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3 SIGNOGRAVURA COMO ELEMENTO DO IMAGINÁRIO

3.2 Signo como inscrição na cultura

Devemos dar início a esta discussão proposta pelo título, levando em consideração o meio ambiente. Tivemos oportunidade de referirmos ao ambiente da caatinga tomando como inspiração Bachelard para a ideia de imensidão, de silêncio e do profundo abissal, numa outrora pré-história do Agreste. A presença dos primeiros homo sapiens no contexto desse ambiente constitui novidade recíproca. Ou seja, aquele ambiente era novidade para os caçadores-coletores nômades. A chegada destes nômades era também uma novidade a todas as formas de vida existente. Se aqui puder fazer a aquisição da fenomenologia, diremos que o encontro, precisamente com aquele lugar no qual deixam as suas marcas, vislumbra-se como uma aparição para a consciência daqueles indivíduos.

Detentores de uma consciência e de experiências vividas, trazidas de outros ambientes, ao contato iminente destes indivíduos com o “novo”, este lhes desperta os sentidos,

interagindo, via processo dialógico com ambiente percebido. Essa interação ocorre de modo integrado ao mesmo. Essa situação permite que eles concebam assim, os mundos de que hoje temos notícia. Podemos nos servir para ilustrar isso, o belo exemplo que nos dá Yi-fu Tuan em sua “Topofilia”. Ao discutir “o meio ambiente, percepção e visões de mundo” ele nos

coloca diante de quatro grupos humanos distintos e suas respectivas percepções do ambiente. O primeiro dos grupos, encontramos os esquimós. Ao sujeito urbano, em seu sentido lato, custa crer que um indivíduo seja capaz de sem a tecnologia da ciência contemporânea, GPS, rádio etc., se deslocar mais de 150 quilômetros em uma terra, na qual uma perspectiva de horizonte, não é possível às retinas humanas divisarem o céu da terra. A superação deste imenso, deste profundo que é o “deserto de gelo” do Ártico pelo homem se dá através da sua integração com os elementos da natureza. Ou seja, o homem vivendo uma intimidade com o ar, com o gelo e a neve. Essa capacidade espirituosa dos esquimós nos é traduzida por Tuan (1980):

[...] o esquimó é capaz de viajar 150 quilômetros, ou mais, através dessas terras desoladas. Seus indícios são menos visuais do que acústicos, olfativos e táteis. Ele é guiado pela direção e cheiro dos ventos e pela sensação do gelo e da neve sob os pés. Os esquimós Aivilik tem pelo menos doze termos diferentes para os vários ventos e seu vocabulário para as diferentes condições de neve é igualmente rico. (TUAN, 1980, p. 89).

Os outros dois grupos seguem-se, os Gikwe, bosquímanos do Kalahari que habitam o sul da África, e os BaMbuti, habitantes da floresta equatorial do Congo. Enquanto os

bosquímanos Gikwe tem pela frente um ambiente além de árido, o deserto do Kalahari prontifica-se sem “marcos naturais”. Diferente dos Aivilik, que viviam a intimidade da

natureza em seu ambiente através do meio suspenso do ar, e a neve na sua horizontalidade de baixo dos pés, os Gikwe dirigem o olhar para a horizontalidade do chão arenoso do deserto.

Sua percepção extraordinária se orientará por uma acuidade visual. Uma especialização adaptativa que faz dos Gikwe descerem à intimidade da terra. O solo arenoso lhes pareciam páginas escritas, com registros quase indeléveis. As pegadas de animais na areia é uma espécie de retrato falado. Precisamente, para sobrevirem precisam de 1975 calorias, entretanto, conseguem obter do meio ambiente em que vivem 2140 calorias. A tudo isso, segundo Tuam (1980), que informa ainda:

[...] ao contrário da crença popular, o bosquímano não tem uma existência no limite da inanição. Para ter sucesso, um caçador e coletor do deserto, tem que desenvolver seus sentidos perceptivos em um alto grau de agudeza, principalmente da visão [...] o bosquímanos Gikwe podem dizer prontamente há quanto tempo um cervo, um leão, leopardo, pássaro, réptil, ou inseto passou um lugar [...] podem reconhecer um conjunto de rastros entre cinquenta e deduzir corretamente o tamanho, sexo, compleição e humor [...] conhecem o animal tanto pela sua escrita sutil na areia, como por sua presença física. (TUAN, 1980, p. 89).

