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Princípio da Livre iniciativa

No documento Almir Garcia Fernandes.pdf (páginas 78-80)

Seção III – A aplicação dos princípios constitucionais da Ordem Econômica

A) Princípio da Livre iniciativa

A livre iniciativa é o princípio constitucional que, ao lado do valor social do trabalho, apresenta-se como fundamento da República Federativa do Brasil. É “o primeiro dos princípios que devem reger a ordem econômica e social, para realização do desenvolvimento nacional e a justiça social”230, do qual defluem grande parte dos direitos privados regulamentados na Constituição e nas legislações infraconstitucionais.

Segundo Comparato, deve ser entendido como liberdade de criação empresarial ou de livre acesso ao mercado, sendo protegido somente enquanto favorecer o desenvolvimento nacional e a justiça social, tratando-se de uma liberdade meio ou condicional231. Por isso a sua relação direta com a fundamentação da proteção específica dos bens da Propriedade Industrial e da coibição dos atos de concorrência.

A liberdade de iniciativa está vinculada, portanto, à liberdade da prática do comércio e da industrial, à liberdade econômica em geral, cujo principal titular, na dicção de Eros Roberto Grau, é a empresa.232

No universo empresarial a livre iniciativa apresenta quatro importantes desdobramentos, destacados por Fabio Ulhoa Coelho, quais sejam: a sua imprescindibilidade, no sentido de que ela é indispensável para atender às necessidades de todos; a preservação do lucro como principal fator de motivação da iniciativa privada; a importância social da proteção jurídica liberada ao investimento privado, feito com vistas ao fornecimento de produtos ou serviços; e o

230 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 2 ed. v.4. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 3.

231 cf. COMPARATO, Fabio Konder. Direito Empresarial. São Paulo: Saraiva, 1990.p. 6-7. 232 GRAU, Eros. Ibidem, p. 203.

reconhecimento da empresa privada como um importante polo gerador de postos de trabalhos, insumos, tributos e riquezas.233

Em conexão com essa realidade empresarial, destaca-se mais um desdobramento ligado à Propriedade Industrial, pois é justamente a livre iniciativa que permite a qualquer pessoa, natural ou jurídica, buscar proteção específica para invenções, modelos de utilidade, marcas, desenhos industriais ou indicações geográficas, em consonância com o incentivo à inovação, ao desenvolvimento científico e tecnológico.

Tal liberdade de iniciativa ligada à contribuição e ao progresso científico é prevista não apenas no texto constitucional, mas também na própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, que, em seu artigo 27, proclama o direito a toda pessoa de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam.234

A tutela de tal liberdade “capacita e desenvolve os recursos humanos, otimiza a criação de empregos, movimenta a economia, aumenta a arrecadação fiscal, atrai investimentos, inclusive estrangeiros, promove a integração social dos povos e oferece aos consumidores novas soluções técnicas aos problemas da vida.”235

Por outro lado, a exploração dos bens da Propriedade Industrial, devidamente patenteados e registrados, representa justamente uma limitação ao próprio princípio da livre iniciativa, pois o detentor da patente ou do certificado de registro pode impedir a exploração de atividade econômica daquele que indevidamente se utilize da forma específica de propriedade. A principal dificuldade prática na aplicação do princípio da livre iniciativa e da proteção da exploração econômica da Propriedade Industrial está justamente em encontrar um termo adequado para separar o abuso da exploração dessa propriedade com a liberdade de iniciativa.

Uma solução adequada para o problema é a utilização do princípio da razoabilidade por parte dos julgadores e do próprio INPI, na defesa da Propriedade Industrial. Vale lembrar que esse princípio não possui previsão expressa no ordenamento jurídico, representando construção doutrinária e jurisprudencial, tratando-se “de um princípio de proibição de excessos.”236

A razoabilidade e proporcionalidade contribuem para encontrar um ponto de equilíbrio entre a aplicação do princípio da liberdade de iniciativa e a proteção da Propriedade Industrial. Situação prática que ilustra a predominância do princípio da liberdade de iniciativa sobre a

233 cf. COELHO, Fábio. Ibidem, p. 32-33.

234 Art. 27. Todo homem tem direito a participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.

235 FALCONE, Bruno. Propriedade Industrial e Defesa da Concorrência. Convergência principiológica. Curitiba: Juruá, 2013, p. 183.

utilização de um bem da Propriedade Industrial está no Julgamento do Superior Tribunal de Justiça em recurso especial, STJ N.1.107.558 RJ, sobre o conflito entre as marcas "PÁGINAS AMARELAS" e "LISTAS AMARELAS" versus "CLASSIFICADAS AMARELAS".

No acórdão, os ministros entenderam que as marcas em litígios são compostas de um elemento comum inapropriável – o “amarelas” –, que, além disso, expressa uma característica essencial ao objeto comercializado. A exclusividade de seu uso seria contrária à livre iniciativa.237

Por fim, a liberdade de iniciativa de exploração dos bens da Propriedade Industrial encontra no aspecto temporal um limite previsto na própria constituição à exploração da Propriedade Industrial.

Destaca-se no inciso XXIX, do artigo 5º, da Constituição da República, que a garantia legal à exploração da Propriedade Industrial será deferida como um privilégio temporário. A legislação infraconstitucional permite a renovação do prazo de exploração dos registros e proíbe a renovação das patentes.238

Brancher, ao analisar o aspecto temporal de exploração da Propriedade Intelectual, afirma que a duração dos direitos “é medida com quase nenhum racional jurídico, mas sim econômico e político.”

Assim, importa reconhecer que o princípio da livre iniciativa permite a todos o direito de explorar tecnologias, formas e sinais distintivos, entretanto encontra importantes limites no respeito à ordem econômica, no aspecto temporal e no desenvolvimento social.

No documento Almir Garcia Fernandes.pdf (páginas 78-80)