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Canadá e Estados Unidos

No documento Almir Garcia Fernandes.pdf (páginas 49-52)

O Canadá, destacado como pioneiro na promulgação de legislação sobre o Direito da Concorrência, dedicou as várias reformas de seu Competition Act, para combater a formação de cartéis, chegando inclusive a incluir tal prática contrária à concorrência como um ilícito criminal, numa posição bastante divergente de outras legislações sobre o assunto, que qualificam a formação de cartéis apenas como um ilícito civil.

Nos Estados Unidos, a criação do Sherman Act, em 1890, representou uma referência não só para aquele país, mas para diversos outros na construção do Direito Antitruste “e até mesmo como garantia fundamental do cidadão na ordem econômica”128, entretanto os efeitos regulatórios de suas normas somente puderam ser constatados no século XX, pois as Cortes Americanas demoraram para compreender e aplicar de forma efetiva as políticas antitruste.

Isso ocorreu principalmente porque este instrumento normativo determinou que seriam consideradas violações as combinações contratuais em forma de truste ou outra qualquer, ou conspiração para restringir o comércio entre os diversos estados ou com nações estrangeiras, independente se tais combinações eram realizadas por pessoas físicas ou jurídicas129, porém não trouxe elementos para conceituá-las, o que gerou conflito na interpretação de suas normas. Para as Cortes americanas, a tarefa em reconhecer a cooperação que prejudicava o mercado na formação de trustes foi bastante complexa e exigiu muito dos julgadores, que

128 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica, p. 137.

129 Tradução própria do original: Every contract, combination in the form of trust or otherwise, or conspiracy, in restraint of trade or commerce among the several States, or with foreign nations, is declared to be illegal. Every person who shall make any contract or engage in any combination or conspiracy hereby declared to be illegal shall be deemed guilty of a felony, and, on conviction thereof, shall be punished by fine not exceeding $10,000,000 if a corporation, or, if any other person, $350,000, or by imprisonment not exceeding three years, or by both said punishments, in the discretion of the court. Disponível em: <http://usgovinfo.about.com/blsherman.htm>. Acesso em 15 fev. 2014.

precisavam desenvolver “princípios capazes de distinguir uma colaboração eliminadora de rivalidade e uma cooperação com o intuito de promover o crescimento”130, ou seja, “traçar a linha divisória entre cooperação aceitável e colusão ilegal, entre competição vigorosa e monopolização.”131

Ocorre que, mesmo sendo o Sherman Act uma legislação referencial, ele se mostrou, no início do século XX, “insuficiente para propiciar aos agentes econômicos a segurança e previsibilidade que sempre almejam”132, motivando em 1914 a publicação de outro instrumento normativo no combate aos cartéis, qual seja o Clayton Act.

O Clayton Act combatia ações anticompetitivas específicas que visavam à dominação de mercado por meio da formação de cartéis e trustes, fornecendo ao governo americano o direito de rever grandes fusões de empresas que poderiam minar a concorrência,133 tendo importante papel também na regulação da fixação de preços, negociações casadas e exclusivas que pudessem prejudicar não só o mercado, mas os próprios consumidores.

Assim, o Direito Americano possuía dois grandes instrumentos para combater os trustes e cartéis, quais sejam o Sherman Act e o Clayton Act. Dessa forma, estas duas normas ainda dependiam da criação de uma agência específica para colocar em prática todas as regras já previamente definidas.

Por isso, por meio da publicação do Federal Trade Comission Actem, 1914, foi criada a Federal Trade Commission, “com a principal missão de investigar práticas de concorrência desleal, emitir ordem de cessação, além de policiar práticas comerciais enganosas.”134

Por fim, a produção normativa norte-americana ainda foi incrementada em 1936, com o

Robson-Patman Act e, “em 1950, é promulgado o Celler-Kefauver Act, com o escopo de

reforçar as previsões do art. 7º do Clayton Act, na disciplina das fusões, compreendendo-se assim o quadro básico legislativo norte-americano”.135

Destaca-se, portanto, uma mudança de paradigmas quanto às finalidades de proteção das normas concorrenciais. A proteção passou a se voltar para a busca do bem estar do

130 GABAN, Eduardo; DOMINGUES, Juliana. Ibidem, p. 66.

131 OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. Direito e Economia da Concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 6.