Distintamente dos dois grupos, a floresta equatorial em sua envolvência não deixa transparecer para os BaMbuti os diferenciais terra, céu. Não há para eles horizonte, carecem de marcos naturais. Essa descrição incompleta pode ser esclarecida se compreender a relação dos BaMbuti com sua ecologia na copiosa fala de Tuan (1980):

Os pigmeus BaMbuti da floresta equatorial do Congo, vivem em elemento completamente abrangente e não tanto em uma terra com céu lá em cima e inferno embaixo. O próprio sol não é um disco brilhante com sua trajetória do céu, mas antes, manchas de luz tremulantes no chão da floresta. (TUAN, 1980, p. 89).

Os exemplos aqui são apresentados para demonstrar que ao contrário deles, nossos grupos de caçadores-coletores do Agreste, sendo nômades, eram andarilhos reveladores de novos ambientes, não sendo especialistas. Uma coisa em comum liga-os uns aos outros. O mundo é fruto tanto do fato social, quanto do elemento físico do agrupamento humano. Todos eles criaram signos capazes de conferir-lhes uma visão de mundo.

Em última análise, o signo é uma “instituição” que serve para categorizar o mundo,

um instrumento de estruturação do universo. Esse contato provocou de algum modo, “um julgamento de percepção”, uma interpretação se colocando entre “a consciência e o percebido”. Vimos noutro momento pela elucidação do Cacique Seattle, o quanto lhe custou todo o seu aprendizado. Do qual pode ser dito que “[...] os signos formam um conjunto

sistêmico que retratam as influências sofridas pelo homem no ambiente [...] sendo nomeados os objetos naturais e os objetos abstratos, produto do contato social entre homens ou da observação emotiva de coisas concretas” (FIORIN, 2010, p. 55).

Na proporção que o homem desenvolve sistema de sinais, mais adentra a ordem da cultura. Numa palavra: A vida do homem percebe-se, gira em função de signos e sistemas de signos, e sua mente não se separa do funcionamento dos mesmos. Os signos se inscrevem na cultura através da memória e identidade. Memória entenda-se, nem sempre individual, mas também social. Não existe uma franja separadora disso, o individual é parte como diz Heller (1989), da “substância da história”, que se encontra integrada na imaginação social de forma

dialética.

Os signos são sempre utilizados como meio de comunicação e representação do mundo, vendo por outra abordagem, a tensão existente entre o social e natural ocorre sem que um venha a substituir o outro. Reparemos nos primeiros registros pictóricos de animais, que o homem pôs nas paredes rochosas. Elas são autenticas comunicações visuais, mas também significação de uma intencionalidade. Na maioria das vezes objetivando o sucesso na caça, outras, pelo sucesso alcançado. A arte visual, com imagens de cenas do cotidiano, ou a pura gravura e signos geométricos decorrentes de uma impressão obtida pela psique humana coloca, portanto, o signo como elemento de comunicação, como um fato da cultura.

Vale lembrar que o signo é memória inscrita, é uma consciência dela, que premedita, reivindica a identidade, ao contrário de tudo isso “a perda da memória significa a perda de identidade”.

Não existe comunidade sem cultura. Esta se caracteriza pela sua comunicação sígnica. Exemplo nesse sentido são as signosgravura e o ântropo (zoomorfismo) encontrado nos hieróglifos da cultura egípcia, ou na imponência das suas pirâmides; signo, símbolo, significante e significado lá estão como exemplos de desejos de futuro. O mito de Mino na Grécia antiga espia bem pela sua emblemática narrativa.

Podemos atualizar: um signo, ou outra coisa que se equivalha, é o mesmo que utilizar o arsenal cultural de outrem. O signo por assim dizer, se coloca no interior da cultura que o gera.