão? Como já foi referido, Platão considerava a arte como uma “imitação da imitação”, isso “[...] quer dizer, aparência de segunda ordem e, consequentemente, duplamente afastada do ideal e da verdade” (SANTAELLA, 1994, p. 26).

O que mais nos interessa na concepção de Platão é o eixo motor de todo desenvolvimento do conceito de estética. Trata-se do conceito de mímese. Muito importante este conceito platônico quando pensamos nos registros rupestres do Boi Branco. Isto porque,

[...] sua concepção da realidade verdadeira como um universo abstrato e ideal de formas e ideias deriva a concepção da realidade ou aparência sensível como imitação (mimese) ou cópia imperfeita do ideal [...] esse conceito de mímese, por mais que dele possamos discordar, é, sem qualquer sombra de dúvida, um conceito originário, o primeiro a detectar e discutir o problema fundamental do qual nenhuma forma de arte pode escapar: o problema de sua duplicidade, que veio a receber, ao longo dos séculos, as mais variadas denominações, entre elas, representação, expressão, ilusão, semblante, simulação etc. [...] (SANTAELLA, 1994, p. 26).

Desse modo, ao pensarmos a antropoestética, um dos termos do nosso estudo, expressão híbrida composta por dois vocábulos significativos: antropos e aisthesis. Antropos, palavra originária do grego que designava face humana, ser que volve o olhar para o céu. Em resumo, o homem. Aisthesis, olhar e compreender pelos sentidos. Com isto, estaremos nos valendo no campo da estética em suas variações, seja com o sentido de beleza sensível como resultado de ato artístico (Platão), ou mesmo depreendendo-a como função da cognição (Baumgarten, século XVIII); ou sob a acepção de arrebatamento pelo sublime (Kant, século XVIII), conforme for à necessidade recorremos ainda a (Hegel, século XIX) com a sua harmonia das formas, e sua ideia de gênio criador e de “imaginação criadora” designa-lhe o nome de “fantasia” (HEGEL, 1983, p. 166).

É importante registrar que Santaella (op. Cit.) será nossa cicerone com sua obra Estética: de Platão a Peirce. Nela a autora nos serve as discussões mais periféricas que na primeira parte do seu trabalho história das filosofias da estética, como já foi demonstrado no corpo do texto. A segunda parte do livro a autora elabora mais o trabalho. Nesse seguimento ela apresenta a estética de Peirce, ponto diretamente ligado ao nosso estudo, pois se vinculará à semiótica assunto a ser tratado no Capítulo 3. Vejamos de forma breve como Peirce apresenta sua ideia de estética, reportado pela estudiosa desse lógico e filósofo da semiótica.

Peirce afirmou que a ética deve ser alicerçada sobre uma doutrina que, sem de modo algum fazer considerações sobre como nossa conduta deve ser, divide idealmente os possíveis estados de coisas em duas classes, aqueles que são admiráveis e aqueles que não são admiráveis, e assume definir precisamente o que é que constitui a admirabilidade de um ideal. Seu problema é determinar por análise o que é que se deve deliberadamente admirar per se, em si mesmo, independentemente das suas aplicações sobre a conduta humana. Chamo essa investigação de Estética (CP 5:36) (SANTAELLA, 1994, p. 125).

A estética é perseguidora de um bem. O bem é o admirável que Peirce sugere que seja uma escolha consciente do indivíduo. Admirado e admirador são, portanto, impactantes mútuos. As inferências do admirador repercutem transformações alteradoras do movimento e das alternâncias do julgamento individual. O admirado numa escala que se revela conforme o olhar do admirador se transforma, assumindo outras significações modificando também o admirador.

Feita a escolha do que é admirado, nasce o belo, nasce à estética. Coloca-se então o individuo, a caminho do “summum bonum”; “[...] o ideal dos ideais que não precisa de nenhuma justificativa ou explicação. A questão da estética, portanto, é determinar o que pode preencher esse requisito de ser admirável, desejável, em e por si mesmo, sem qualquer razão ulterior (CP 2.199)” (SANTAELLA, 1994, p. 126).

Apropriando-nos das ideias até aqui postas, pensando as Itacoatiaras como uma “beleza especial” tomemos o sentido do belo e do sublime ou ainda do “admirável” o “summum bonum”, os registros rupestres do Boi Branco são uma memória exteriorizada, e

exteriorizante acentuando ao meio ambiente da caatinga formas. Imprimindo aos contornos das rochas signos compartilhados socialmente, fazendo do local, um lugar especial. Um lugar socialmente humano, as signosgravura exprimem uma territorialidade, uma pertença. Visível memória revelando-se através de ação só percebida pela concessão sígnica das imagens preconizadoras de um imaginário perceptível através de uma estética humanizada.