132 FORGIONI, Paula. Os Fundamentos do Antitruste, p. 80.

133 Segundo publicação do Bureau of International Information Programs: The Sherman Act attacked conspiracies among companies to fix prices and restrain trade, and it empowered the federal government to break up monopolies into smaller companies. The Clayton Act was directed against specific anti-competitive actions, and it gave the government the right to review large mergers of companies that could undermine competition. Disponível em: http://iipdigital.usembassy.gov/st/english/publication/2009/09/20090916103413ebyessedo0.5757563.html#i xzz2uGcBKT3g, capturado em 20 de fevereiro de 2014. (tradução própria)

134 OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João. Ibidem, p. 7

consumidor e da sociedade como um todo, haja vista a “ausência, naquele país, de legislação compreensiva sobre defesa do consumidor.”136

A proteção da concorrência acabou por se tornar um instrumento indispensável na busca por reequilíbrio nas relações de mercado, despersonalizando a ideia de uma legislação de proteção individual do concorrente.

Isso ficou bastante claro, particularmente nos anos 50 e 60, “quando se identifica como função antitruste a existência de concorrência em si e a dilução do poder dos participantes no mercado”137.

Neste período, destaca-se a criação da chamada Escola de Havard, ou escola estruturalista, contrária à concentração de poderes no mercado, entendendo a concorrência um fim em si mesma. “O modelo recomendado por essa escola defende a manutenção e o aumento do número de agentes econômicos no mercado, mantendo-se a estrutura pulverizada. Acredita- se que assim as disfunções no mercado são evitadas”.138

Essa ideologia sofreu alteração nos anos 70, pois a reestruturação dos países europeus e do Japão pós-segunda Guerra Mundial fez com que as empresas norte- americanas esbarrassem em uma significativa concorrência internacional, o que levou os Estados Unidos a repensarem as suas perspectivas de combate à concorrência, buscando um novo referencial para suas políticas antitrute: a eficiência.

Essa nova perspectiva germinou na Universidade de Chicago (por isso chamada Escola de Chicago), e é chamada de teoria neoclássica, amplamente adotada pelas Cortes Americanas a partir dos anos 80.

Para os teóricos neoclássicos, a eficiência “se sobrepõe e elimina qualquer outro objetivo que possa ter o direito concorrencial, inclusive a própria existência da concorrência”139, não descartando a existência de monopólios. Vale esclarecer que essa eficiência acaba por retratar a capacidade empresarial de produzir produtos a custos menores e mais benéficos ao consumidor, hipótese em que eventuais concentrações de mercado nem sempre resultam em prejuízos sociais, postura esta que não ficou isento de críticas doutrinárias.140

136 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica, p. 137. 137 Idem.

138 GABAN, Eduardo; DOMINGUES, Juliana. Ibidem, p. 68. 139 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial, p. 40.

140Nesse sentido SALOMÃO FILHO, Calixto. “O exemplo clássico do choque entre os dois interesses são as concentrações econômicas. Nelas, a proteção de ambos os interesses, desde que levada a extremos (e, como se verá, caso sua interação não tenha sido compreendida), pode levar a soluções opostas. Assim, a proteção exclusiva da competição pode levar a concluir pela ilicitude de uma concentração econômica que, contando com ganhos de produtividade e eficiência, poderia ser benéfica para os consumidores. O inverso é igualmente verdadeiro, isto é, a preocupação exclusiva com o interesse dos consumidores pode levar a aprovar concentrações que levem a forte dominação de certos agentes econômicos sobre o mercado, o que pode ser bastante prejudicial aos concorrentes.

Desse modo, o século XX acabou mostrando-se não só nos Estados Unidos, mas nos mais diversos países como o momento histórico em que o Direito da Concorrência deixou de proteger o concorrente para proteção das atividades econômicas como um todo.

No documento Almir Garcia Fernandes.pdf (páginas 49-52)